Acórdão Nº 0002182-72.2013.8.24.0126 do Sétima Câmara de Direito Civil, 18-08-2022

Número do processo0002182-72.2013.8.24.0126
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0002182-72.2013.8.24.0126/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

APELANTE: FERNANDA COSTA KOHLER APELANTE: VIVIANA COSTA KOHLER APELADO: DUILIO DE SOUZA

RELATÓRIO

Fernanda Costa Kohler e Viviana Costa Kohler interpuseram recurso de apelação contra sentença (Evento 81, SENT36 dos autos de origem) que, nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada em face de Duílio de Souza, julgou improcedente o pedido inicial e procedente o pedido contraposto de manutenção de posse formulado em contestação.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

Fernanda Costa Kohler e Viviana Costa Kohler aforaram ação de reintegração de posse em desfavor de Diulio de Souza, todos qualificados, na qual sustentam, em breve síntese, serem proprietárias do lote 10, quadra 40, do Balneário Rainha do Mar, localizado nesta cidade.

Alegam que são filhas de Vilmar Kohler, falecido em 13.3.2013, proprietário e possuidor do local desde 19.3.1975, onde construiu um hotel e, em2009, transferiu os direitos do bem às requerentes.

Relatam que o réu trabalhou por muitos anos com o genitor Vilmar Kohler e, por ser um bom funcionário, foi-lhe cedido um quarto para residir, no hotel.

Asseveram que o réu foi se apropriando de mais cômodos no decorrer dos anos, até que sua morada transformou-se em um apartamento. Afirmam que há 10 anos, encerrou-se o vínculo trabalhista com o réu, mas Vilmar permitiu que ele continuasse residindo no local, de forma gratuita, por prazo indeterminado.

Disseram ainda que este último isolou a área onde vive, colocando portão, construiu uma oficina e não paga energia elétrica, água ou impostos relativos à residência.

Com a morte de Vilmar, as autoras desejam colocar fim ao empréstimo gratuito, dai porque valoram a ocupação do réu como esbulhatória.

Encerraram postulando sejam reintegradas na posse do imóvel em questão.

Realizada a audiência de justificação, foram ouvidas seis testemunhas/informantes indicadas pelas autoras e pelo réu, além dos depoimentos pessoais da autora Fernanda e do réu Diulio.

Citado, o réu ofereceu contestação.

Inicialmente, ao discorrer sobre o caráter dúplice das possessórias, pugnou pela concessão de liminar de manutenção de posse, com determinação de restabelecimento do fornecimento de água.

No mérito, sustentou que o acordo celebrado entre ele e Vilmar foi de que a área seria transferida para si, em retribuição/pagamento pelos serviços prestados ao longo dos anos, tendo em vista que jamais recebeu salário. Afirmou que tanto as autoras como Vilmar jamais exerceram a posse direta da área em questão, pois reside no local há mais de 17 anos.

Ao final, requereu a improcedência o pedido inicial e a ordem de manutenção de posse em seu favor.

Em réplica, as autoras afirmam, basicamente, que o réu jamais exerceu a posse com ânimo de dono, pois o que houve foi um contrato de comodato verbal, e não promessa de doação, razão pela qual ele não faz jus, entendem, ao pedido de manutenção de posse.

Em sede de liminar, a manutenção da posse foi concedida ao réu. Lado outro, não deferido o pedido para restabelecer o fornecimento de água, haja vista que compete ao réu diligenciar para tanto (fls. 99/100).

Intimadas, as partes pugnaram pela produção de prova oral (fls. 102/104 e 106/107).

Durante a instrução foram ouvidas três testemunhas. Tendo em vista que o rol de fl. 116 foi apresentado intempestivamente, as testemunhas ali arroladas não foram ouvidas (fls. 119/120).

Em alegações finais, as autoras pugnaram pela procedência do pedido e exibiram novos documentos (fls. 134/146).

O réu, por sua vez, clamou pelo reconhecimento da intempestividade das alegações finais das autoras, bem como fosse determinado o desentranhamento das folhas 123/146, antes de prolatada a sentença. No mérito, pugnou pela improcedência da pretensão e requereu fosse mantido na posse do imóvel em questão e mesmo reconhecida e declarada a posse ad usucapionem por mais de 17 anos.

Os autos vieram conclusos.

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

ISSO POSTO, com resolução de mérito, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Fernanda Costa Kohler e Viviana Costa Kohler em desfavor de Diulio de Souza e, por consequência, por força da natureza dúplice das lides possessórias, mantenho o réu na posse do imóvel em causa (casa em separado).

Condeno as autoras ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do procurador da parte ré, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 6º, do Código de Processo Civil/2015.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos e providenciem-se as baixas necessárias.

