Acórdão Nº 0002151-15.2010.8.24.0043 do Câmara de Recursos Delegados, 29-06-2022

Número do processo0002151-15.2010.8.24.0043
Data29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação Criminal Nº 0002151-15.2010.8.24.0043/SC

RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA

AGRAVANTE: EVERTON PORSCH

ADVOGADO: Kariny Bonatto dos Santos AGRAVANTE: THOMAS PORSCH

ADVOGADO: Kariny Bonatto dos Santos AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Everton Porsch e Thomas Porsch interpuseram o presente agravo interno contra a decisão da 2ª Vice-Presidência desta Corte de Justiça que, nos termos do art. 1.030, inciso I, alínea "a", do Código de Processo Civil, e com amparo em precedente do Supremo Tribunal Federal (AI 791.292/PE - Tema 339/STF), negou seguimento ao recurso extraordinário por si interposto (Evento 71).

Em suas razões recursais, sustentaram os agravantes que: "ao contrário do gravado na decisão ora recorrida, o Acórdão objeto do Recurso Extraordinário (que julgou a apelação criminal agregado ao que decidiu os declaratórios) não apreciou teses defensivas relevantes e de extrema pertinência, as quais eram hábeis a declarar a absolvição dos agravantes, e por isso o Acórdão recorrido carece de nulidade (sendo este o pleito exposto no Recurso Extraordinário)" (Evento 87, pág. 6).

Em arremate, argumentaram: "de forma bem objetiva: não há que se falar que o presente caso se molda ao TEMA 339 do STF por uma simples razão: a decisão adotada pela 4ª Câmara Criminal do TJSC não apreciou teses defensivas pertinentes que poderiam alterar o julgado, reconhecendo a absolvição dos agravantes" (Evento 87, pág. 6).

Por derradeiro, requereram: "a) o recebimento do presente Agravo Interno, com regular autuação e processamento; b) seja em juízo de retratação, reformada a decisão agravada, a fim de que seja admitido o Recurso Extraordinário, prosseguindo o mesmo com seu regular processamento; e, c) acaso negativo o juízo de retratação, e por ocasião do julgamento do presente recurso pelo orgão Colegiado, seja dado provimento ao presente Agravo Interno, para o fim de reformar a decisão agravada, e assim admitir o Recurso Extraordinário com regular prosseguimento"(Evento 87, pág. 6-7).

Em contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina propôs o conhecimento do agravo interno, mas, no mérito, o seu desprovimento (Evento 90).

Na sequência, vieram-me os autos conclusos.

É a síntese do essencial.

VOTO

1. O recurso é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Superado esse introito, procedo à análise das razões declinadas na presente insurgência recursal.

2. Os recorrentes sustentam que, ao contrário do que restou consignado na decisão agravada, o acórdão, objeto do recurso extraordinário, não apreciou teses defensivas que poderiam alterar a conclusão adotada, não havendo, na hipótese dos autos, submissão ao entendimento firmado no AI n. 791.292/PE (Tema 339/STF).

Para melhor elucidar a questão, convém transcrever a ementa do aresto de origem (Evento 35, ACOR1):

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMA DE FOGO E/OU MUNIÇÃO DE USO RESTRITO E COMÉRCIO ILEGAL DE ARMAS DE FOGO (ARTS. 16 E 17 DA LEI N. 10.826/03). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECLAME DA DEFESA.

MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA. APREENSÃO DE VASTA QUANTIDADE DE MUNIÇÕES DE DIVERSOS CALIBRES. PROPRIEDADE IMPUTADA SEGURAMENTE AO RÉU EVERTON. RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO E DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE REALIZARAM A DILIGÊNCIA. PROVA TÉCNICA ATESTANDO A EFICÁCIA DAS MUNIÇÕES. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO. RÉUS THOMAS E EVERTON QUE PRATICARAM O OFÍCIO POR CERCA DE DOIS ANOS. DADOS EXTRAÍDOS DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA QUE ENCONTRAM AMPARO NAS PROVAS ORAIS DOS AUTOS. SENTENÇA IRRETOCÁVEL NO PONTO.

CONSERTO E LIMPEZA DE ARMA DE FOGO. SERVIÇOS PRESTADOS PELO RÉU THOMAS A ODINEI E GILSON. CLIENTES QUE CONFIRMAM OS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA EM AMBAS AS OPORTUNIDADES EM QUE RESTARAM INQUIRIDOS. CONFISSÃO DO RÉU DE QUE SABIA DA ILICITUDE DA CONDUTA. TIPICIDADE INCONTESTE.

EX OFFICIO. RÉU QUE FOI CONDENADO POR POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. NORMA PENAL EM BRANCO. DECRETO N. 9.785, DE 7 DE MAIO DE 2019, SUCEDIDO PELO DECRETO N. 9.847, DE 25 DE JULHO DE 2019, ORIGINANDO A PORTARIA N. 1.222, DE 12.08.2019, DO COMANDO DO EXÉRCITO BRASILEIRO, QUE ALTEROU A CLASSIFICAÇÃO DE ARMA E MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. EXEGESE DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO OPERADA PARA O DELITO DO ART. 12 DA MESMA LEI. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA SUA FORMA RETROATIVA ENTRE A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 107, INCISO IV, 109, INCISO V E 110, § 1º, TODOS DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS FATOS II E III. ADEQUAÇÃO, POR CONSEQUÊNCIA, DO REGIME PRISIONAL PARA O ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA REMANESCENTE POR RESTRITIVA DE DIREITOS.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. EX OFFICIO, DESCLASSIFICAR PARA O TIPO DO ART. 12, DA LEI N. 10.826/03, AS CONDENAÇÕES PELOS FATOS II E III EM RELAÇÃO AO RÉU EVERTON E RECONHECER A PRESCRIÇÃO.

