Acórdão Nº 0002051-26.2020.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 08-10-2020

Número do processo0002051-26.2020.8.24.0038
Data08 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Agravo de Execução Penal n. 0002051-26.2020.8.24.0038 de Joinville

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DE LEI POSTERIOR QUE DE QUALQUER MODO FAVORECE O CONDENADO (ART. 66, I, DA LEP). INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE RETIFICAÇÃO CÁLCULO DE PENAS PARA EFEITO DA PROGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL. DECISÃO FUNDAMENTADA NA EXISTÊNCIA DE NOVATIO LEGIS IN MELLIUS DECORRENTE DA LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE PORCENTAGEM ESPECÍFICA PARA PROGRESSÃO DE REGIME NA HIPÓTESE DO CONDENADO POR CRIME HEDIONDO NÃO REINCIDENTE ESPECÍFICO. APLICAÇÃO DA PORCENTAGEM DE 40% (ART. 112, V, DA LEI N. 7.210/84, APÓS ALTERAÇÕES DA LEI N. 13.964/19). PROVIMENTO. CONDIÇÃO DE REINCIDENTE QUE INDEPENDE DA NATUREZA DA CONDENAÇÃO ANTERIOR. APLICAÇÃO DO ART. 112, VII, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CÂMARA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0002051-26.2020.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara Criminal em que é Agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado Isaias Costa.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de reformar a decisão que deferiu a progressão de regime ao agravado, nos termos da fundamentação.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer.

Participou da sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Odil José Cota.

Florianópolis, 8 de outubro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo em execução penal interposto por Ministério Público do Estado de Santa Catarina, contra decisão de fls. 186/193, proferida no processo de execução criminal n. 0003551-35.2017.8.24.0038, por meio da qual o juízo da 3ª Vara Criminal de Joinville deferiu ao agravado Isaias Costa o benefício de progressão ao regime semiaberto.

Em suas razões, recorrente requer a reforma da decisão com a cassação do benefício. Argumenta que o requisito objetivo necessário à concessão da súplica não está preenchido.

Pondera que "o Juízo a quo utilizou a fração de 2/5 (dois quintos) para o crime equiparado a hediondo, sob o argumento de que as alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019 tornaram exigível a reincidência específica para a aplicação da fração de 60% (sessenta por cento), condição que o agravado não ostenta", ou seja, entendeu-se que "com as alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019, a utilização da fração de 3/5 (equivalente a 60%) para o cálculo da progressão dos crimes hediondos e equiparados requer reincidência específica" (fls. 1/11).

Apresentadas às contrarrazões (fls. 46/52) e mantida a decisão objurgada (fl. 53), os autos ascenderam à esta Corte.

Com vista, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo(a) Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Pedro Sérgio Steil, posicionou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 61/67).

Este é o relatório.


VOTO

Infere-se do presente recurso e também dos autos principais que o Juízo da Vara de Execuções Penais de Joinville, João Marcos Buch, na decisão atacada, deferiu pedido a progressão ao agravado nos seguintes termos:

Trata-se de execução penal em face do apenado Isaias Costa, condenado às penas que somadas totalizam 7 anos e 10 meses de reclusão (já considerando a retificação da soma de penas - vide item "1", abaixo), inicialmente em regime fechado, dos quais 6 anos e 8 meses pela prática de crime equiparado a hediondo (reincidente não específico) e 1 ano e 2 meses pela prática de crime comum. Atualmente em regime fechado, pende deliberação sobre retificação de soma de penas, progressão ao regime semiaberto e cálculo de pena.

1. Retificação de soma de penas:

Consoante acórdão de fls. 66-72 dos autos n. 0012647-74.2017.8.24.0038, o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina reduziu a pena de 1 ano, 3 meses e 22 dias de reclusão para 1 ano e 2 meses, em regime inicial semiaberto.

Diante da redução de penas RETIFICO o somatório de fls. 446-449 dos autos n. 0014172-72.2009.8.24.0038 para fixar a pena total em 7 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Intimem-se.

2. Progressão ao regime semiaberto:

A defesa requereu a aplicação da novatio legis in mellius, em razão da legislação benéfica advinda com o intitulado "pacote anticrime" (fls. 167-73).

