Acórdão Nº 0001977-08.2013.8.24.0073 do Sétima Câmara de Direito Civil, 20-02-2020

Número do processo0001977-08.2013.8.24.0073
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTimbó
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



Apelação Cível n. 0001977-08.2013.8.24.0073


Apelação Cível n. 0001977-08.2013.8.24.0073, de Timbó

Relatora: Desembargadora Haidée Denise Grin

APELAÇÃO CÍVEL. INCIDENTE DE FALSIDADE DOCUMENTAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS REQUERENTES.

SUSCITADA FALSIDADE IDEOLÓGICA, OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS, RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO, ALÉM DA PRÁTICA DE CRIMES. DESCABIMENTO DE ARGUIÇÃO DE TAIS MATÉRIAS EM INCIDENTE. RECURSO NÃO CONHECIDO NESSES PONTOS.

PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. ALEGADA FALSIDADE DO DOCUMENTO. INSUBSISTÊNCIA. PERÍCIA JUDICIAL GRAFOTÉCNICA QUE CONFIRMA AUTENTICIDADE DAS ASSINATURAS DOS OUTORGANTES. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA EM SENTIDO CONTRÁRIO. ADEMAIS, NARRATIVA DOS APELANTES QUE APONTA A EFETIVA EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO IMPUGNADO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INACOLHIMENTO. EVIDENCIADA TENTATIVA DOS REQUERENTES DE ALTERAR A VERDADE DOS FATOS, BEM COMO A INTERPOSIÇÃO DE INCIDENTE INFUNDADO, QUE ATRASOU O REGULAR ANDAMENTO DO PROCESSO PRINCIPAL. EXEGESE DO ART. 80 DO CPC. PENALIDADE MANTIDA.

ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §11, DO CPC/15.

RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0001977-08.2013.8.24.0073, da comarca de Timbó 1ª Vara Cível em que são Apelantes Ronaldo Keske e outros e Apelados Benecke Irmãos e Cia Ltda. e outros.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, nesta, negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Roberto da Silva (com voto) e dele participou a Exma. Desa. Haidée Denise Grin e o Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2020.

Desembargadora Haidée Denise Grin

Relatora


RELATÓRIO

Ronaldo Keske, Teresinha Angela Boaventura Keske, Schana Daiane Fachini Penz, Roger Fernando Penz, Tarcisio Luiz Fachin e Tatiane Precila Nunes Fachini suscitaram incidente de falsidade, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Timbó, contestando a veracidade dos documentos públicos que amparam a ação cominatória apensa, movida por Benecke Irmãos e Cia. Ltda., Kurt Emil Benecke e Henriete Colussi Oliva Benecke, e que encontra-se suspensa, aguardando o julgamento do presente feito.

Alegaram, em suma, que "nunca estiveram no tabelionato da cidade de Rio dos Cedros-SC para a feitura de tais documentos, sendo as assinaturas existentes neles falsas", e que o tabelião titular do referido cartório "fora cassado de suas funções exatamente por não se ater a 'formalidades' na confecção de documentos públicos, não sendo incomuns casos como o ora narrado" (fl. 3). Postularam a realização de perícia grafotécnica e, ao final, a declaração de falsidade do documento impugnado.

Devidamente intimados (fl. 9), os requeridos apresentaram resposta (fls. 11-16), esclarecendo que o negócio de compra e venda de imóvel foi firmado por procurador eleito pelos requerentes, com poderes especiais para tal fim, juntando aos autos cópia do respectivo instrumento de mandato. Acusaram os requerentes de estarem distorcendo a realidade dos acontecimentos, com o intuito procrastinatório e para confundir o Juízo, postulando sua condenação por litigância de má-fé e a improcedência do incidente. Juntaram documentos (fls. 17-19).

Réplica às fls. 23-24.

Determinada a realização de perícia grafotécnica (fl. 30), as partes formularam quesitos (fls. 36-37 e 101-103).

Às fls. 43-44 foi concedido o benefício da gratuidade da justiça aos requerentes.

Os requeridos peticionaram às fls. 47-48, manifestando interesse em arcar com os honorários periciais para agilizar o andamento do processo.

Apresentado o laudo pericial (fls. 109-271), os requerentes o impugnaram (fls. 282-285), pleiteando a realização de nova perícia e acostando parecer de seu assistente técnico (fls. 286-299).

Sentenciando (fls. 307-311), a MMa. Juíza de Direito Fabiola Duncka Geiser julgou improcedente o pedido de falsidade documental, condenando os requerentes ao pagamento de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, por litigância de má-fé, além das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).

Os requerentes opuseram embargos de declaração (fls. 313-320), os quais restaram rejeitados (fl. 322).

