Acórdão Nº 0001880-21.2007.8.24.0072 do Segunda Câmara de Direito Público, 14-12-2021
Número do processo | 0001880-21.2007.8.24.0072 |
Data | 14 Dezembro 2021 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Segunda Câmara de Direito Público |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 0001880-21.2007.8.24.0072/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
APELANTE: MINERACAO PORTOBELLO LTDA APELANTE: REFINADORA CATARINENSE SA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos por Mineração Portobello Ltda e por Refinadora Catarinense S/A contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina na ação civil pública origem, condenando-os solidariamente ao pagamento de indenização por dano ambiental, nos seguintes termos (evento 86, DOC2, laudas 251 e 258):
"À luz do exposto, ACOLHO EM PARTE o pedido formulado pelo Ministério Público para CONDENAR as empresas rés, Mineração Portobello Ltda. e Refinadora Catarinense S/A, solidariamente ao pagamento de indenização, a ser aferida em liquidação de sentença correspondente quantum necessário para que se promova a recuperação da área degradada.
Ademais, por consequência, DECLARO extinto o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, inc. 1, do CPC.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais.
Sem honorários advocatícios, eis que é incabível a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários em favor do Ministério Público, quando demandante em sede de ação civil pública.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
Em suas razões recursais (evento 86, DOC2, laudas 265 a 278), Mineração Portobello Ltda arguiu, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, argumentando que a "a única responsabilidade admitida, em tese, pertenceria ao atual proprietário do imóvel", por se tratar de obrigação propter rem. Também preliminarmente, suscitou a nulidade do processo por cerceamento de defesa, ante o julgamento antecipado da lide sem oportunizar a produção de prova testemunhal, requerida com a finalidade de comprovar "o passivo ambiental deixado pela empresa ré, a fim de que não ocorra o enriquecimento sem causa e para demonstrar o marco inicial da prescrição". Ressaltou que a prova testemunhal seria pertinente ainda para demonstrar "se depois da aventada transferência da posse e da titularidade a exploração de areia foi promovida por terceiro". Defendeu a ocorrência da prescrição, alegando não incidir a imprescritibilidade relativa ao direito ambiental em razão da natureza indenizatória da pretensão formulada pelo Parquet. No mérito, sustentou não estarem demonstrados o dano ambiental e o nexo de causalidade, cuja ausência afastaria sua responsabilidade. Salientou a recuperação natural da área onde foram realizadas as atividades de mineração. Aduziu serem válidas as licenças emitidas pelo Município de Tijucas, ressaltando que os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, nos termos do art. 7º da Resolução nº 237/1997 do CONAMA.
Por sua vez, Refinadora Catarinense S/A, em seu apelo (evento 86, DOC2, laudas 285 a 293), defendeu, preliminarmente, a prescrição. Ainda em preliminar, suscitou a ilegitimidade passiva, sob a alegação de que não praticou nenhuma conduta apta a degradar o meio ambiente, figurando no presente processo apenas como proprietária do imóvel à época dos supostos danos. No mérito, alegou não restar nenhum dano ambiental, de modo que a condenação ao pagamento de indenização não teria qualquer utilidade ao meio ambiente.
Com as contrarrazões (evento 86, DOC2, laudas 298 a 300, e evento 86, DOC3, laudas 1 a 5), ascenderam os autos a esta Corte, culminando por serem redistribuídos a este Relator.
O Procurador de Justiça Jacson Corrêa lavrou parecer, opinando "pelo conhecimento e para que se negue provimento aos recursos" (evento 86, DOC3, laudas 16 a 27).
É o relatório.
VOTO
Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.
1. Da legitimidade passiva:
Mineração Portobello Ltda arguiu sua ilegitimidade passiva, argumentando que a "a única responsabilidade admitida, em tese, pertenceria ao atual proprietário do imóvel", por se tratar de obrigação propter rem. Por seu turno, Refinadora Catarinense S/A também suscitou ilegitimidade passiva, sob a alegação de que não praticou nenhuma conduta apta a degradar o meio ambiente, figurando no presente processo apenas como proprietária do imóvel à época dos supostos danos.
