Acórdão Nº 0002075-54.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 08-10-2020

Número do processo0002075-54.2020.8.24.0038
Data08 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Agravo de Execução Penal n. 0002075-54.2020.8.24.0038, de Joinville


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Agravo de Execução Penal n. 0002075-54.2020.8.24.0038, de Joinville

Relator: Des. Carlos Alberto Civinski

EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DE AGRAVO (LEP, ART. 197). INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO QUE NÃO HOMOLOGOU O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E NÃO RECONHECEU A FALTA GRAVE. CONDUTA CONSISTENTE NO COMETIMENTO DE NOVO CRIME NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL (LEP, ART. 52).

PRELIMINAR SUSCITADA PELA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA FALTA DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO EM JUÍZO. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE QUALQUER MÁCULA. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO ASSEGURADOS NAS DUAS FASES DO INCIDENTE DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. PRESCINDIBILIDADE DO REFERIDO ATO SOLENE. OITIVA REALIZADA NO INCIDENTE INSTAURADO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. EIVA AFASTADA.

PAD QUE ESTÁ INSTRUÍDO COM ELEMENTOS SUFICIENTES. DELITO DE POSSE DE DROGAS APTO A CONFIGURAR A FALTA GRAVE POR SE TRATAR DE CRIME DOLOSO. DESPENALIZAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI DE DROGAS QUE NÃO IMPLICOU EM DESCRIMINALIZAÇÃO. PRECEDENTES DO STF E STJ. ADEMAIS, IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR O PRINCÍPIO DA BAGATELA EM DELITOS RELACIONADOS A ENTORPECENTES. COMPETÊNCIA DO DIRETOR DA UNIDADE PRISIONAL PARA CLASSIFICAR A TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR E FAZER A SUBSUNÇÃO DO FATO À NORMA. ANÁLISE JUDICIAL RESTRITA À LEGALIDADE DO PAD. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0002075-54.2020.8.24.0038, da comarca de Joinville (3ª Vara Criminal), em que é agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e agravado Michel da Maia de Oliveira:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso, afastar a preliminar e dar-lhe provimento para reformar a decisão impugnada a fim de homologar o Procedimento Administrativo 379/2019, que reconheceu a prática de falta grave pelo agravado Michel da Maia de Oliveira (art. 52 da LEP c/c art. 28 da Lei 11.343/2006), e, consequentemente, determinar ao Juízo de origem que aplique as medidas inerentes ao reconhecimento da conduta faltosa. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Desembargadores Paulo Roberto Sartorato e Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Florianópolis, 8 de outubro de 2020.

Assinado digitalmente

Carlos Alberto Civinski

PRESIDENTE E relator

RELATÓRIO

Pronunciamento judicial agravado: o juiz de direito João Marcos Buch, da 3ª Vara Criminal da comarca de Joinville, não reconheceu a falta grave apurada no PAD 379/2019, nos seguintes termos:

Trata-se de execução penal em face do apenado Michel da Maia de Oliveira, condenado à pena de 6 anos e 4 meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, pela prática de crimes comuns, não reconhecida a reincidência. Atualmente está o apenado em regime fechado (fls. 312-316, item 4), com alocação na Penitenciária Industrial de Joinville.

1. Questão disciplinar

A Penitenciária Industrial de Joinville remeteu o PAD n. 379/2019 que apurou suposta posse de substância semelhante a maconha pelo apenado em 14.11.2019, em que restou reconhecida falta grave na seara administrativa (fls. 378-394).

O Ministério Público manifestou-se pela "[...] homologação do Procedimento Administrativo Disciplinar n. 379/2019 e, consequentemente, a manutenção do regime fechado, a perda dos dias remidos no patamar de 1/5 e a alteração da data-base para benefícios penais (14-11-2019)" (fls. 398-403).

A defesa (advogada Indiara Mesquita Marques - OAB/SC n. 53.769) requereu: "a) O recebimento da presente manifestação; b) Não seja homologado o procedimento supracitado; c) O não reconhecimento da falta imputada; d) Subsidiariamente, em caso de reconhecimento de falta, que seja mantida a data base e declarada a perda dos dias eventualmente remidos no patamar mínimo" (fls. 408-412).

É o necessário relatório. Decido.

Preliminares:

a) Tema n. 941 da Repercussão Geral do STF:

Em 04,05,2020 o Supremo Tribunal Federal - STF, apreciando o tema n. 941 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, fixando a seguinte tese:

A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a falta grave durante o cumprimento da pena.

Ou seja, a partir da tese fixada pelo STF, ficou dispensada a necessidade de PAD quando realizada audiência de justificação em Juízo, na presença de Ministério Público e defesa do apenado.

