Acórdão Nº 0002148-48.2019.8.24.0139 do Segunda Câmara Criminal, 20-10-2020

Número do processo0002148-48.2019.8.24.0139
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002148-48.2019.8.24.0139/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: MARCIO TETSUMI ARAKAKI PINTO (RÉU) ADVOGADO: AMANDA DA SILVA (OAB SC056185) ADVOGADO: CAIO DANIEL GIRALDI DOS SANTOS (OAB SC034706) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Porto Belo, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Márcio Tetsumi Arakaki Pinto, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:
Consta do Auto de prisão em flagrante incluso que, no dia 7 de setembro de 2019, por volta das 17h, na Rua Cachalote, José Amandio, Bombinhas/SC, uma guarnição da Polícia Militar realizava rondas quando avistou o ora denunciado Márcio em atitude suspeita.
Então, os Policiais resolveram fazer abordagem e constataram que o denunciado Márcio trazia consigo e/ou transportava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para comercialização, um pequeno torrão de maconha, bem como a quantia de R$ 137,00 e um aparelho celular. Em conversa, Márcio contou que possuía alguns quilos de maconha em casa para revender.
Na sequência, os Milicianos deslocaram-se até a residência da Rua Cão do Mato, s/n, José Amandio, Bombinhas/SC, onde constataram que o denunciado Márcio tinha em depósito e/ou guardava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para fim de mercancia, na casa da frente, cerca de 5.500 gramas de maconha, além de mochila contendo uma balança e uma faca, bem como restos de droga cortadas. E, em buscas no quarto de Márcio na casa dos fundos, verificou-se que o denunciado tinha em depósito e/ou guardava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, também para comercialização, mais 45 comprimidos de ecstasy, pequena bucha de cocaína de 0,5 grama, 3 torrões de maconha de 1 grama cada e um pedaço maior de maconha, pesando 93 gramas. Também foi apreendida a quantia de R$ 600,00, possivelmente oriunda do comércio ilegal e mais dois aparelhos celulares.
O denunciado Márcio informou que estava desempregado, pegou a droga de um masculino no Costão de Bombas mas não chegou a pagar, demonstrando receio de que o traficante fornecedor realize represálias contra sua família.
As substâncias foram submetidas à exame de constatação (fl. 16) e restou apurado, preliminarmente, que se tratava de maconha, ecstasy e cocaína, drogas estas capazes de causar dependência física e/ou psíquica, referidas na Portaria n. 344, de 12.05.1998, do Ministério da Saúde, estando proibido o uso e comércio em todo território nacional (Evento 23, doc41, p. 3-5).
Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito Janiara Maldaner Corbetta julgou procedente a exordial acusatória e condenou Marcio Tetsumi Arakaki Pinto à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 226 dias-multa, substituída a privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor equivalente ao do salário mínimo, pelo cometimento do delito previsto no art. 33, caput, c/c seu § 4º, da Lei 11.343/06 (Evento 88, doc117).
Insatisfeito, Márcio Tetsumi Arakaki Pinto deflagrou recurso de apelação.
Nas razões de insurgência, almeja o reconhecimento da ilicitude das buscas pessoal e domiciliar, e da devassa do seu aparelho celular, em tese praticados sem o seu consentimento e sem fundadas razões que autorizassem tais providências, postulando "o desentranhamento destes autos dos elementos de convicção apreendidos no interior da residência do apelante, bem como com a devolução de todos os bens de sua propriedade".
Sucessivamente, requer a proclamação da sua absolvição ou a desclassificação de seu agir ao configurador do crime previsto no art. 28, caput, da Lei 11.343/06, uma vez que, com o reconhecimento da ilicitude da prova, "somente restaria a 1g [de maconha] encontrada com o recorrente".
Por fim, pleiteia a restituição dos aparelhos celulares apreendidos, porque "não sobreveio aos autos qualquer perícia que confirmasse que [...] fossem utilizados para a prática do tráfico de drogas" (Evento 13).
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 16).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza, posicionou-se pelo conhecimento em parte do recurso, uma vez que o pedido absolutório limitou-se "a uma única frase formulada nos pedidos", em desrespeito ao princípio da dialeticidade; e pelo seu desprovimento (Evento 19).


