Acórdão Nº 0001872-46.2013.8.24.0068 do Primeira Câmara de Direito Público, 13-12-2022

Número do processo0001872-46.2013.8.24.0068
Data13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001872-46.2013.8.24.0068/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: GENUIR UMBERTO BURNIER (AUTOR) APELANTE: LIDIANI PEREIRA BURNIER (AUTOR) APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (RÉU) APELANTE: LILIANE TAIS PEREIRA (AUTOR) APELANTE: SILVANA PEREIRA BURNIER (AUTOR) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Silvana Pereira Burnier, Genuir Umberto Burnier, Lidiane Pereira Burnier e Liliane Tais Pereira propuseram "ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais" em face da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - Casan.

Sustentaram que: 1) sua residência está situada em local alto, sendo frequente a falta de água; 2) nos últimos meses, a interrupção do abastecimento acarretou a passagem de ar na tubulação, fazendo com que o hidrômetro registrasse altos índices de consumo, mesmo quando não havia o efetivo fornecimento de água naquela rua; 3) houve o corte do serviço sem aviso prévio; 4) a cobrança dos referidos valores é indevida e 5) sofreram abalo moral.

Postularam: 1) o pagamento de indenização por dano moral; 2) o reconhecimento da cobrança indevida de valores nos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2013 e 3) a determinação de restabelecimento definitivo do fornecimento de água.

Em contestação, a ré arguiu, preliminarmente, ilegitimidade ativa. No mérito, afirmou que: 1) todas as faturas enviadas à unidade continham a informação de débito/pendências e, consequentemente, alerta da possível suspensão do abastecimento e 2) não houve irregularidade na medição (autos originários, Evento 152).

O Juízo reconheceu a ilegitimidade ativa de Silvana Pereira Burnier, Lidiane Pereira Burnier e Liliane Tais Pereira em relação ao pedido de reconhecimento de cobrança indevida (autos originários, Evento 177, DECI162).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

[...] Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado nesta ação declaratória de inexistência de débito para, consequentemente:

A) CONFIRMAR os efeitos da antecipação de tutela do evento 146 (decisão 43/44);

B) DECLARAR a inexigibilidade dos valores cobrados nos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2013;

C) LIMITAR a cobrança dos referidos meses ao valor de R$ 44,02, correspondente ao valor aproximado das faturas mensais anteriores;

D) CONDENAR a ré ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos autores, a título de dano moral, a ser corrigida monetariamente pelo INPC, a contar da data do arbitramento, e acrescido de juros de mora a contar do corte no fornecimento dos serviços de água.

CONDENO a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. [...] (autos originários, Evento 383)

Os requerentes opuseram embargos de declaração, que foram rejeitados (autos originários, Evento 403).

Ambas as partes apelaram.

Os autores alegaram que: 1) as novas faturas acostadas após o ingresso da ação fazem parte da pretensão autoral, motivo pelo qual devem estar abarcadas pela declaração de inexigibilidade e 2) o valor da indenização por dano moral deve ser majorado para R$ 40.000,00 (autos originários, Evento 408).

A Casan, por sua vez, suscitou: 1) a nulidade do ato de intimação para interposição do apelo e 2) necessidade de anulação da prova pericial, por ausência de respostas aos quesitos complementares e porque não foi elaborada com base nos parâmetros do Inmetro. No mérito, afirmou que: 1) a ilegitimidade ativa de Silvana Pereira Burnier, Lidiani Pereira Burnier, Liliane Tais Pereira foi reconhecida em decisão interlocutória, o que não foi observado pelo magistrado no momento da prolação da sentença; 2) o hidrômetro foi avaliado tecnicamente com respeito às regras do Inmetro e da ABNT por meio de laboratório de hidrometria, tendo sido devidamente aprovado; 3) exigir a fiscalização interna do imóvel onde está sendo feita a destinação da água é prova impossível, nos termos do § 2º do art. 373 do Código de Processo Civil; 4) é imprescindível a diminuição do quantum indenizatório e 5) os juros de mora devem ser contados a partir da sentença.

Contrarrazões no Evento 423 dos autos originários.

VOTO

1. Nulidade da intimação

A concessionária afirma que a contagem do prazo para interposição do apelo está equivocada.

De fato, foi concedido o prazo de 5 dias, quando o correto seria 15 dias, no termos do art. 1.003, § 5º do CPC.

Por essa razão, o recurso deve ser considerado tempestivo.



2. Nulidade da prova pericial

A Casan sustenta que a perícia foi inconclusiva e omissa, pois deixou de analisar as regras do Inmetro e da ABNT. Ademais, afirmou que os quesitos complementares não foram respondidos, o que acarretou cerceamento de defesa.