O caso é que a Suprema Corte brasileira acabou por não fazer distinção entre fatos havidos dentro e forma das unidades prisionais, o que é de extrema relevância.

Isto porque, muito embora na audiência de justificação que ocorre em Juízo seja certo o respeito ao contraditório e à ampla defesa, pois realizada com base no sistema acusatório, entende este Juízo que, para fatos havidos no interior da unidade prisional, o procedimento administrativo disciplinar não deva ser dispensado, uma vez que auxilia para a melhor compreensão do contexto que levou aos fatos apurados, especialmente da materialidade e autoria, bem como oitiva de eventuais testemunhas.

Poder-se-ia, a título exemplificativo, comparar o procedimento administrativo ao próprio inquérito policial. Isto porque, ainda que não se possa fazer uso exclusivo deste para fundamentar uma decisão judicial, especialmente quando desfavorável ao acusado, ele auxilia na elucidação de fatos, contribuindo para uma decisão final mais acertada.

Distinta seria a situação em que na audiência de justificação se tratam de fatos havidos no contexto extra muros, à exemplo de descumprimentos do regime aberto ou ainda de prisão domiciliar, bem como não retornos de saída temporária, pois nestas conjunturas não havia o que se apurar pela administração prisional, sendo suficiente o procedimento judicial da audiência de justificação sob o crivo do contraditório e ampla defesa plenos. Neste caso sim, poder-se-ia dispensar a instauração do PAD.

Com isso, no caso dos autos, pelas suas circunstâncias, reconheço a imprescindibilidade do procedimento administrativo disciplinar.

b) Vedação de Apreciação do PAD pelo Magistrado:

A tese levantada é de que ao juiz é proibido divergir da conclusão do administrador público no incidente disciplinar.

Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Em outras palavras, o magistrado possui prerrogativa Constitucional irrenunciável de jurisdição. Jamais poderá o juiz ser cerceado no seu dever de jurisdicionar, para tanto deliberando sobre ocorrência de falta grave e suas graves consequências na execução da pena, muitas vezes possuindo reflexos mais gravosos na vida do detento do que o cometimento de um outro crime.

Registre-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina possui entendimento neste sentido.

In verbis:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INCONFORMISMO CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE REGRESSÃO DE REGIME ANTE O COMETIMENTO DE FALTA GRAVE. MAGISTRADO QUE AVOCOU O EXAME DO MÉRITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. TENTATIVA DE FUGA APÓS SERRAMENTO DAS GRADES. DETENTOS SURPREENDIDOS PELO ALARME DE FUGA QUE RETORNARAM A CELA ANTES DA CHEGADA DOS AGENTES PRISIONAIS. CELA OCUPADA POR 13 (TREZE) REEDUCANDOS. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA AUTORIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS QUE INDIQUEM QUE O AGRAVADO FOI O RESPONSÁVEL PELO DANO À CELA OU QUE TENHA DELA SE EVADIDO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Inicialmente, cumpre esclarecer a inviabilidade de mera aplicação, no presente recurso do entendimento proferido em sede de Repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.378.557/RS, porquanto o Magistrado oficiante avocou para si a realização do exame do mérito do PAD, designando e realizando audiência judicial. (TJSC; Agravo de Execução Penal n. 0020529-87.2017.8.24.0038, de Joinville, Relator: Desembargador José Everaldo Silva; julgado em 06 de setembro de 2018).

Em sentido igual, destaca-se ainda:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE NÃO RECONHECE FALTA GRAVE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. FALTA GRAVE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. DECISÃO DO DIRETOR DA UNIDADE PRISIONAL. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL. CONTROLE JUDICIAL. 2. FATO DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO. COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO (LEI 10826/03, ART. 17, § 1º). PROVA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COMERCIAL. HABITUALIDADE. 1. O controle judicial na execução penal sobre a decisão que encerra procedimento administrativo disciplinar compreende a possibilidade de o magistrado, mediante análise da integralidade dos elementos probatórios, reconhecer ou afastar a falta grave e reclassificar a conduta, mesmo em contrariedade à decisão administrativa, à qual não está subordinado. 2. Não existe prova suficiente para reconhecimento da falta grave prevista no art. 52, caput, da Lei de Execução Penal quando o apenado é preso em flagrante pela suposta prática do crime de comércio ilegal de armas, mas nenhum elemento indica a habitualidade imprescindível à configuração do exercício de atividade comercial. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0001155-80.2020.8.24.0038, de Joinville, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 16-06-2020). (grifou-se e sublinhou-se).

Do corpo do citado acórdão, quando o eminente Desembargador...

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