VOTO


1. O Excelentíssimo Procurador de Justiça Criminal manifestou-se pelo parcial conhecimento do apelo, ao argumento de que o pedido absolutório não confronta os fundamentos lançados na sentença resistida, o que importa em ofensa ao princípio da dialeticidade.
Não se desconhece que uma parcela da jurisprudência partilha do entendimento segundo o qual "o efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio" (STJ, HC 300.161, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 6.11.14).
Todavia, ousa-se divergir, respeitosamente.
O paradigma constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI) culmina na inafastável conclusão de que o princípio da dialeticidade recursal não se aplica ao acusado no âmbito do processo penal.
Tal convicção é reforçada pela possibilidade de se instrumentalizar, a qualquer tempo, revisão criminal (CPP, art. 622) e de garantir-se, enquanto direito fundamental, que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (CF, art. 5º, LXXV).
Nesse contexto, por exemplo, o apenamento injusto e incorreto, mesmo que a diferença seja de apenas um dia, configura encarceramento arbitrário, a ofender, inclusive, o art. 7º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário e cujo texto já se encontra incorporado ao ordenamento pátrio, por força do Decreto 678/92.
Bem por isso que a revisão da condenação e do apenamento em sede recursal pode dar-se até mesmo de ofício, quando houver manifesta injustiça ou impropriedade técnica, consoante reiterados precedentes desta Corte de Justiça (desta Segunda Câmara, verbi gratia, citam-se: Apelações Criminais 2014.065697-2, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 21.10.14; 2014.016950-3, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 14.10.14; e 2014.024047-0, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 2.9.14).
Assim, o pleito defensivo, ainda que dotado de certa generalidade no tópico, visa a garantir a plenitude da defesa ao jurisdicionado.
Destarte, o recurso preenche os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser integralmente conhecido.
2. Destaca-se que, embora esta Segunda Câmara Criminal, por maioria, entenda pela retroatividade do art. 28-A do Código de Processo Penal (Ap. Crim. 0013790-62.2015.8.24.0008, deste relator, j. 19.5.20), o posicionamento não se aplica neste feito.
Isso porque, ao tratar da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89), instituto da mesma natureza despenalizadora do acordo de não persecução penal, o Superior Tribunal de Justiça entende que a não proposição gera nulidade relativa, sujeita à preclusão quando a parte não a alega em seu primeiro ato processual praticado (APn 912, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 7.8.19; AgRg no HC 496.414, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 26.3.19; AgRg no REsp 1.686.511, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 20.9.18; AgRg nos EDcl no REsp 1.611.709, Rel. Min. Félix Fischer, j. 4.10.16; e HC 208.051, Relª. Minª. Maria Thereza Assis de Moura, j. 11.3.14).
No caso, as razões de apelação foram protocoladas após a vigência da Lei 13.964/19 (3.9.20), esta nascedouro do acordo de não persecução penal, e o Apelante não suscitou o tema, de modo que, então, foi alcançado pela preclusão.
Ademais, de acordo com a posição atual do Superior Tribunal de Justiça, não se admite a aplicação do disposto no art. 28-A do Código de Processo Penal, em razão da ausência do requisito objetivo do quantum de pena mínima, em ação penal na qual se imputa a prática do crime descrito no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, sem a descrição, na inicial acusatória, da causa de diminuição do art. 33, § 4º, ainda que ela venha a ser reconhecida em momento posterior.
Nesse sentido:
1. Segundo o § 1º do art. 28-A do Código de Processo Penal, para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. 2. Para serem consideradas as causas de aumento e diminuição, para aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), essas devem estar descritas na denúncia, que, no presente caso, inocorreu, não sendo possível considerar, no cálculo da pena mínima cominada ao crime imputado ao acusado, a causa de diminuição reconhecida apenas quando do julgamento do recurso especial. No caso do delito de tráfico, far-se-á necessário o curso da ação penal, em regra, para aferir os requisitos previstos no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, o que obsta a aplicação do benefício, que decorre, inclusive do tratamento constitucional e da lei que são rigorosos na repressão contra o tráfico de drogas, crime grave, que...

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