Acórdão nº 0002021-54.2018.8.11.0092 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, 25-04-2023

Data de Julgamento25 Abril 2023
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Número do processo0002021-54.2018.8.11.0092
AssuntoImprobidade Administrativa

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO


Número Único: 0002021-54.2018.8.11.0092
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Improbidade Administrativa]
Relator: Des(a).
MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO


Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). LUIZ CARLOS DA COSTA, DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), FABIO MAURI GARBUGIO - CPF: 899.868.069-68 (APELADO), ROADAM JHONEI DE PAULA LEAL - CPF: 005.599.311-74 (ADVOGADO), ARISTIDES DE SOUZA MACIEL - CPF: 140.945.251-49 (APELADO), MARY MAGDA QUEIROZ DIAS - CPF: 008.143.451-07 (ADVOGADO), IRAN NEGRAO FERREIRA - CPF: 046.474.089-49 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ESPÓLIO DE FABIO MAURI GARBUGIO (APELADO)]


A C Ó R D Ã O


Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: A UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO.

EMENTA:


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ALTERAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI N.° 14.230/2021 – INCONSTITUCIONALIDADE – AFASTADA – RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA – SISTEMA ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – REVOGAÇÃO DO ARTIGO 11, INCISO I, DA LEI N.° 8.429/92 – ABOLITIO IMPROBITATIS RECONHECIDA – IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR NAS RAZÕES RECURSAIS – DEMANDA ESTABILIZADA – ARTIGO 329, INCISO II, DO CPC – NEPOTISMO CRUZADO – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE PROVA DE RECIPROCIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei n.° 14.230/2021, por violação ao princípio da proporcionalidade, proibição de proteção insuficiente e violação à vedação de retrocesso, porquanto, ainda que a persecução da improbidade administrativa possua aspiração moral e real da coletividade, tal não se equipara a direito fundamental de qualquer ordem ou grandeza.

2. A reforma promovida pela lei mencionada não gerou a revogação do combate à improbidade administrativa, mas, tão somente, fixou novos parâmetros para a sua concretização e persecução judicial, ainda que mediante regras garantistas que possam tornar mais dificultosa a apuração de ilícito desta natureza.

3. Por adotar expressamente os princípios do direito administrativo sancionador, bem como por integrar o sistema punitivo estatal, as novas disposições da Lei de Improbidade Administrativa devem ser aplicadas de forma retroativa quando benéficas ao réu, a teor do disposto no artigo 5°, inciso XL, da Constituição da República.

4. O inciso I, do artigo 11, da Lei n.° 8.429/92 foi revogado pela Lei n.° 14.230/2021, ou seja, operou-se a abolição do tipo administrativo imputado aos apelados.

5. Nos termos do artigo 329, inciso II, do Código de Processo Civil, não é possível a modificação do pedido e causa de pedir, na fase recursal, para enquadramento da conduta à figura típica do artigo 11, inciso XI, da Lei de Improbidade Administrativa, diante da estabilização da lide.

6. A configuração de nepotismo, na modalidade cruzada, depende da comprovação de ajuste de reciprocidade nas designações, uma vez que inexiste projeção funcional ou hierárquica entre o nomeante ou nomeado.

RELATÓRIO:


Egrégia Câmara:


Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, contra a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza Substituta, Dra. Marina Dantas Pereira, nos autos de n.° 0002021-54.2018.811.0092, em trâmite perante a Vara Única de Alto Taquari, MT, que julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (ID. 149969057):

“Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual por ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de e FÁBIO MAURI GARBÚGIO e ARISTIDES DE SOUZA MACIEL, alegando ter o segundo indiciado, utilizando-se do cargo de prefeito municipal de Alto Taquari/MT, em conluio com o primeiro indiciado, praticado ato de improbidade administrativa, consistente na prática de nepotismo.

Os réus apresentaram defesa prévia e a inicial foi recebida, com a apresentação das contestações.

As partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide.

Os autos vieram conclusos para decisão.

É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

De início, revogo o despacho de ID 86987068, pois o feito comporta julgamento.

A presente ação foi proposta em 13 de setembro de 2018, ocorre que, em 26/10/21, foi publicada a Lei 14.230/2021, que alterou profundamente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), modificando o sistema de responsabilização por atos ímprobos e trazendo questões de grande repercussão social e jurídica.

A imputação feita pelo Ministério Público Estadual é a de que os as condutas praticadas pelos réus, subsumem-se ao art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa.

