Acórdão Nº 0002055-76.2014.8.24.0037 do Quarta Câmara de Direito Público, 28-01-2021

Número do processo0002055-76.2014.8.24.0037
Data28 Janeiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0002055-76.2014.8.24.0037/SC



RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI


APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: LUIS FETT APELADO: ISABEL FETT BEHREND APELADO: CARLOS FETT


RELATÓRIO


Luis Fett, Carlos Fett e Isabel Fett Behrend ajuizaram a Ação Declaratória n. 037.14.002055-8 (0002055-76.2014.8.24.0037) contra o Estado de Santa Catarina, relatando, em síntese, que pretendem efetuar a baixa dos usufrutos descritos nas Matrículas ns. 1009, 3.455, 12.454 e 25.186, dos quais são nu-proprietários; contudo, o ente público estaria exigindo indevidamente o recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), na razão de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor venal dos bens, com fundamento nos arts. 5o e 7o, § 2o, e 12, II, "e", todos da Lei Estadual n. 13.136/2004.
Argumentaram que são legítimos herdeiros de Mario Fett e sua esposa Ágata Luiza Fett, falecidos, respectivamente, em 05-10-1993 e em 18-04-1997, e, também de Luiz Sepcht Filho e sua esposa Gertrud Specht, falecidos, respectivamente, em 03-03-1995 e em 20-02-2004, e à época da legislação em vigor (art. 1.410, I, do Código Civil), os usufrutos foram extintos com as mortes dos usufrutuários, sendo indevida a aplicação retroativa da Lei Estadual n. 13.136/2004, considerando que a Lei Estadual n. 7.540/1988 nada dispunha sobre a tributação, havendo afronta ao princípio da irretroatividade, insculpido no art. 150, III, "a", da Constituição Federal. Sustentaram, de outro vértice, que estaria consumada a decadência, a qual se operou, no caso, pelo 173, I, do Código Tributário Nacional, a contar do falecimento dos usufrutuários. Requereram, assim, a antecipação da tutela e, ao final, o procedência do pedido, com a declaração de extinção dos usufrutos e de inexigibilidade do ITCMD (Evento 73, pp. 14-29). Juntaram documentação (Evento 73, pp. 30-93).
O juízo a quo determinou que os autores trouxessem prova de que o réu estaria a cobrar "o tributo como condição para extinção dos usufrutos", postergando o exame do pedido de tutela antecipada (Evento 73, p. 94), ocasião em que aqueles acostaram mais documentação (Evento 73, pp. 96-110). Em seguida, os demandantes formularam pedido de reconsideração (Evento 73, pp. 121-125), o qual foi indeferido (Evento 73, p. 126).
Em contestação, o Estado de Santa Catarina arguiu, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, porquanto não existiria pretensão resistida, na medida em que não há comprovação da suposta cobrança do tributo. No mérito, alegou que, na legislação anterior (Lei Estadual n. 7.540/1988), o imposto era pago 100% (cem por cento) por ocasião da doação e da instituição do usufruto, ou, então, administrativamente, era possível requerer que fosse pago integralmente no momento da extinção; ao passo que, na legislação atual (Lei n. 13.136/2004), passou-se a exigir o pagamento de 50% (cinquenta por cento) do imposto no ato da doação e da instituição do usufruto e o restante por ocasião da sua extinção, competindo, portanto, aos autores demonstrarem que o imposto foi pago na totalidade anteriormente. Argumentou que não está consumada a decadência, uma vez que o seu curso teria início somente a partir do cancelamento do usufruto no registro de imóveis, o que não se deu. Por essas razões, pugnou pela extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou pela improcedência dos pedidos (Evento 73, pp. 134-149). Juntou documentos (Evento 73, pp. 150-151).
Houve réplica (Evento 73, pp. 156-161).
A sentença afastou a preliminar e, no mais, reconheceu a decadência dos créditos tributários, julgando extinto o processo, nos seguintes termos (Evento 73, pp. 164-168):
[...] Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na exordial, para DECLARAR A INEXIGIBILIDADE do ITCMD referente à baixa dos usufrutos instituídos (a) em favor de Mário Fett e Ágata Luiz Fett no imóvel cadastrado sob a matrícula n. 3.455 junto ao 1o Ofício de Registro de Imóveis de Ponte Serrada/SC e nos imóveis cadastrados sob as matrículas n. 1.009 e n. 12.454 junto ao 1o Registro de Imóveis de Balneário Camboriú/SC; e (b) em favor de Luiz Specht Filho e Gertrud Specht no imóvel cadastrado sob a matrícula n. 25.186 junto ao 1o Registro de Imóveis de Balneário Camboriú/SC.
Condeno o réu ao pagamento das custas processuais observadas as isenções legais, e honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do disposto no art. 85, §§ 2o e 3o do CPC.
Oficie-se ao Cartório de Registro de Imóveis acima referidos, com cópia da presente decisão.
P.R.I [...]
Os autores opuseram embargos de declaração (Evento 73, pp. 180-183), os quais foram acolhidos para reconhecer a omissão quanto à análise do pedido de antecipação de tutela, passando a parte dispositiva da sentença a constar (Evento 73, pp. 202-204):
[...] Presentes os pressupostos legais dispostos no art. 300 do CPC, concedo a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, para determinar que os Cartórios de Registro de Imóveis referidos procedam a averbação da extinção dos usufrutos das matrículas dos imóveis nominados, independentemente do recolhimento do ITCMD e transito em julgado da presente sentença.
Oficie-se, destacando que os demais emolumentos pertinentes à espécie deverão ser recolhidos pelos autores, que também deverão providenciar documentação para tal fim, se necessário. [...]
Inconformado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação, no qual repisou in totum os argumentos da contestação e postulou a reforma da sentença, com o reconhecimento da ausência de interesse processual dos demandantes ou a improcedência dos pedidos articulados na inicial (Evento 73, pp. 186-201).
Em contrarrazões, os autores defenderam a manutenção da sentença (Evento 72, pp. 211-218).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, com parecer do Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva, opinou "pelo conhecimento e provimento do apelo interposto pelo Estado de Santa Catarina para que a sentença combatida seja inteiramente reformada, a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na exordial" (Evento 78).
É o relatório

