Acórdão Nº 0002180-45.2013.8.24.0048 do Terceira Câmara Criminal, 18-10-2022

Número do processo0002180-45.2013.8.24.0048
Data18 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0002180-45.2013.8.24.0048/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: RUAN CARLOS MULLER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Balneário Piçarras, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Ruan Carlos Mueller, com 21 (vinte e um) anos de idade, e de Eduardo José Zendron, com 30 (trinta) anos de idade, em razão da suposta prática dos crimes previstos no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, por 2 (duas) vezes, em razão dos fatos assim narrados (evento 134):

[...] no dia 12/05/2012, por volta das 11:40 horas, os ora denunciados, EDUARDO JOSÉ ZENDRON e RUAN CARLOS MUELLER, agindo em união de esforços, dirigiram-se até o estabelecimento comercial denominado "Supermercado Pague Menos", situado na Rua Victor Zimmermann, n. 343, bairro Itacolomi, nesta Comarca, município de Balneário Piçarras/SC.

No local, dotados de animus robandi, os denunciados ingressaram no estabelecimento e, mediante ameaça oferecida pelo uso de arma de fogo, anunciaram o assalto.

Ato contínuo, os acusados subtraíram do local a quantia em espécie equivalente ao valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). Em seguida, ambos se evadiram do local na posse mansa e pacífica da res.

Em continuidade delitiva, no dia 24/05/2012, por volta das 20:30 horas, os denunciados EDUARDO JOSÉ ZENDRON e RUAN CARLOS MUELLER, agindo em união de desígnios, dirigiram-se até a residência das vítimas Patrícia Dombrowski, Luis Antônio Dombrowski e Ezenilda Ribeiro, localizada na Rua Serena, n. 651, bairro Itacolomi, nesta Comarca, município de Balneário Piçarras/ SC.

No local, dotados de animus roubandi, os denunciados, mediante a ameaça oferecida através do uso ostensivo de arma de fogo, agindo com o mesmo modus operandi, ingressaram na residência e, em seguida, anunciaram o assalto.

Ato contínuo, os denunciados subtraíram para si, a quantida de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) em espécie, bem como três aparelhos de telefone celular, um televisor 32", um aparelho de som e o automóvel FIAT/Strada, placas MJH-5283, de propriedade de Luis Antônio Dombrowski.

Em seguida, os denunciados evadiram-se do local na posse mansa e pacífica da res [...].

Cindiu-se o feito no tocante a Eduardo José Zendron (evento 195).

Em relação a Ruan Carlos Mueller, sobreveio sentença em que a peça acusatória foi julgada procedente, em cuja parte dispositiva assim constou (evento 301):

[...] com fundamento no art. 387 do Código de Processo Penal CONDENO o acusado RUAN CARLOS MUELLER pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal (duas vezes), à pena de 7 anos, 5 meses e 25 dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, além de 17 dias-multa, sendo o valor do dia multa equivalente a 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos;

Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade.

Inviável a fixação de valor mínimo para reparação dos danos, ante a inexistência de provas concretas acerca deles (art. 387, IV, CPP).

Custas processuais pelo acusado (art. 804, CPP) [...].

A defesa de Ruan Carlos Mueller interpôs recurso de apelação (evento 308). Em suas razões recursais (evento 23), sustentou, em preliminar, a nulidade do reconhecimento fotográfico realizado na fase indiciária, mais precisamente por inobservância do que dispõe o art. 226 do Código de Processo Penal, ou em razão do cerceamento de defesa em virtude de não ter acompanhado a oitiva das vítimas ou ser submetido ao procedimento de reconhecimento judicial. No mérito, pugnou pela absolvição da prática dos crimes previstos no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal (por duas vezes), ante insuficiência probatória e aplicação do princípio do in dubio pro reo. De forma subsidiária, na primeira fase dosimétrica do crime de roubo descrito no "fato 2", requereu o decote do aumento de 1/6 (um sexto) aplicado em decorrência das circunstâncias do crime. Na terceira fase, requereu a minoração da fração de aumento de 3/8 (três oitavos) aplicada em decorrência do reconhecimento das majorantes dos crimes de roubo.

Contrarrazões no evento 27.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça, a Exma. Dra. Vera Lúcia Coró Bedinoto, em que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 30).

Documento eletrônico assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2638727v39 e do código CRC c15630fb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ERNANI GUETTEN DE ALMEIDAData e Hora: 27/9/2022, às 17:46:49





Apelação Criminal Nº 0002180-45.2013.8.24.0048/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: RUAN CARLOS MULLER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

1. Preliminares

1.1 Reconhecimento fotográfico (art. 226 do Código de Processo Penal)

A defesa de Ruan Carlos Muller alega a nulidade do reconhecimento pessoal fotográfico realizado na fase indiciária, em virtude da inobservância do que dispõe o art. 226 do Código de Processo Penal, ou em razão do cerceamento de defesa em virtude de não ter acompanhado a oitiva das vítimas ou ser submetido ao procedimento de reconhecimento judicial.

No entanto, sem razão.

O art. 226 do Código de Processo Penal dispõe sobre o reconhecimento pessoal que, por sua vez, se trata "do meio de prova por meio do qual alguém identifica uma pessoa ou coisa que lhe é mostrada com pessoa ou coisa que já havia visto ou que já conhecia, em ato processual praticado perante a autoridade policial ou judiciária, segundo o procedimento previsto em lei" (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, 2017, Ed. Juspodivm, j. 717).

O Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, entendia que: "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório" (Habeas Corpus 591920/RJ, Quinta Turma, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 22.06.2021), entendimento também acolhido por esta Corte de Justiça.

Em julgados recentes, a Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, em overruling ao firmado anteriormente, passou a entender que: "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa." (Habeas Corpus 598.886/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 27.10.2020).

Conforme infere-se do acórdão paradigma (Habeas Corpus 598.886/SC, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. em 27 de outubro de 2020):

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. 3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório. 4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato. 5. De todo urgente, portanto, que se adote um...

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