Entretanto, a nova redação do artigo 11, passa a exigir expressamente, em seu caput, que os atos de improbidade administrativa atentatórios aos princípios da Administração Pública serão caracterizados por umas das condutas descritas em seus incisos.

Dessa forma, a alteração da redação original que previa tais condutas com caráter exemplificativo passou a prever um rol taxativo, não havendo mais de se falar em ato de improbidade administrativa pelas condutas anteriormente subsumidas do art. 11 da referida lei.

Ademais, entende a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça que a Lei de Improbidade Administrativa encontra-se inserida no espectro do direito administrativo sancionador o que acarreta a aplicação de alguns institutos do Direito Penal, como a retroatividade da norma mais benéfica ao réu.

Nesse sentido tem entendido o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DECISÃO QUE DETERMINOU O BLOQUEIO DE BENS - PERIGO CONCRETO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO – NÃO COMPROVADO - PRÁTICA DE ATOS TIPIFICADOS NO ARTIGO 11, CAPUT E INC. I, DA LEI N.º 8.429/92 - REVOGAÇÃO PELA LEI N.º 14.230/2021 - APLICABILIDADE IMEDIATA - RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA - DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR - RECURSO PROVIDO - PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA.

1 - De acordo com o artigo 16, § 3° da Lei de Improbidade Administrativa, incluído pela Lei n° 14.230/2021, a indisponibilidade de bens visando a garantia de integral ressarcimento do dano ao erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito exige a comprovação de perigo concreto de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo.

2 - A Lei federal n.º 14.230/2021 promoveu significativas alterações na Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa); dentre outras, alterou art. 11, tornando-o em um rol taxativo, de forma que as condutas ditas atentatórias aos princípios da Administração Pública, senão estiverem nele previstas, não configuram atos de improbidade.

3 - A Lei de Improbidade Administrativa integra parte do Direito Administrativo Sancionador, conforme indicado no art. 17-D da Lei n.º 8.429/92, ao qual se aplica, segundo o entendimento do STJ, o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, sendo o qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Logo, se as condutas descritas na petição inicial não mais configuram ato de improbidade administrativa, na ausência de previsão legal, não há razão jurídica que permita a continuidade da demanda, pelo que a ação deve ser rejeitada (AgRg no AREsp 27.704/RO) (N.U 1001073-75.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GILBERTO LOPES BUSSIKI, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 03/05/2022, Publicado no DJE 12/05/2022).

Dessa forma, deve ser reconhecida a retroatividade da Lei n.º 14.230/21 e a improcedência dos pedidos.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo Ministério Público Estadual, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil.

Deixo de condenar em custas e honorários advocatícios nos termos do art. 23-B da Lei n.º 8.429/92.

Não se aplica o reexame necessário (art. 17, § 19, IV da Lei n.º 8.429/92.)

Transcorrido in albis o prazo, ARQUIVEM-SE, sem prejuízo de desarquivamento a pedido do interessado.

Publique-se. Registre-se. INTIMEM-SE.

Alto Taquari/MT, data da assinatura eletrônica.

MARINA DANTAS PEREIRA

Juíza Substituta”.

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta que, apesar da aplicação retroativa da Lei n.° 14.230/2021, reconhecida pelo magistrado singular, o julgador deve “buscar o fundamento de validade do ordenamento jurídico como um todo para com a Constituição Federal, sendo-lhe imperioso zelar pela supremacia da Constituição, impedindo a eficácia de normas contrárias à vontade do legislador constitucional originário”.

Aduz que “as recentes alterações da Lei n.° 8.429/92 em nada prejudicam o regular andamento deste feito, eis que as inovações legislativas não foram capazes de invalidar as imputações, sendo que os fatos trazidos a lume encontram correspondência, atualmente, no tipo descrito inciso XI, do artigo 11”.

Assevera que a nova redação do artigo 11, inciso XI, da Lei n.° 8.429/92 corresponde à positivação da vedação ao nepotismo, constante da Súmula Vinculante n.° 13, do Supremo Tribunal Federal.

Ressalta que, “no caso em tela, o requerido Fábio Mauri Garbúrgio nomeou o requerido Aristides de Souza Maciel para exercer o Cargo Comissionado de Coordenador de Cultura, por indicação do vereador Gregótio Tolentino, o qual é sogro deste último”, o que configura “a prática de ato de improbidade consistente em nepotismo cruzado”.

Argumenta que as alterações promovidas pela ...

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