Acórdão Nº 0001927-71.2011.8.24.0163 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 17-03-2022

Número do processo0001927-71.2011.8.24.0163
Data17 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001927-71.2011.8.24.0163/SC

RELATOR: Desembargador TULIO PINHEIRO

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. APELADO: ANGELO SEBASTIAO GONCALVES

RELATÓRIO

No Juízo da Vara Única da Comarca de Capivari de Baixo, BANCO BRADESCO S.A. ajuizou ação revisional em desfavor de ANGELO SEBASTIAO GONCALVES, objetivando a revisão das cláusulas contratuais referentes à Conta Corrente n. 79-5, da Agência n. 1118, e pactos adjetos (evento 107).

A inicial veio instruída com documentos (evento 107, documentos 28/107).

Recebido o feito, ordenou-se a citação do réu, com determinação expressa para que fosse apresentada toda a contratualidade firmada entre as partes (evento 107, documento 110).

Sobreveio contestação da casa bancária (evento 107, documentos 114/154).

Houve réplica (evento 107, documentos 162/174).

Novamente determinou-se a intimação da financeira ré para apresentar todos os contratos firmados com a parte autora, sob pena de presumirem-se verdadeiras as alegações de abusividade aventadas na exordial (evento 107, documento 175).

Na sequência, o banco réu acostou aos autos as cópias do Contrato de Empréstimo - Cheque Especial/Crédito Especial - PF (evento 107, documentos 180/183), do Limite de Crédito Pessoal - Pessoa Física (evento 107, documentos 185/188) e do Termo de Adesão a Produtos e Serviços - Pessoa Física (evento 107, documento 189)

Após sentença (evento 106) e recurso de apelação da financeira ré (evento 107, documentos 221/239), esta Terceira Câmara de Direito Comercial, em acórdão que relatei, reconheceu, ex officio, a nulidade sentença, declarando prejudicada a análise do recurso, e determinou o retorno dos autos à origem (evento 107, documentos 270/275).

Após o retorno dos autos à comarca de origem, o MM. Juiz Antônio Carlos Ângelo exarou nova sentença, de modo a julgar parcialmente procedente a demanda (evento 107, documentos 283/305), o que fez nos seguintes termos:

(...) ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação de REVISÃO DE CONTRATO ajuizada por ÂNGELO SEBASTIÃO GONÇALVES contra BANCO BRADESCO S/A para:

a) DECLARAR A ILEGALIDADE da taxa de juros incidente nos contratos de cheque especial, no que exceder à taxa média de mercado praticada pela demais instituições financeiras para a operação de "cheque especial";

b) DECLARAR A ILEGALIDADE da taxa de juros incidente nos contratos de contrato de empréstimo nos valores de R$ 9.000,00, R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00, contraídos, respectivamente, em 04/06/2009, 24/12/2010 e 28/02/2011, no que exceder à taxa média de mercado praticada contemporaneamente pelas demais instituições financeiras para a operação de "crédito pessoal";

c) DECLARAR a LEGALIDADE da taxa de juros remuneratórios informada nas faturas mensais do cartão de crédito anteriores ao pagamento, desde que não superiores a taxa média de mercado divulgada pelo banco central para as operações de cheque especial, para o respectivo mês;

d) DECLARAR A ILEGALIDADE da cobrança da comissão de permanência;

e) DECLARAR A ILEGALIDADE da capitalização mensal de juros, durante as contratualidades e bem assim do emprego da tabela price, que deverá ser substituída pelo Sistema de Amortização Constante, vez que não provada a pactuação a respeito;

f) No período de inadimplência das avenças, DECLARAR A LEGALIDADE da cobrança de multa contratual à razão de 2%, desde que não incidente sobre os juros de mora;

g) DECLARAR A ILEGALIDADE da cobrança da "Tarifa de Cadastro", "Tarifa de Contratação" e bem assim da "Tarifa de Emissão da Liberação", cujos valores deverão ser deduzidos do capital mutuado;

h) RECONHECER o encadeamento contratual, de modo que os valores em excesso cobrados em decorrência dos contratos anteriores sejam abatidos da dívida contraída no contratos de empréstimo.

i) AFASTAR a cobrança dos encargos moratórios, com efeitos a partir do ajuizamento da demanda, até que o banco réu apresente cálculo da dívida, de acordo com os balizamentos traçados nesta decisão, comprovando, outrossim, a notificação do(a) autor(a) para pagamento em 15 (quinze) dias;

h) CONDENAR o banco réu ao pagamento dos valores pagos a maior, na forma simples, em valores a serem apurados em futura liquidação de sentença, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde o desembolso indevido, podendo ainda a satisfação ocorrer por meio de compensação de eventual dívida que ainda persistir;

Considerando que cada litigante foi em parte vencedor e vencido, na forma do art. 21, caput, do CPC, CONDENO autor(a) e réu, na proporção de 30% (trinta por cento) e 70% (setenta por cento), respectivamente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes últimos os quais fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), autorizada a compensação na forma do Súmula 306, do STJ. (...) (destaques do original).