A preliminar merece ser rejeitada em relação a ambas as empresas recorrentes.
Dispõe a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente:
"Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
[...]
Art. 14 - [...]
[...]
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Interpretando esses dispositivos no contexto do ordenamento jurídico ambiental, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a obrigação de reparar eventuais danos ao meio ambiente ostenta natureza solidária e propter rem. Isto é, pode ser exigida de qualquer dos causadores dos danos, assim como dos proprietários do bem.
Aliás, esse entendimento está consolidado na Súmula 623 do STJ: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor." (Primeira Seção, j. 12/12/2018)
Essa orientação tem sido observada no Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere das seguintes decisões: STJ, AgInt no REsp 1.856.089/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 22/06/2020; AgInt no AREsp 1410897/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 02/04/2019; e AgInt no AREsp 1.031.389/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 13/03/2018.
Nesse viés, cumpre enfatizar que se atribui, "sob o influxo da teoria do risco integral, natureza objetiva, solidária e propter rem à responsabilidade civil ambiental, considerando irrelevante, portanto, qualquer indagação acerca de caso fortuito ou força maior, assim como sobre a boa ou a má-fé do titular atual do bem imóvel ou móvel em que recaiu a degradação" (STJ, REsp 1.644.195/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27/04/2017).
Cite-se ainda o seguinte julgado a respeito da extensão subjetiva da responsabilidade ambiental:
"[...]RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL - NATUREZA OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA 3. No Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador - público ou privado -, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação 'in integrum', da prioridade da reparação 'in natura' e do 'favor debilis'. Precedentes: REsp 1.307.938/GO, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16/9/2014; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 22/11/2011 (grifei); AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12/3/2014, e EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 6.8.2010.4. Na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente, a natureza jurídica propter rem das obrigações ambientais não exclui a solidariedade entre os vários sujeitos implicados - proprietário, possuidor, administrador, contratados, terceiros envolvidos, etc. -, nos termos do art. 942, caput, do Código Civil e do art. 3º, IV, da Lei 6.938/81.[...]6. Recurso Especial provido." (STJ, REsp 1400243/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 26/08/2020)
Não destoa o entendimento desta Corte Estadual:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR. CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA NAQUILO EM QUE DEMANDA LICENÇA...
RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
APELANTE: MINERACAO PORTOBELLO LTDA APELANTE: REFINADORA CATARINENSE SA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos por Mineração Portobello Ltda e por Refinadora Catarinense S/A contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina na ação civil pública origem, condenando-os solidariamente ao pagamento de indenização por dano ambiental, nos seguintes termos (evento 86, DOC2, laudas 251 e 258):
"À luz do exposto, ACOLHO EM PARTE o pedido formulado pelo Ministério Público para CONDENAR as empresas rés, Mineração Portobello Ltda. e Refinadora Catarinense S/A, solidariamente ao pagamento de indenização, a ser aferida em liquidação de sentença correspondente quantum necessário para que se promova a recuperação da área degradada.
Ademais, por consequência, DECLARO extinto o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, inc. 1, do CPC.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais.
Sem honorários advocatícios, eis que é incabível a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários em favor do Ministério Público, quando demandante em sede de ação civil pública.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
Em suas razões recursais (evento 86, DOC2, laudas 265 a 278), Mineração Portobello Ltda arguiu, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, argumentando que a "a única responsabilidade admitida, em tese, pertenceria ao atual proprietário do imóvel", por se tratar de obrigação propter rem. Também preliminarmente, suscitou a nulidade do processo por cerceamento de defesa, ante o julgamento antecipado da lide sem oportunizar a produção de prova testemunhal, requerida com a finalidade de comprovar "o passivo ambiental deixado pela empresa ré, a fim de que não ocorra o enriquecimento sem causa e para demonstrar o marco inicial da prescrição". Ressaltou que a prova testemunhal seria pertinente ainda para demonstrar "se depois da aventada transferência da posse e da titularidade a exploração de areia foi promovida por terceiro". Defendeu a ocorrência da prescrição, alegando não incidir a imprescritibilidade relativa ao direito ambiental em razão da natureza indenizatória da pretensão formulada pelo Parquet. No mérito, sustentou não estarem demonstrados o dano ambiental e o nexo de causalidade, cuja ausência afastaria sua responsabilidade. Salientou a recuperação natural da área onde foram realizadas as atividades de mineração. Aduziu serem válidas as licenças emitidas pelo Município de Tijucas, ressaltando que os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, nos termos do art. 7º da Resolução nº 237/1997 do CONAMA.