O Ministério Público postulou pelo indeferimento da progressão ao regime semiaberto. Sobre a aplicação da notavio legis in mellius, opinou pela não aplicação, por entender que a reincidência é elemento de caráter pessoal e, ainda que genérica, deve ser utilizada a fração de 3/5 (três quintos) para o crime equiparado a hediondo (fls. 177-83).

Da novatio legis in mellius.

O apenado foi condenado por crime comum praticado em 2009 (ação penal n. 0001206-77.2009.8.24.0038, pelo art. 157, § 2º, I, do Código Penal). Posteriormente, foi condenado por crime equiparado a hediondo cometido em 17.07.2011 (lei n.11.343/06, art.33), reincidente não específico.

Para a progressão de regime em crimes hediondos e equiparados o art.2º, §2º, da lei de crimes hediondos assim dispunha: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).

Todavia, conforme a lei nº.13.964/2019, os critérios para progressão de regime foram alterados, in verbis:

"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

(...)

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

(...)

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

A previsão de fração mais gravosa para crimes hediondos e equiparados, no caso de reincidência, trouxe uma inovação. Acrescentou a necessidade do apenado ser reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado.

Vale dizer, para a aplicação da fração de 60% é necessária a reincidência específica.

Certa é assim a ocorrência da novatio legis in mellius, uma vez que a nova lei foi específica ao adicionar a reincidência na prática de crime hediondo ou equiparado.

Sobre essa hipótese, "Ocorre a novatio in mellius quando a lei posterior, mantendo a incriminação do fato, torna menos gravosa a situação do réu. Exemplos: a) lei que comina pena menos severa; b) lei que cria causa extintiva da ilicitude, da culpabilidade ou da punibilidade; c) lei que facilita a obtenção do sursis ou do livramento condicional." (SALIM, Alexandre Aranalde. Teoria da norma penal. www.lfg.Jusbrasil.com.br ).

Aplica-se assim o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, nos termos do parágrafo único, do art.2º, do Código Penal (novatio legis in mellius).

Não é demais lembrar que interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. É procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a maior precisão possível. O in clans non fit interpretativo é uma falácia, até mesmo porque para se concluir que a lei é clara já se faz necessária uma interpretação. Como se percebe, o que se procura com a interpretação é o conteúdo da lei, a inteligência e a vontade da lei (mens legis), não a intenção do legislador (mens legislatoris), embora esta última constitua um dos critérios de interpretação, porquanto, uma vez em vigor, a lei passa a gozar de existência autônoma (LIMA, Renato Brasileiro de. 7ªed. Salvador: Juspodium, 2019, p.102).

Por outro vértice, em consulta proferida pelo Centro de Apoio do Ministério Público do Paraná, em 19.2.2020 (www.criminal.mppr.mp.br), reconheceu-se que a maioria da doutrina está inclinada para a novatio legis in mellius, muito embora a conclusão final seja pela adoção da mens legislatoris, desconsiderando-se a letra da lei:

(...) Com efeito, este resgate é relevante na medida em que bem demonstra o contexto no qual se insere o tema trazido pela Consulta. É que a questão afeta à natureza jurídica da reincidência prevista no artigo 112 da LEP é mais uma daquelas que não pareem enconrar esclarecimentos no texto da lei.

Dentre a limitada doutrina localizada, parece existir uma tendência em aceitar-se que seria exigível a chamada reincidência específica para a aplicação do percentual maior de progressão de regime.

(...) não há dúvidas de que a questão pode gerar um conflito interpretativo e que, num tal cenário, pode haver uma tendência em exigir-se a configuração de reincidência específica para o caso.

O Promotor de Justiça Rogério Sanches, ao tratar da aplicação do percentual de reincidência em crimes com violência ou grave ameaça, destacou que:

"(...) O dispositivo faz referência à reincidência específica em crime com violência ou grave ameaça. Mas e se o reeducando for reincidente, mas não específico, ou seja, somente um dos crimes, passado e presente tiver sido cometido com violência ou grave ameaça?

Lendo e relendo o artigo em comento, concluímos que estamos diante de uma lacuna, cuja integração, por óbvio, deverá observar o princípio do in dubio pro reo. (CUNHO, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: Lei n.13964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora Juspodium, 2020,...

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