Acórdão Nº 0001854-19.2013.8.24.0167 do Primeira Câmara de Direito Civil, 18-11-2021

Número do processo0001854-19.2013.8.24.0167
Data18 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001854-19.2013.8.24.0167/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: KATIESCA KAUFMANN KULPA ADVOGADO: DANIEL PIVA (OAB SC013239) ADVOGADO: MIRIAM ADAMS BERENDT (OAB SC021690)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, contra sentença prolatada pelo juízo da Vara Única da comarca de Garopaba, que nos autos da "Ação de Usucapião" n. 0001854-19.2013.8.24.0167, ajuizada por Katiesca Kaufmann Kulpa, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 98, PROCJUDIC2, fls. 122/127):

"[...] Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na presente Ação de Usucapião Extraordinária, aforada por Katiesca Kaufmann Kulpa, para declarar o seu domínio sobre a área descrita no memorial descritivo de fl. 13, servindo esta sentença como título para a matrícula que se realizará no Cartório de Registro de Imóveis competente. Custas pela parte Autora. Após o trânsito em julgado e pagas as custas, expeça-se mandado para inscrição no competente Registro de Imóveis, salientando que as despesas dos atos extrajudiciais deverão ser pagas pela parte autora (Orientação 16 da CGJSC). Intime-se o INCRA do inteiro teor da sentença, fazendo constar no mandado de intimação a identificação do imóvel, na forma do § 3º do art. 225, da Lei nº 6.015/73 e o endereço completo da autora (Art. 3°, caput e §1°, do Decreto 4.449/02).Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpridas as formalidades legais, arquivem-se."

Em suas razões (Evento 98, PROCJUDIC2, fls. 131/137), o Ministério Público de Santa Catarina asseverou que não há suporte jurídico para amparar a pretensão da autora, porquanto o terreno que pretende usucapir contém metragem inferior a Fração Mínima de Parcelamento do município (Garopaba-SC), fixada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em dois hectares (20.000m²). Assim, argumentou ser evidente a impossibilidade de usucapir a área pretendida, justamente por não atender o disposto na legislação quanto à metragem.

Ademais, sustentou que ainda se admitisse a possibilidade de usucapião em área inferior ao módulo rural, tal somente poderia ser excepcionada para garantir o direito à moradia e ao sustento da família mediante atividade agrícola realizada no imóvel (função social da propriedade), situação evidentemente não visualizada no caso, tendo em vista que a apelada afirmou residir em outro Estado, revestindo-se o terreno sob análise tão somente de exploração econômica.

Logo, o terreno em discussão não cumpre com os requisitos legais, razão por que a sentença deve ser reformada em sua integralidade. Em caso de manutenção do decisum, requereu seja determinada a "averbação na matrícula a ser gerada para imóvel de que a proprietária não poderá usar, ocupar ou realizar edificações em desconformidade com a legislação municipal".

Com as contrarrazões (Evento 98, PROCJUDIC2, fls. 143/151), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

De início os autos foram distribuídos à Segunda Câmara de Direito Público desta Corte de Justiça que, por ser incompetente para julgar o feito, determinou sua remessa à uma das Câmara de Direito Civil (Evento 98, fls. 160/163).

Em parecer da lavra da eminente Procuradora Monika Pabst, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (Evento 98, fls. 175/179).

O feito foi sobrestado até o julgamento do Tema 985 do STJ (Evento 98, fl. 181).

Cessado o sobrestamento, recebo os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, motivo pelo qual dele se conhece.

1. Inovação recursal

Inicialmente, no que tange ao pleito de "averbação na matrícula a ser gerada para o imóvel de que a proprietária não poderá usar, ocupar ou realizar edificações em desconformidade com a legislação municipal", vê-se a nítida inovação recursal, porquanto a matéria foi arguida em sede de recurso de apelação, não tendo sequer sido ventilada na origem, motivo pelo qual resta impedida a sua apreciação neste grau de jurisdição, sob pena de supressão de instância e violação ao duplo grau de jurisdição.

Nesse sentido: "Configuram-se inovação recursal os argumentos que somente foram sustentados neste grau de jurisdição e sequer submetidos à apreciação do juízo de origem, hipótese que inviabiliza o conhecimento de parte do recurso por este Sodalício, sob pena de incidir-se em supressão de instância" (TJSC, Apelação Cível, n. 0902012-68.2014.8.24.0020, Relator Des. Gerson Cherem II, j. 01/10/2020).

Por tal razão, o pedido não pode ser conhecido.

2. Mérito

Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, que pretende ver reformada a sentença que reconheceu o exercício da posse mansa e pacífica, pela autora/apelada, por mais de 15 (quinze) anos, com animus domini, fazendo jus à aquisição da propriedade por meio da usucapião extraordinária. Por consequência, foram julgados procedentes os pedidos formulados na peça portal para declarar o domínio da demandante sobre o imóvel situado em Garobapa/SC, Costa do Macacu, com área total de 2.867,66m² e um perímetro de 220,74m (Evento 98, PROCJUDIC2, fls. 13/14).

Acerca da usucapião extraordinária, dispõe o art. 1.238 do Código Civil:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

E, sobre o tema, leciona a doutrina:

A usucapião extraordinária é disciplinada no art. 1.238 do Código Civil e seus requisitos são: posse de quinze anos (que pode reduzir-se a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo), exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacificamente. Dispensam-se os requisitos do justo título e da boa-fé. (Gonçalves, Carlos R. Direito civil brasileiro v 5 - direito das coisas. 16th edição. Editora Saraiva, 2020).

Denota-se, portanto, que a ação de usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de direitos reais suscetíveis de exercício e posse prolongada no tempo, desde que observados os requisitos instituídos na lei que rege a matéria.

A propósito, é da lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida do seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unindo posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade [...] (Direitos Reais. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2010. pg. 274).

In casu, vislumbra-se que o Parquet não pretende discutir eventual ausência dos requisitos impostos pelo art. 1.238 do Código Civil, mas o fato de o imóvel apresentar metragem inferior à Fração Mínima de Parcelamento do município de Garopaba-SC, fixada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em dois hectares (20.000m²), situação que, adianta-se, não tem o condão de afetar a aquisição da propriedade pela autora.

O dissenso reside, dessa forma, na viabilidade de se usucapir área que, segundo fundamentado pelo recorrente, não obedece a fração mínima de parcelamento do solo.

Perscrutando o caderno processual, emana incontroverso que o imóvel objeto dos autos está situado...

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