Acórdão Nº 0002062-92.2019.8.24.0037 do Segunda Câmara Criminal, 30-05-2023

Número do processo0002062-92.2019.8.24.0037
Data30 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002062-92.2019.8.24.0037/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: CLAUDIO KREMER (RÉU) ADVOGADO(A): WANDERLEI ANTONIO FIORENTIN (OAB SC012866)


RELATÓRIO


Na Comarca de Joaçaba, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Cláudio Kremer, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 102 da Lei 10.741/03, por três vezes, nos seguintes termos:
Em datas e horários a serem precisados no decorrer da instrução, porém entre os meses de abril e junho de 2019, na Comarca de Joaçaba/SC, o denunciado Cláudio Kremer, com evidente animus apropriandi e na posse do cartão magnético da vítima Luciano Trindade Brito (idoso, 84 anos), apropriou-se de valores do BPC - Benefício de Prestação Continuada depositados na conta corrente da vítima (Auto de exibição e Termo de Entrega do cartão às fls. 4-5).
Durante esse período, o denunciado sacou a quantia de R$ 998,00 (novecentos e noventa e nove reais) mensalmente em três oportunidades, deixando se repassar à vítima qualquer valor e dando ao numerário aplicação diversa de sua finalidade, qual seja, a manutenção das necessidades do idoso, pois utilizou-os em benefício próprio (Evento 6).
Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou improcedente a exordial acusatória e absolveu Cláudio Kremer da acusação da prática do delito previsto no art. 102 da Lei 10.741/03, com supedâneo no disposto no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (Evento 139).
Insatisfeito, o Ministério Público deflagrou recurso de apelação.
Em suas razões, persegue a procedência da pretensão condenatória, nos exatos termos da denúncia (Evento 144, doc2).
Cláudio Kremer ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 154).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo (Evento 6)

