Acórdão Nº 0001990-33.2017.8.24.0019 do Terceira Câmara Criminal, 20-07-2021

Número do processo0001990-33.2017.8.24.0019
Data20 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0001990-33.2017.8.24.0019/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0001990-33.2017.8.24.0019/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


RECORRENTE: CLAUDIO FERNANDES BORGES (ACUSADO) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: MARCELO CORREA (OFENDIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Concórdia, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Cláudio Fernandes Borges pela prática, em tese, da conduta criminosa prevista no art. 121, § 2º, II c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados (evento 7):
[...] Na noite de 10 de setembro de 2016, por volta das 23h30min, na Avenida 17 de fevereiro, bairro Floresta, Presidente Castelo Branco/SC, o denunciado, Cláudio Fernandes Borges, tentou matar Marcelo Correa.
Por ocasião dos fatos, após discussão entre diversas pessoas no local, o denunciado, Claudio, assumindo o risco de causar a morte de Marcelo, desferiu um golpe de faca no abdômen do ofendido, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo pericial de fls. 31/32.
O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, notadamente pela presença de terceiros no local e também em virtude do atendimento médico prestado à vítima.
Ressalte-se que o crime foi cometido por motivo fútil, já que motivado por simples discussão em relação a suposta perturbação de sossego, situação que já estava sendo contornada pelos policiais militares no local dos fatos [...].
Sobreveio decisão em que a peça acusatória oferecida em desfavor de Cláudio Fernandes Borges foi admitida a fim de pronunciá-lo, como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, e submetê-lo à julgamento perante o Tribunal do Júri. Por fim, concedeu-se o direito de recorrer em liberdade (evento 111).
A defesa de Cláudio Fernandes Borges interpôs recurso em sentido estrito, em que requereu, em síntese, a absolvição sumária ante o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, mesmo que pelo excesso exculpante (CPP, art. 415) ou, ainda, a desclassificação para o crime previsto no art. 121, § 3º, do Código Penal, ante a ausência de animus necandi. Por fim, pugnou pelo decote da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, II, do Código Penal (evento 139).
Contrarrazões no evento 126.
Em juízo de retratação (CPP, art. 569), a decisão foi mantida (evento 128).
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck, em que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (evento 21)

