Acórdão Nº 0001944-31.2013.8.24.0004 do Segunda Câmara Criminal, 10-08-2021

Número do processo0001944-31.2013.8.24.0004
Data10 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0001944-31.2013.8.24.0004/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


RECORRENTE: IZAQUEL DE OLIVEIRA (ACUSADO) ADVOGADO: RENAN CIOFF DE SANT' ANA (OAB SC040664) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Araranguá, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Isaquiel de Oliveira, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos II e IV, c/c art. 14, ambos do Código Penal e art. 12, da Lei n. 10.826/03, em razão dos fatos assim descritos (Evento 72):
[...] No dia 14 de dezembro de 2012, por voltar das 14 horas, na Avenida Santa Catarina, Bairro Praia do Melão, neste Município de Araranguá/SC, o denunciado ISAQUIEL DE OLIVEIRA efetuou 1 (um)disparo de arma de fogo contra a vítima Cristiano Luiz da Silva, causando as lesões descritas no laudo pericial das folhas 40 e 66, não conseguindo o resultado morte por circunstâncias alheias a sua vontade, eis que o tiro não atingiu órgão vital (ombro e nuca) e a vitima foi socorrida rapidamente pelo Corpo de Bombeiros, que prestou os primeiros socorros.
O crime foi praticado por motivo fútil decorrente de uma rixa existente entre o denunciado e a vítima.
O modo utilizado na empreitada criminosa dificultou a defesa da vítima, já que o denunciado, de posse de uma arma de fogo, atirou inesperadamente contra a vítima enquanto essa estava de costas, impedindo qualquer reação em sua defesa (Fato 1).
No ano de 2013, na Comarca de Araranguá, em período a ser estabelecido durante a instrução, o denunciado ISAQUIEL DE OLIVEIRA possuiu e manteve sob sua guarda um revólver, marca INA calibre .32 municiado, sem registro ou autorização, em desacordo com a determinação legal e regulamentar (Fato 2). [...]
Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na exordial acusatória e, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, a Juíza a quo pronunciou Isaquiel de Oliveira, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, inciso IV, c/c art. 14, ambos do Código Penal e art. 12, da Lei n. 10.826/03 (Evento 173).
Inconformada, a Defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito (Evento 196), no qual pleiteia a despronúncia ou a absolvição sumária do Recorrente, em relação ao delito doloso contra a vida, em razão da insuficiência probatória.
Alternativamente, pugna pela desclassificação do delito de homicídio para o crime previsto no art. 129, do Código Penal ou a incidência do benefício da desistência voluntária.
Almeja, ainda, o afastamento da qualificadora também por entender que não há comprovação acerca da utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima.
Quanto ao crime conexo, pugna pela absolvição por fragilidade probatória ou reconhecimento do princípio da consunção.
Apresentadas as Contrarrazões (Evento 199) e mantida a Decisão, no moldes do art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 192), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, não provimento da insurgência (Evento 13 - autos em Segundo Grau).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Almeja o Recorrente, em relação ao delito de homicídio tentado, a despronúncia ou absolvição sumária sob o argumento de insuficiência probatória. Alternativamente, pugna pela desclassificação do delito doloso contra a vida para o crime previsto no art. 129, do Código Penal ou a incidência do benefício da desistência voluntária. Contudo, razão não lhe assiste.
Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).
É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.
Nesse sentido, colhe-se desta Câmara, o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, de Relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART> 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. - grifei
Do corpo do acórdão, extrai-se:
A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.
Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.
Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.
Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.
Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática. - grifei
Fixada esta premissa, isto é, de que na fase do judicium accusationis deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria dos crimes de homicídio qualificado, na modalidade tentada, e posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 121, §2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal e art. 12, da Lei n. 10.826/03), no quais o Recorrente fora dado como incurso, para fins de pronúncia.
Destaque-se que "a impronúncia deve respeitar o raciocínio inverso ao da pronúncia, vale dizer, enquanto esta demanda a prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, aquela exige o oposto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 119-120).
Pois bem.
Extrai-se dos autos que a materialidade e os indícios suficientes da autoria podem ser verificados por meio do Boletim de Ocorrência (Evento 73, INQ13-14), Termo de Apreensão e Entrega de Arma de Fogo (Evento 73, INQ25-26), Termo de Exibição e Apreensão (Evento 73, INQ35-36, Evento 73, INQ81 ), Laudos Periciais (Evento 73, INQ52-55, 61-65, 72, 85-88, 90-94, Evento 91) e prova oral colhida em ambas as fases processuais.
O Recorrente Isaquiel, apesar de devidamente intimado, não compareceu à Audiência de Instrução e Julgamento, sendo-lhe decretada a revelia (Evento 120). Contudo, durante a fase extrajudicial, confessou possuir arma de fogo em sua residência, bem como ter disparado contra Cristiano (Evento 73, INQ37):
[...] o interrogado afirma que possuía um revólver calibre 32; Que, no dia 14/12/2012, desferiu um tiro contra Cristiano Luiz da Silva, atingindo-o no braço; QUE, informa que Cristiano Luis da Silva era genro de sua companheira Maria do Carmo Leandro; Que, Cristiano vivia com Andresa Leandro Nunes, sua enteada; Que, nesse dia Cristiano queria sua motocicleta emprestada; Que, negou-se em lhe emprestar referido veículo por que "ele está nas drogas e já empenhou meu capacete", motivo pelo qual não lhe emprestou a motocicleta; Que, Cristiano o chamou de chinelo e discutiram; Que, Cristiano tentou lhe agredir e entraram em luta corporal; Que, pediu para Cristiano deixá-lo quieto e ele...

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