Da fundamentação do voto (Evento 35, VOTO2) extrai-se:

[...]

VOTO

Trata-se de recursos de apelação criminal interpostos pelos acusados Everton e Thomas contra a decisão da Autoridade Judicial que condenou Everton Porsch à pena de 10 anos de reclusão e 30 dias-multa, em regime inicial fechado, por infração ao art. 16, caput; 16, parágrafo único e art. 17, todos da Lei n. 10.826/03; Thomas Porsch à pena de 8 anos e 9 meses de reclusão e 20 dias-multa, em regime inicial fechado, por infringir o art. 17, caput, 17 parágrafo único, ambos da Lei n. 10.826/03, na forma do art. 71 do CP; e Klaus Porsch à pena de 3 anos de reclusão e 10 dias-multa, em regime aberto, por infração ao art. 16 da Lei n. 10.826/03.

Nas razões recursais, os apelantes pretendem a reforma da sentença exarada, alegando, em síntese, que os fatos não configuram crime, buscando a absolvição por ausência de provas e aplicando-se o princípio do in dubio pro reo. Também pugnam pela atipicidade das condutas.

Contudo, as teses defensivas não se sustentam quando comparadas às demais provas e elementos que dos autos constam.

Constata-se que foram apreendidos, no dia 11-11-2010, um revólver calibre .44 e grandes quantidades de munição de diversos calibres, todos cuja propriedade apontou-se ao apelante Everton.

A materialidade delitiva restou devidamente configurada por meio do termo de exibição e apreensão, bem como pelos laudos periciais e a prova oral que dos autos consta.

A autoria, igualmente, restou comprovada durante a instrução, porquanto os objetos foram localizados e apreendidos na residência dos pais e da ex-companheira do acusado Everton.

O Laudo Pericial de p. 267/277 comprova que o material apreendido era competente para caracterizar a tipicidade do delito descrito no artigo 16 da Lei n. 10.826/03; também descreve que estavam em bom estado de conservação, com cápsulas de espoletamento íntegras.

Em sua defesa, o apelante alegou que recebeu como presente de herança algumas munições; todavia, na condição de policial civil, sabia que não poderia receber tais artefatos.

O dispositivo em questão define o tipo como crime de mera conduta, pois não contempla resultado naturalístico, e de perigo abstrato, porquanto o potencial lesivo da conduta é presumido, consumando-se com o mero porte irregular de munição de uso permitido, razão pela qual a materialidade restou comprovada pela apreensão de 56 projeteis de calibre .40; 35 de calibre .40; 2 de calibre 45 e 7 de calibre 7,62x39 pertencentes ao apelante.

Extrai-se da jurisprudência:

"APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). POSSE DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO (ART. 16, CAPUT, LEI N. 10.826/03). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO SOB A ALEGAÇÃO DE SER A CONDUTA ATÍPICA EM FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA LESIVIDADE, UMA VEZ QUE NÃO OFERECE RISCO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. INACOLHIMENTO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO E DE MERA CONDUTA.

Nos crimes de mera conduta (ou de simples atividade) a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Não sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida pela lei diante da prática da conduta [...] (Mirabete, Júlio Fabrini. Manual de direito penal: vol. 1. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 124)." (Apelação Criminal n. 2010.048456-8, de Blumenau, rel. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. 15.4.2011).

"Como se sabe, mesmo pequena quantidade de munição tem a capacidade de causar grande ofensa, visto que com apenas uma munição se mostra possível ceifar a vida de uma pessoa" (Apelação Criminal n. 0019413-03.2013.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Nelson Maia Peixoto, j. 19.10.2017).

Confira-se, ainda: Apelação n. 0002816-20.2012.8.24.0024, de Fraiburgo, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. em 12/7/2016; Apelação n. 0014418-26.2013.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. em 17/5/2016; Apelação Criminal n. 0002708-44.2014.8.24.0113, de Camboriú, rel. Des. Getúlio Corrêa, j. em 6/12/2016.

Precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

"A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, por serem delitos de mera conduta ou de perigo abstrato, o simples porte ou posse ilegal de munição são condutas típicas, que não dependem da apreensão de arma de fogo para sua configuração." (HC 391.736/MS, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, j. 3.8.2017)

Todavia, há que se ater à ocorrência de novatio in mellius:

Quando o acusado foi condenado, (15-2-2018), vigia o Decreto de n. 5.123/2004, o qual norteava acerca das armas de uso permitido ou restrito, o que gerou a condenação.

Assim, foi condenado por possuir armas de fogo e munições de uso restrito, sendo todos de calibre consideradas de uso restrito.

No entanto, em julho de 2019, foi editado o Decreto n. 9.847/2019, o qual alterou a classificação das armas, de modo que algumas daquelas antes consideradas de uso restrito, passaram a ser de uso permitido.

Agora, com o advento do Decreto...

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