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
1. Pretende o Ministério Público a condenação de Cláudio Kremer pela prática do delito previsto no art. 102 da Lei 10.741/03, por três vezes.
A materialidade está consubstanciada no boletim de ocorrência (Evento 1, doc3), no auto de exibição e apreensão (Evento 1, doc4), no termo de entrega (Evento 1, doc5) e nas provas colhidas oralmente.
A autoria também foi confirmada e está atrelada às provas orais coligidas aos autos.
A Vítima Luciano Trindade Brito relatou à Autoridade Policial:
vivia há cerca de 07 meses aproximadamente na propriedade de Cláudio Kremer na linha Grafunda interior de Luzerna, já tendo morado ali em outras oportunidades no passado,; que, o declarante viveu por um tempo na companhia de seu filho Sebastian Trindade de Brito por um tempo na cidade de Catanduvas mas deu problemas devido a seu filho se apropriar de seu cartão de benefício BPC; que, devido a estes problemas, veio procurar abrigo com Cláudio Kremer; que, o declarante relata que morava numa casinha cedida por Cláudio e nela não havia banheiro, mas tinha luz e uma mangueira de água; que, o declarante executava alguns trabalhos tais como cortar pasto, dar ração para o gado, limpar estrebaria, cortar lenha, ajudava a mãe de Cláudio a fazer tarefas domésticas; que, o declarante alega que não recebia nenhum tipo de pagamento por seus trabalhos, apenas recebia um lugar para morar, e às vezes comia na companhia de Cláudio e de seus colegas quando executavam tarefas no mato; que, o declarante alega que quem ficava com o seu cartão de benefício e os seus documentos era a esposa de Cláudio de nome "Ivete", mas quem efetuava o controle dos gastos era Cláudio Kremer, o qual lhe dava banha, sal, feijão, arroz, salame, cachaça a qual ficava na casa de Cláudio e este lhe dava todo dia um pouco no final da tarde depois deste tratar o gado; que, o declarante alega que não recebia nada em troca de seu trabalho nem era registrado como empregado; que o declarante em certa ocasião queixou-se para a Assistente Social que fazia mais de 03 meses que não via seu cartão do BPC e nem dinheiro, que nesta ocasião estava barbudo e cabeludo; que, o declarante alega que como não tinha para onde ir ficava quieto e não reclamava por ter algumas dificuldades (Evento 1, doc6-7).
Em Juízo, o Ofendido Luciano Trindade Brito declarou:
morou na propriedade do réu; fazia de todo tipo de serviço, tratava a criação, roçava invernada, etc.; não ganhava nada de Cláudio, "alguma coisinha" de comida, e dinheiro "nunca via"; tinha aposentadoria naquele tempo; entregou o cartão para Cláudio guardar e ele movimentava o dinheiro, mas nunca dava para o depoente; Cláudio nunca lhe deu dinheiro; tinha roupas que os outros lhe davam; o réu tinha a senha do cartão; confiava no acusado; tinha banheiro na primeira casa que morou, na outra não; não gastava nem "duzentos cruzeiros" de comida; foi "por conta" morar na localidade; a assistente social o levou e o tirou de lá também; não ia junto nas compras com Cláudio; entregou tudo para Cláudio, inclusive a senha e os documentos; entregou os documentos pois ficou com medo que os ratos estragassem; foi parar lá porque não tinha outro lugar para ir; naquele tempo bebia "pinga"; Cláudio lhe dava um pouco por vez (conforme transcrição da sentença resistida, Evento 139).
A Testemunha Joviane Colombelli, que desempenha a função de Assistente Social, asseverou ter atendido diversos casos envolvendo o Apelado Cláudio Kreme:
nestes atendimentos a depoente percebeu que geralmente são pessoas que recebem BPC ou Bolsa família, indigentes, indígenas e pessoas em situação de vulnerabilidade social; que, estas pessoas são acolhidas por Cláudio Kremer e este as utiliza na mão de obra na granja, e outras atividades, corte de pinus, roça, gado de leite, chiqueirão etc.; que, é comum a depoente atender famílias que estão trabalhando na propriedade de Cláudio e possuem situação de risco e problemas sociais; que, as famílias que Claudio acolhe geralmente estão associadas com alcoolismo e são pessoas sem instrução e humildes: que, a depoente em novembro do ano passado estava levando a filha de Cláudio Kremer de nome Cilene a qual é atendida pelo CRAS, e no deslocamento viu o Seu Luciano Trindade de Brito subindo a pé em direção a propriedade de Cláudio: que, a depoente parou o carro e conversando com Seu Luciano este disse que estava indo visitar o Cláudio, tendo então a depoente lhe oferecido uma carona até lá; que, a depoente recorda que nesta ocasião Seu Luciano teria dito que estava residindo com seu filho "Bastia" na cidade de Catanduvas que, no outro dia após este fato, a depoente recebeu a ligação de Cláudio Kremer em que este lhe disse que "Bastia" havia expulsado o Seu Luciano de casa e que teria se apropriado do cartão do BPC, tendo a depoente conversado com o Seu Luciano na propriedade de Cláudio e após ciência dos fatos teria pego o idoso e se deslocado até a cidade de Catanduvas, onde em conjunto com a PM daquela cidade foram até a residência onde Seu Luciano estava parando para pegar o cartão de benefício e seus objetos e pertences pessoais; que, a depoente na casa de "Bastia", conversando com a companheira deste de nome "Maria", esta entregou os pertences do Seu Luciano, e se recusava a entregar o cartão do BPC, tendo sido conduzida a Delegacia e não falava o paradeiro de "Bastia"; que, a depoente recorda que um dia após este fato "Bastia" veio até o CRAS de Luzerna e entregou os documentos do Seu Luciano, Cartão e documentos pessoais; que, a depoente então juntamente com a Psicóloga da Prefeitura foram até a propriedade de Cláudio Kremer e entregaram nas mãos de Seu Luciano o Cartão do BPC e seus documentos pessoais, para que este ficasse em seu poder, já que o mesmo não é interditado, e ainda o advertiram, que o cartão deveria permanecer com ele e nunca nas mãos de terceiros; que, a depoente no início do mês de junho foi visitar uma família que está vivendo na propriedade de Cláudio, e pararam para conversar com Seu Luciano e este estava barbudo, cabeludo e reclamando que faziam 03 meses que ele não via seu dinheiro do BPC, pois Cláudio Kremer ficava com seu cartão e administrava o dinheiro como queria; que, a depoente até pediu para Seu Luciano se este não gostaria de ir para a Casa da Acolhida em Herval D'Oeste onde este poderia ficar e este respondeu que iria conversar com Cláudio; que, a depoente diante destes fatos veio até a delegacia de polícia e em conversa com o policial que estava na DPMU de Luzerna, se dirigiram até a propriedade de Cláudio Kremer, onde este no momento não estava presente e em conversa com a esposa deste de nome "Ivete" esta confirmou que Cláudio ficava com o cartão do BPC e com os documentos pessoais de Seu Luciano; que, a depoente relata que "Ivete" entregou o cartão e os documentos pessoais de Seu Luciano para o policial civil Juliano Pedrini o qual efetuou a diligência; que, a depoente juntamente com o policial Juliano, fotografaram e filmaram a situação, o local onde Seu Luciano vivia, num casebre sem as mínimas condições de higiene; que, a depoente já havia feito contato com a casa da Acolhida de Herval D'Oeste e diante daquele situação conduziram o Seu Luciano para que este ficasse aos cuidados do assistente social Marcelino Zuffo, estando desde daquele dia sob os cuidados daquela entidade (Evento 1, doc10-11).
Na etapa judicial, a Testemunha Joviane Colombelli contou:
Luciano Trindade Brito teve muitas "idas e vindas" na propriedade do réu; o fato ocorreu em 2018 quando o idoso brigou com seu filho e sua nora em Catanduvas e voltou para a casa do Cláudio Kremer; Cláudio e Luciano tinham uma relação de amizade há tempo e o idoso acabava voltando lá pois tinha um "abrigo"; a filha...

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