Irresignado, o banco réu apelou. Nas razões do seu recurso (evento 108), aduziu a impossibilidade de revisar contrato livremente pactuado. Defendeu, ainda, a mantença das taxas de juros remuneratórios pactuadas, a legalidade do anatocismo e da comissão de permanência e a impropriedade da condenação a repetir o indébito, bem como a configuração da mora do autor.

Com as contrarrazões (evento 107, documentos 333/337), subiram os autos a esta Corte.

VOTO

O apelo será analisado por tópicos.

Da aplicação da presunção de veracidade.

Compulsando os autos, verifica-se que, muito embora intimada a apresentar todos os contratos firmados entre as partes (evento 107, documento 175), a financeira ré quedou-se inerte quando a parte dos pactos em debate.

Diante disso, não há qualquer comprovação nos autos quanto à contratação expressa da totalidade das cláusulas e dos encargos afirmados pelos litigantes no debate instaurado na lide.

Assim, a aplicação da presunção de veracidade estampada no art. 400, inc. I, do CPC (art. 359, inc. I, na codificação processual anteriormente vigente), naquilo que for pertinente, é a medida a se impor, sobretudo porque, como bem anotado pelo Exmo. Sr. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, em acórdão de sua relatoria, em entendimento que continua plenamente válido a despeito de vazado ainda sob a égide da Lei Adjetiva Civil de 1973, "a falta da juntada do contrato de financiamento traz indícios de que o consumidor não tomou conhecimento do conteúdo de suas cláusulas e, por isso, não podem ser tidas como pactuadas nos parâmetros afirmados e não comprovados pelo [banco] Apelante" (Apelação Cível n. 2011.059248-0, j. em 6.12.2012).

Feita esta digressão, passa-se ao exame das teses recursais.

Da revisão das cláusulas contratuais.

Alega o banco apelante que os contratos foram entabulados em observância ao art. 104 do Código Civil, revestindo-se de validade e perfeição, razão por que, não identificado defeito no negócio jurídico, deve ser conservado. Aduz, ainda, ser inaplicável o Estatuto Consumerista ao caso.

Entretanto, em que pesem os argumentos despendidos pela casa bancária, não proceder à análise revisional significa afastar da apreciação do Poder Judiciário o exame da abusividades praticadas em desfavor do consumidor, implicando não só a violação aos direitos fundamentais de acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV, CF), como também à proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII, CF).

Ademais, cumpre recordar que o advento do Código de Defesa do Consumidor, promulgado com espeque no art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, inseriu no ordenamento exceções ao princípio do pacta sunt servanda no intuito de oportunizar o reequilíbrio contratual entre consumidor e fornecedor.

Neste trilhar, preconiza o art. 6º, inc. V, do mencionado estatuto:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

No caso, cediço que os contratos bancários são tipicamente de adesão, sendo o consumidor obrigado a pactuar nos termos preestabelecidos pela instituição financeira se quiser usufruir dos serviços bancários. Bem por isso, referendou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a tese de que a intangibilidade contratual deve ser mitigada em cotejo aos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do dirigismo contratual, inclusive para as avenças bancárias (Confira-se: AgRg no AREsp 32.884, rel. Min. Raul Araújo).

Neste quadro, todo e qualquer contrato caracterizado pela relação de consumo pode ser modificado pelo juiz, desde que as cláusulas avençadas estejam em confronto com as normas protetivas arroladas no Estatuto Consumerista.

Por oportuno, frisa-se que não há violação a direito adquirido ou ato jurídico perfeito perante a revisão de cláusulas abusivas ou ilegais, pois, "conforme a norma do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor e a teoria moderna, devem ser relativizados para possibilitar a alteração ou declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas ou ilegais que submetam alguma das partes ou que tenham sido impostas ao livre arbítrio do hipersuficiente sem a manifestação de vontade do adverso." (Apelação Cível n. 2010.012256-5, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler).

Portanto, não há qualquer óbice à revisão judicial ora pleiteada.

Dos juros remuneratórios.

Irresigna-se a casa bancária em face da limitação dos juros remuneratórios às médias de mercado determinada pela sentença em relação ao contrato de cheque especial e aos pactos de empréstimo firmados em junho de 2009, dezembro de 2010 e...

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