Em suas razões recursais (Evento 90, APELAÇÃO41 dos autos de origem), a parte autora asseverou que "todas as testemunhas aludiram que o Sr. Vilmar era proprietário do Hotel e proprietário da empresa de ônibus, que o Apelado trabalhou com o Sr. Vilmar na empresa de ônibus e que não tem conhecimento de nenhuma proposta de doação e não foi comprovado que o Sr. Vilmar devia para o Apelado" (p. 8).

Aduziu que "quase todas as testemunhas afirmaram, Marcelo, Samir (parte do Reú) que o Réu morava de forma gratuita com autorização do Sr. Vilmar e que poderia morar na casa "até que...", sempre as testemunhas usaram termos como, 'até que', de forma gratuita, cedia, poderia, permitia, a usufruir a oficina e que a casa era do Sr. Vilmar (comprovando a posse anterior), não havendo nenhum conhecimento ou prova de que o Sr. Vilmar tenha vendido ou realizado alguma proposta de doação, além de que, proposta NÃO é Doação" (p. 9).

Alegou que "Ressalta-se ainda, que o Apelado prestava serviços no hotel e também para a empresa de ônibus e por este motivo morava no Hotel, em um apartamento que era geminado com o imóvel em questão (casa), a qual faz parte do Hotel, com a mera permissão do proprietário para moradia, pois trabalhava no hotel e na empresa de ônibus, inexistindo o 'animus domini'" (p. 9).

Sustentou que "Após o falecimento do Sr. Vilmar, as Apelantes resolveram interpor reintegração de posse, diante da posse indireta transmitida por sucessão e ainda através de transferência de direitos de compra e venda referente àquele imóvel (fls. 24). Desta feita, restou comprovado que a melhor posse é das Autoras, pois detém a posse indireta do bem através de contrato de comodato verbal evidenciado pelas testemunhas e através da transferência de contrato de compra e venda do imóvel e através de sucessão, bastando o falecimento do Sr. Vilmar para que a sucessão tenha início e que suas sucessoras (apelantes) obtenham a posse transmitida" (p. 10-11).

Referiu que "a notificação dos ocupantes é importante para estabelecer a data da turbação ou do esbulho. Com tal notificação o juiz poderá conceder a tutela provisória em caráter antecedente, ou caracterizar a mora do devedor, mas não impedirá, de modo algum, a propositura da ação possessória. Logo, a notificação dos ocupantes não é requisito essencial para propositura da ação, mas para a definição da data da turbação ou esbulho e, em decorrência, para definição do rito a ser adotado" (p. 11).

Ponderou que "Quanto ao esbulho, este ocorreu diante da negativa do apelado em restituir o bem colocado a sua disposição, caracterizando a posse precária, ou seja, quando se verificou abuso de confiança e quando o possuidor direto se negou a restituir a coisa, passando a agir como se dono fosse, sendo que somente lhe foi permitido (comodato verbal) usufruir um apartamento geminado à casa, enquanto trabalhava na empresa. Quanto a data do esbulho, este foi desde 2004 quando do registro do Boletim de Ocorrência realizado pela esposa do Sr Vilmar ao Apelado, recusando-se este a assinar um contrato de comodato, que já existia verbalmente, demonstrando a insatisfação de tê-lo no imóvel e também após ao falecimento do Sr. Vilmar em 2013" (p. 12).

Defendeu que "Por fim, as Apelantes, no momento, fazem juntada de alguns documentos que por força maior não foram juntados como: novas fotos, Contrato de Compra e Venda, Transferência de Compra e venda do Sr. Vilmar para as Apelantes e outros, sendo que este havia sido anexado apenas uma cópia diante a ausência de ter encontrado a original, que após muita procura foi encontrada na residência da mãe das Apelantes que se encontravam em Curitiba, que ora se junta conferindo-se com a original ou com firma reconhecida, bem como declaração da CELESC demonstrando que o Sr. Vilmar sempre foi, desde 1984, fornecedor de luz naquele referido imóvel, com data posterior à sentença" (p. 14).

Com as contrarrazões (Evento 110, CONTRAZ315-327 dos autos de origem), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente o pleito inaugural e procedente o pedido contraposto de manutenção de posse formulado em contestação.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo interposto.

Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, que o réu prestava serviços ao falecido genitor das demandantes.

A controvérsia, portanto, cinge-se em analisar se estão presentes os pressupostos ensejadores da proteção possessória almejada na exordial, e sobre tal ponto debruçar-se-á a presente decisão.

Adianta-se, desde já, que o apelo comporta parcial conhecimento e, na parte conhecida, deve ser provido.

I - Da parte não conhecida do recurso:

Não pode ser conhecido o conteúdo probatório da prova documental trazida aos autos por ocasião da insurgência recursal (Evento 90 dos autos de origem), uma vez que a juntada dos escritos se deu de forma extemporânea.

De fato, a prova documental trazida com o apelo - certidão de óbito do genitor das autoras, contratos, declarações...

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