O perito constatou que hidrômetro que apresentava oscilações de consumo foi substituído, o que, por óbvio, impediu a avaliação técnica do aparelho (autos originários, Evento 306, f. 5).

Por essa razão, os quesitos complementares da concessionária ficaram prejudicados.

O magistrado singular deliberou da seguintes forma:

[...] Diante da informação de que o hidrômetro atualmente instalado no imóvel da parte autora não é mais o mesmo que estava instalado no imóvel ao tempo dos fatos, entendo que realmente devem ser indeferidos os quesitos formulados no evento 312.

Note-se que tais questionamentos basicamente visam atestar a precisão/correção das medidas feitas por um hidrômetro.

Contudo, diante da nova informação prestada de que houve a retirada/substituição do hidrômetro "contestado" pela ré, tem-se que realmente não há sentido em realizar eventuais análises/aferições no aparelho atualmente instalado, já que é certo que ele não tem relação com os eventos alegados na exordial.

Da mesma forma, não cabe realizar a aferição no hidrômetro instalado ao tempo dos fatos, pois como a parte ré afirma, ele foi retirado e instalado em outra unidade consumidora. Ocorre que tal intervenção por parte da ré - ainda que a boa-fé seja presumida - retira a possibilidade de se ter qualquer certeza sobre a efetividade/correção do laudo, já que não há como se saber qual ou quais foram as intervenções pelas quais o aparelho sofreu após ser retirado.

I.I Dito isso, em razão da nova informação trazida, quando a substituição do hidrômetro, reformo a decisão do evento 314 e REVOGO a decisão do evento 314 para INDEFERIR os quesitos complementares formulados no evento 312 e, ainda, para dispensar a contratação de laboratório especializado pelo Expert. [...] (autos originários, Evento 366)

Como se vê, a elaboração de tal prova era impossível.

Por fim, embora a perícia não tenha conseguido, por si só, dirimir tais questões, as provas documental e testemunhal elucidaram as questões fáticas, de modo que não há nulidade a ser sanada.



3. Ilegitimidade ativa

A ré diz que, embora as requerentes Silvana Pereira Burnier, Lidiani Pereira Burnier, Liliane Tais Pereira tenham sido excluídas da lide, foram contempladas favoravelmente na sentença.

Data venia, sem razão.

Foi reconhecida a ilegitimidade ativa das demandantes tão somente em relação ao pedido de reconhecimento de cobrança indevida (autos originários, Evento 177, DEC162). Veja-se:

Em relação ao pleito de indenização por dano moral, as requerentes foram consideradas legítimas para figurar no polo ativo, motivo pelo qual foram abarcadas no dispositivo da sentença.

[...] D) CONDENAR a ré ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos autores, a título de dano moral, a ser corrigida monetariamente pelo INPC, a contar da data do arbitramento, e acrescido de juros de mora a contar do corte no fornecimento dos serviços de água.[...] (autos originários, Evento 383)

Logo, não há vício a ser sanado.



4. Mérito

Quanto ao mérito, a sentença proferida pelo MM. Juiz Douglas Cristian Fontana deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razão de decidir:

[...] Impende ressaltar que a questão em comento deve ser analisada sob a égide do Código Consumerista, pois tanto a parte autora enquadra-se no conceito de consumidor, quanto a demandada, a seu turno, configura fornecedora, segundo dicção dos artigos 2º e 3º do referido diploma legal.

Acerca do tema: O consumidor é presumidamente hipossuficiente perante a concessionária que presta o serviço de fornecimento de energia elétrica, o que autoriza, à luz da disciplina consumerista, a inversão do ônus probandi. Reequilíbrio da desigualdade entre prestadora e usuário do serviço, a qual se projeta, também, no bojo da relação processual [...] (Agravo de Instrumento n. 70060188190, rel. Desa. Laura Louzada Jaccottet, j. 06-08-2014).

A relação jurídica em exame tem origem consumerista, motivo pelo qual foi invertido o ônus da prova já na primeira decisão do processo, ante a configuração da verossimilhança das alegações dos autores e a hipossuficiência econômica e técnica desta em relação à ré.

Os autores alegam que residem em um local onde falta água com frequência por se localizar em local mais alto da cidade. Onde nos últimos meses, a falta de água acarretou a passagem de ar na tubulação fazendo com que o hidrômetro registrasse altos índices de consumo, mesmo quando não havia o fornecimento de água. Os autores já haviam efetuado registro de reclamação junto ao Procon. Contudo, mesmo após as reclamações, foram cobradas em valor superior e posteriormente foi interrompido o fornecimento de água para sua residência em razão da ausência de pagamento...

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