Ainda irresignados, interpuseram o presente apelo (fls. 326-357). Nas suas razões recursais pugnaram pela reforma do decisum vergastado, reiterando que a procuração pública é falsa e que não estiveram no cartório de Rio dos Cedros para firmar tal documento. Destacaram que o antigo tabelião fora cassado de suas funções por não observar as formalidades na confecção de documentos públicos. Teceram considerações acerca da aplicação da teoria de Pontes de Miranda aos negócios jurídicos e aos atos processuais; da responsabilidade da imobiliária que intermediou a compra e venda; da ocorrência de danos materiais e morais; do conluio entre o corretor de imóveis e os apelados; da prática de crimes de estelionato e de falsidade; da invalidade do negócio. Sustentaram a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na espécie, pleiteando a inversão do ônus da prova. Por fim, postularam o afastamento da condenação por litigância de má-fé, alegando que apenas defenderam seus interesses.

Devidamente intimados (fl. 361), os requeridos deixaram transcorrer in albis o prazo para contrarrazões (fl. 362).

Os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos extrínsecos/legais de admissibilidade, o recurso merece ser parcialmente conhecido.

Inicialmente, cumpre destacar que a sentença recorrida limitou-se a decidir o incidente de falsidade documental, permanecendo pendente de julgamento a ação principal (cominatória c/c perdas e danos).

Dito isso, constata-se que o apelo interposto suscitou questões que extrapolam os limites da presente lide.

Com efeito, as discussões acerca da existência, validade e eficácia do negócio de compra e venda, incluindo a falta de vênia conjugal e a existência de vícios de consentimento (erro e dolo) ou vício social (simulação) na sua formação, são questões a serem analisadas nos autos da ação principal, ou em ação anulatória própria.

Isso porque o incidente de falsidade documental "só tem cabimento nos casos de falsidade material do documento, isto é, o suporte físico ou material do próprio documento, não nas hipóteses de falsidade ideológica, isto é, do próprio conteúdo do documento" (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum ordinário e sumário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 287, grifou-se).

A propósito do tema, merecem transcrição os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior:

A falsidade ideológica enseja anulação do ato jurídico, mas isto só pode ser pretendido em ação própria, principal ou reconvenção em que se busque uma sentença constitutiva. Para tanto, não se presta a simples impugnação em contestação nem tampouco o incidente de falsidade, pois a primeira é simples resistência passiva do réu e o segundo tem apenas função declaratória. Nem um nem outro tem a força desconstitutiva capaz de desfazer o ato jurídico viciado ideologicamente. Daí a opinião majoritária da doutrina brasileira de que apenas os vícios instrumentais (falsidade material) são objeto de incidente de falsidade. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: v. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 455, grifou-se)

No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:

INCIDENTE DE FALSIDADE. E-MAIL DE ARREPENDIMENTO. FALSIDADE IDEOLÓGICA QUE NÃO CABE EM ANÁLISE INCIDENTAL. Arguição de falsidade apresentada junto à contestação e que deveria ser resolvida juntamente com a quaestio principal (vício de consentimento em transmissão da propriedade imóvel). RECEBIMENTO DA APELAÇÃO EM APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE. A falsidade foi recebida como incidente, processada em autos apartados e resolvida como sentença. Reconhecer, a esta altura, que o recurso interposto é indevido somente serviria ao prejuízo do demandante. Aplicação do princípio da fungibilidade que se faz devida. FALSIDADE IDEOLÓGICA QUE NÃO TEM CABIMENTO EM ARGUIÇÃO INCIDENTE, POR DEMANDAR AMPLA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. A arguição de falsidade tem lugar quando se trata falsidade material, reconhecida como os vícios extrínsecos e instrumentais do documento, não relacionados às declarações que contém em si. Documento (e-mail) que não deu causa à transmissão da propriedade e nem, isoladamente, serve para a prova do alegado vício de consentimento, conquanto, por si só, não é sequer capaz de representar quem foi seu emitente. Necessidade de ampla instrução probatória. NÃO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.021111-2, de Jaguaruna, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 13-9-2012, grifou-se)

Da mesma forma, os danos materiais e morais narrados deveriam ter sido postulados em pleito reconvencional na ação apensa, ou em ação indenizatória própria.

Ainda, as acusações de que o corretor de imóveis, nomeado procurador dos apelantes, agiu em conluio com os apelados, extrapolando os limites dos supostos poderes que lhe haviam sido outorgados (para mera avaliação do imóvel), e que por tal razão a imobiliária deveria ser responsabilizada objetivamente, também exige o ajuizamento de ação de prestação de contas ou indenizatória contra o mandatário, que sequer é parte na presente demanda.

E, por fim, a alegada prática de crimes de estelionato e de falsidade, por evidente, é questão a ser analisada na esfera penal.

Dessarte, não se conhece do apelo nos referidos pontos, limitando-se a análise desta Corte à sentença recorrida, que decidiu exclusivamente...

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