Por sua vez, Refinadora Catarinense S/A, em seu apelo (evento 86, DOC2, laudas 285 a 293), defendeu, preliminarmente, a prescrição. Ainda em preliminar, suscitou a ilegitimidade passiva, sob a alegação de que não praticou nenhuma conduta apta a degradar o meio ambiente, figurando no presente processo apenas como proprietária do imóvel à época dos supostos danos. No mérito, alegou não restar nenhum dano ambiental, de modo que a condenação ao pagamento de indenização não teria qualquer utilidade ao meio ambiente.
Com as contrarrazões (evento 86, DOC2, laudas 298 a 300, e evento 86, DOC3, laudas 1 a 5), ascenderam os autos a esta Corte, culminando por serem redistribuídos a este Relator.
O Procurador de Justiça Jacson Corrêa lavrou parecer, opinando "pelo conhecimento e para que se negue provimento aos recursos" (evento 86, DOC3, laudas 16 a 27).
É o relatório.
VOTO
Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.
1. Da legitimidade passiva:
Mineração Portobello Ltda arguiu sua ilegitimidade passiva, argumentando que a "a única responsabilidade admitida, em tese, pertenceria ao atual proprietário do imóvel", por se tratar de obrigação propter rem. Por seu turno, Refinadora Catarinense S/A também suscitou ilegitimidade passiva, sob a alegação de que não praticou nenhuma conduta apta a degradar o meio ambiente, figurando no presente processo apenas como proprietária do imóvel à época dos supostos danos.
A preliminar merece ser rejeitada em relação a ambas as empresas recorrentes.
Dispõe a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente:
"Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
[...]
Art. 14 - [...]
[...]
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Interpretando esses dispositivos no contexto do ordenamento jurídico ambiental, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a obrigação de reparar eventuais danos ao meio ambiente ostenta natureza solidária e propter rem. Isto é, pode ser exigida de qualquer dos causadores dos danos, assim como dos proprietários do bem.
Aliás, esse entendimento está consolidado na Súmula 623 do STJ: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor." (Primeira Seção, j. 12/12/2018)
Essa orientação tem sido observada no Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere das seguintes decisões: STJ, AgInt no REsp 1.856.089/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 22/06/2020; AgInt no AREsp 1410897/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 02/04/2019; e AgInt no AREsp 1.031.389/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 13/03/2018.
Nesse viés, cumpre enfatizar que se atribui, "sob o influxo da teoria do risco integral, natureza objetiva, solidária e propter rem à responsabilidade civil ambiental, considerando irrelevante, portanto, qualquer indagação acerca de caso fortuito ou força maior, assim como sobre a boa ou a má-fé do titular atual do bem imóvel ou móvel em que recaiu a degradação" (STJ, REsp 1.644.195/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27/04/2017).
Cite-se ainda o seguinte julgado a respeito da extensão subjetiva da responsabilidade ambiental:
"[...]RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL - NATUREZA OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA 3. No Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador - público ou privado -, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação 'in integrum', da prioridade da reparação 'in natura' e do 'favor debilis'. Precedentes: REsp 1.307.938/GO, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16/9/2014; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 22/11/2011 (grifei); AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12/3/2014, e EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 6.8.2010.4. Na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente, a natureza jurídica propter rem das obrigações ambientais não exclui a solidariedade entre os vários sujeitos implicados - proprietário, possuidor, administrador, contratados, terceiros envolvidos, etc. -, nos termos do art. 942, caput, do Código Civil e do art. 3º, IV, da Lei 6.938/81.[...]6. Recurso Especial provido." (STJ, REsp 1400243/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 26/08/2020)
Não destoa o entendimento desta Corte Estadual:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR. CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA NAQUILO EM QUE DEMANDA LICENÇA...
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