VOTO


O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A defesa de Cláudio Fernandes Borges pugna pela absolvição sumária, desclassificação para a modalidade culposa ou o afastamento da qualificadora do motivo fútil.
No entanto sem razão.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão de pronúncia se traduz em um mero juízo de admissibilidade da peça acusatória, por meio do qual se restringe a analisar provas da materialidade e presença de indícios suficientes de autoria, a fim de remeter o processo a julgamento pelo Tribunal do Júri (CPP, art. 413). Logo, dispensa-se a cognição exauriente de todos os elementos de prova, encargo que incumbe ao Conselho de Sentença.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (Manual de Processo Penal, 8ª ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2020, p. 1468) discorre que:
[...] a pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413 do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o jus accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni juris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência [...].
Pelo que se infere dos autos, no dia 10 de setembro de 2016, por volta das 23h30min, na Avenida 17 de fevereiro, bairro Floresta, Presidente Castelo Branco/SC, o apelante, após discussão entre diversas pessoas em decorrência de suposta perturbação de sossego que já havia sido atendida pela guarnição policial, desferiu um golpe de faca contra Marcelo Correa, que lhe atingiu no abdômen e somente não acarretou na sua morte em razão do pronto atendimento médico.
A prova da materialidade emerge do Boletim de Ocorrência (fls. 3-6 do evento 1), Comunicação de Ocorrência Policial (fls. 8-10 do evento 1), Laudo Pericial (fls. 30-32 do evento 1), em que se constatou a ofensa à integridade física da vítima mediante utilização de instrumento pérfuro-cortante que desencadeou na incapacidade para ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias e perigo de vida, e prontuário médico (evento 17).
Os indícios mínimos de autoria e do animus necandi também restaram demonstrados.
Transcreve-se trecho da decisão de pronúncia que resumiu a prova oral colhida em ambas as fases da persecução penal (evento 111):
Na fase policial (ev. 1 - INQ11-12), o acusado Cláudio Fernandes Borges relatou:
[...] QUE, conhece a pessoa de MARCELO CORREA pois este é casado com a irmã do cunhado Ericson Jacomini; Que, na noite dos fatos por volta das 22:30 horas estava em sua residência quando algumas pessoas estavam soltando rojões de vara, também chamado foguete, o que após vários estouros começou a incomodar o interrogado e sua família; Que, o interrogado saiu da casa e identificou quem estava soltando os fogos e indica MARCELO CORREA, ERICSON JACOMINI, "SEMENTE" entre outros; Que, tentou conversar dizendo que estavam incomodando que tinha criança em casa e queriam sossego; Que, a esposa do interrogado acionou a Policia Militar que esteve no local, mas que após saírem a perturbação com fogos de artifícios continuou; Que, o interrogado novamente saiu para frente de sua casa e que novamente cobrou tranquilidade, que não teve discussão, mas em seguida Ericson chegou correndo na direção do interrogado para desferir um soco; Que, o interrogado desviou e não foi atingido; Que, em ato contínuo Marcelo também chegou correndo na direção do interrogado para desferir um soco; Que, o interrogado desviou e não foi atingido; Que, em ato contínuo Marcelo também chegou correndo para tentar agredir o interrogado; Que, o interrogado também desviou do soco desferido; Que, o interrogado portava no bolso uma pequena faca que utiliza no serviço de roça; Que, o interrogado deu passo para trás e tropeçou no murinho em frente sua casa, caindo sentado; Que, o interrogado desembainhou a faca e desferiu um golpe que atingiu o abdome de Marcelo; Que, Marcelo saiu correndo do local quando percebeu que estava ferido; Que, Ericson também saiu correndo do local mas em seguida retornou com dois espetos, que havia pego na casa dele que é próximo da casa do interrogado; Que, o interrogado também saiu correndo e foi em direção ao mato onde se escondeu e pernoitou até que domingo a noite chegou na casa de seu pai onde pernoitou e hoje pela manhã procurou um advogado que o representou nesta delegacia; Que, indagado qual a intensão do interrogado quando desferiu o golpe de faca contra Marcelo, disse que se tivesse intensão de mata-lo o golpe seria outra região, no peito; Que, o interrogado não apresenta lesão corporal; Que, indagado se essa situação possui motivação política disse que não, pois cada um tem seu candidato, que foi apenas a perturbação do seu sossego, que levou ao desfecho dos fatos; Que, indagado se o interrogado estava alcoolizado, disse que não, inclusive a três anos não ingere bebida alcoólica; Que, indagado se os outros envolvidos estavam embriagados, acredita que sim.
Em seu interrogatório, na fase judicial (ev. 73), o acusado Cláudio, relatou em síntese, que no dia dos fatos chegou em casa por volta das 21h30min, 22h00min; que tinha ido trabalhar na roça com seu pai; que quando chegou deitou na sala em um colchão; que viu a viatura da Polícia parada em frente a sua casa; que escutava bastante barulho de música e de "estouro"; que foi até o portão de sua casa para ver o que estava acontecendo; que viu que sua esposa Bruna estava conversando com os policiais; que aproveitou e falou sobre o barulho; que Ericson falou que era para ir na casa dele conversar; que respondeu para Ericson que não iria, que na segunda-feira conversavam; que, em seguida, vieram ele, Ana Paula, Simone e o marido desta; que Ericson tentou lhe desferir um soco, porém, conseguiu esquivar-se; que Ericson apresentava sinais de embriaguez; que, nesse momento, Eduardo tirou ele do local; que sua esposa viu isso e foi ao local em que estava; que, nesse momento, Marcelo veio em sua direção e desferiu-lhe um soco; que caiu no chão; que levantou; que tinha "a faquinha na cinta", a qual usava "no serviço da roça"; que para se defender deu "uma cutucada nele"; que viu que Ericson vinha com um espeto na mão; que, diante disso, evadiu-se em direção ao mato; que, ficou dois, três dias no mato; que, depois, foi na casa dos seus pais. Questionado se quando estava dentro de casa, sua esposa reclamou do barulho, respondeu que não; que, quando saiu para fora de casa, viu que o policial estava falando com sua esposa; que sua esposa dizia que eles já tinham vindo duas, três vezes, porém quando eles iam embora o barulho voltava; que Ericson disse: venha aqui conversar; que essa faca tinha na cinta; que não entrou em casa buscá-la. Questionado se quando chegou em casa e foi descansar, não havia tirado a roupa que usara no...

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