Acórdão Nº 0002101-60.2019.8.24.0079 do Primeira Câmara Criminal, 13-05-2021

Número do processo0002101-60.2019.8.24.0079
Data13 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002101-60.2019.8.24.0079/SC



RELATORA: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: DIEGO RIBEIRO FERREIRA (ACUSADO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Videira, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Diego Ribeiro Ferreira, como incurso nas sanções do art. 28 da Lei n. 11.343/06, pelos seguintes fatos e fundamentos (Evento 22 - autos de origem):
No dia 28 de junho de 2019, por volta das 14h30min, na Rua Afonso Tharum, Bairro Amarante, em Videira-SC, o denunciado, Diego Ribeiro Ferreira, trazia consigo, mais especificamente em uma maleta azul, no interior do veículo GM/CELTA, placas MCG-9017, para consumo pessoal e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 7g (sete gramas) de maconha, conforme Auto de Constatação n. 66 (fls. 13-14), substância capaz de causar dependência física e psíquica e de uso proscrito em todo o território nacional, por força da Portaria n. 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária/MS.
A denúncia foi rejeitada pelo Juízo de origem, com espeque no art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal (Evento 26 - autos de origem).
Insatisfeito, o Ministério Público interpôs recurso de apelação pugnando, em suma, pela cassação da decisão que rejeitou a denúncia, entendendo que o seu recebimento é medida adequada, com o normal prosseguimento do feito em seus ulteriores termos (Evento 29 - autos de origem).
O Juízo de origem, então, determinou o prosseguimento do feito pelo procedimento sumário (art. 538, CPP) - eis que incabível a citação/intimação por edital no procedimento sumaríssimo - recebendo o apelo interposto (Evento 31 - autos de origem).
Em sede de contrarrazões, o apelado manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto (Evento 42 - autos de origem).
Neste egrégio Tribunal, a Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer da lavra do Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo Antônio Günther, manifestou-se pelo recebimento do apelo como recurso em sentido estrito e o consequente provimento da insurgência (Evento 10).
Este é o relatório

VOTO


Inicialmente, bom consignar que, a despeito do recorrente ter interposto a insurgência sob o fundamento do art. 82, caput, da Lei n. 9.099/95, não há óbice para seu recebimento agora como recurso em sentido estrito.
Isso porque, conforme se depreende dos autos, ao feito de origem foi determinado o prosseguimento pelo rito sumário somente após a interposição do recurso, daí porque não pode o recorrente ser agora prejudicado se, há época da interposição, o recurso era adequado, eis que o feito até então observava o rito sumaríssimo.
Assim, não se trata de erro grosseiro ou má-fé (art. 579 do CPP), nada obstando a aplicação do princípio da fungibilidade e seu consequente recebimento como recurso em sentido estrito.
A propósito, colhe-se de decisões deste egrégio Tribunal:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA (ART. 395, II, DO CPP). INSURGÊNCIA MINISTERIAL. RECURSO INADEQUADO. INSURGÊNCIA A SER COMBATIDA POR RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (ART. 581, I, DO CPP). ADOÇÃO POSTERIOR, PELO MAGISTRADO SINGULAR, DO RITO SUMÁRIO. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ OU ERRO GROSSEIRO. INTELIGÊNCIA DO ART. 579 DO CPP E DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. ARGUIÇÃO DE INCOMPETÊNCIA PELA PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA. REMESSA ÀS TURMAS RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO PROCESSADO SOB O RITO DO PROCEDIMENTO COMUM SUMÁRIO. COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS CRIMINAIS. RECONHECIMENTO, EX OFFICIO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA IN ABSTRATO. INCIDÊNCIA DO ART. 30 DA LEI N. 11.343/06 C/C O ART. 115 DO CP. TRANSCURSO DE LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A UM ANO DESDE A DATA DO FATO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUE SE IMPÕE (ART. 61 DO CPP). RECLAMO PREJUDICADO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000207-49.2019.8.24.0079, de Videira, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 18-06-2020). (grifei).
E:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (LEI 11.343/2006, ART. 28, CAPUT). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. FALTA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL OU CONDIÇÃO AO EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL (DECRETO-LEI 3.689/1941, ART. 395, II). INSURGIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE REMETER OS AUTOS À TURMA RECURSAL COMPETENTE. IMPERTINÊNCIA. RECLAMO MANEJADO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. POSTERIOR CONVERSÃO AO COMUM SUMÁRIO. ADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA, A TEOR DO ART. 82, CAPUT, DA LEI 9.099/1995. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO FRACIONÁRIO PARA PROCESSAR E JULGAR O INCONFORMISMO. ALMEJADO PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. INEFICÁCIA DAS SANÇÕES PREVISTAS E CUSTO ECONÔMICO DO FEITO QUE NÃO PODEM OBSTAR O RECEBIMENTO DA PEÇA INCOATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ADEMAIS, DISPOSITIVO QUE TUTELA A SAÚDE PÚBLICA E FOI ALVO DE MERA DESPENALIZAÇÃO, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM A ABOLITIO CRIMINIS. PRONUNCIAMENTO REFORMADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001267-91.2018.8.24.0079, de Videira, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 15-08-2019). (grifei).
Ainda:
APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (LEI 11.343/2006, ART. 28, CAPUT). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INSURGIMENTO DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. RECLAMO MANEJADO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. POSTERIOR CONVERSÃO AO COMUM SUMÁRIO. ADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA, A TEOR DO ART. 82, CAPUT, DA LEI 9.099/1995. RECONHECIDA ATIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NO PRECEITO IMPUTADO. IMPROCEDÊNCIA. DISPOSITIVO QUE FOI ALVO DE MERA DESPENALIZAÇÃO, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM A ABOLITIO CRIMINIS. IMPOSITIVO RECEBIMENTO DA PEÇA INCOATIVA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0004552-34.2014.8.24.0079, de Videira, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Primeira Câmara Criminal, j. 12-07-2016). (grifei).
Ainda, consigna-se que, a despeito do Órgão Ministerial ter requerido a adoção do procedimento sumário ao feito e a citação do denunciado por edital quando do oferecimento da denúncia (Evento 22 - autos de origem), bem assim a evolução de classe realizada pelo Cartório do Juízo em ato contínuo (Evento 24 - autos de origem), tenho que há que se considerar a adoção do novo procedimento somente a partir da manifestação do Juízo, a qual efetivamente ocorreu posteriormente ao recurso interposto (Evento 31).
Superada a questão acima aventada, passa-se ao mérito da demanda, o qual, adianta-se, merece provimento.
A decisão que rejeitou a denúncia restou assim redigida (Evento 26 - autos de origem):
[...] Cuida-se de ação penal pública incondicionada que busca apurar a responsabilidade penal do acusado por infração ao art. 28, da Lei n.º 11.343/06, in verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
A respeito, extrai-se do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que: "Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente".
Desse modo, se o art. 28 da Lei n. 11.343/06 não prevê nenhuma das reprimendas acima indicadas, conclui-se que não se trata nem de delito nem de contravenção, configurando, quando muito, no entender de Luiz Flávio Gomes, infração penal sui generis.
A isso, acrescentam-se os ensinamentos de Gilberto Thums e Vilmar Pacheco, ao lecionarem que "na verdade, houve uma forma mascarada de descriminalização [...]. As medidas estabelecidas no art. 28 não traduzem sanção própria do Direito Penal, não têm natureza jurídico-penal, porque não condizem com as finalidades da pena, nem de prevenção geral e especial, nem de retribuição e, muito menos ainda, de sua função social realmente educativa, porque, como vemos, por ausência de força coercitiva, poderá ter a execução...

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