VOTO


Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
Cuida-se de apelação interposta pelo Estado de Santa Catarina contra sentença proferida nos autos da ação declaratória ajuizada por Luis Fett, Carlos Fett e Isabel Fett Behrend, que rejeitou a preliminar de falta de interesse processual e, no mais, julgou procedente o pedido para determinar o cancelamento dos usufrutos que recaem sobre os bens imóveis descritos na inicial, sem o recolhimento do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), sob o fundamento de estar configurada a decadência (art. 173, inciso I, do Código Tributário Nacional).
O Magistrado a quo entendeu que os falecimentos dos usufrutuários Mário Fett (05-10-1993), Luiz Specht Filho (03-03-1995) e Ágata Fett (18-04-1997) deram-se na vigência do Código Civil de 1916, que estabelecia a extinção do usufruto pela morte do usufrutuário (art. 739, I), sendo este o fato gerador do tributo. Já quanto ao falecimento de Gertrud Specht (20-02-2004), quando em vigor o Código Civil 2002, em que pese a previsão de extinção do usufruto pelo cancelamento do registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.041, I), aplicar-se-ia a regra anterior, considerando a necessidade de prévio pagamento do tributo para o cancelamento do usufruto, conforme entendimento manifestado na ACMS n. 2013.053076-1, julgada pela e. Primeira Câmara de Direito Público.
O Estado de Santa Catarina, por seu turno, inicialmente, insiste na carência da ação por ausência de interesse processual dos demandantes, ao argumento de que estes não comprovaram que lhes tenha sido exigido o pagamento do tributo.
Como é cediço, "[...] Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. [...]" (Código de processo civil comentado. NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, 16 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.205).
No caso dos autos, é nítido o interesse processual dos autores, pois, em que pese a inexistência de prova da exigência do tributo no caso concreto, a demanda tem cunho declaratório de direito que, no passado - em feito análogo concernente a outras matrículas imobiliárias (037.09.002133-5) - já foi objeto de controvérsia entre as partes. Além disso, ao defender a legalidade da cobrança do ITCMD e contrapor-se aos argumentos apresentados na exordial, o Estado de Santa Catarina apresentou evidente resistência à pretensão posta nos autos.
Logo, correto foi afastamento da preliminar, não merecendo a sentença nenhum reparo no ponto.
No que tange à decadência, o recorrente defende que não estaria consumada, tendo em vista que o prazo fluiria somente após a extinção do direito real de usufruto, que ocorre com o cancelamento no Cartório de Registro de Imóveis.
Nesse tópico, razão lhe assiste.
Sobre o assunto, já decidiu esta Quarta Câmara de Direito Público:
APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD). BENS IMÓVEIS DOADOS COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO. FATO GERADOR. EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE FRUIÇÃO PELA MORTE DO USUFRUTUÁRIO. SITUAÇÃO JURÍDICA (ART. 116, INCISO I, DO CTN). NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. SIMETRIA IMPOSTA PELA LEGISLAÇÃO DE DIREITO CIVIL. EXEGESE DO ART. 110 DO CTN. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. "O usufruto é direito real na coisa alheia, temporário. O fato gerador da obrigação tributária é a situação definida em lei como necessária e suficientes à sua ocorrência (...

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