Acórdão Nº 0002191-11.2012.8.24.0048 do Segunda Câmara de Direito Público, 29-03-2022

Número do processo0002191-11.2012.8.24.0048
Data29 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0002191-11.2012.8.24.0048/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: HELIZABETE DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO: ISRAEL JONAS FLEITH (OAB SC003127) ADVOGADO: RAFAEL HENRIQUE DOS SANTOS (OAB SC022918) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Helizabete da Silva ajuizou "ação de indenização por danos morais" contra o Estado de Santa Catarina, sustentando, em síntese, que, no dia 21.02.2012, por volta da uma hora da madrugada, estava fazendo uma refeição no estabelecimento em frente à sua residência, quando foi "atendida por uma guarnição de bombeiros que lhe fez um curativo no joelho [...] um pouco após os bombeiros terem deixado o local chegou uma viatura contendo o policial militar Osvaldo Osório Hainisch e também o policial José Carlos Vicente, popularmente conhecido como 'Caio'[...]" (Evento 105, PET3, P).

Disse que, após falar que "não queria se recolher para o interior de sua residência, ou seja, diante de uma liberdade da autora de exercer livremente seu direito de ir e vir, este agente do Estado, demonstrando absoluto despreparo, desatino psicológico e com desairosa crueldade [...] decretou-lhe prisão e passou a aplicar uma verdadeira surra torturadora, causando hematomas em pernas, braços, costas, rosto, boca, olho, enfim um castigo penoso à base de um covarde espancamento" (evento 105, PET3).

Enfatizou que, "não contente em ter espancado e humilhado a autora, além de ter também escarnecido, o policial José Carlos Vicente ainda registrou Boletim de Ocorrência Militar (que deu origem ao termo circunstanciado n. 048.12.000712-3) incluindo informações ideologicamente falsas no sentido de que foi a própria autora quem produzia em si as lesões, constantes de anexos fotográficos do Inquérito Policial Militar e do Exame de Corpo Delito" (evento 105, PET4-5).

Argumentou que "os atos praticados pelos policiais militares, em especial o agressor José Carlos Vicente, [...] foram covardes, de violência gratuita, desnecessária e desproporcional, praticados contra uma mulher embriagada dopada com remédios em crise depressiva" (evento 105, PET6).

Alegou que "esses atos também provocaram intenso sofrimento, dor, desespero e terror à autora que cercada por agentes que deveriam zelar pela sua segurança à expuseram ao ridículo em via pública, tentaram-na filmar para mediante chacotas e provocações extraírem qualquer tipo de atitude desesperada para legitimar seu proceder lamentável e ainda por cima a conduziram com liberdade restringida para casa com os pés amarrados (pasmem) mesmo depois da negativa da DP local em aceitá-la como conduzida presa" (evento 105, PET6).

Por tais razões, postulou a "procedência do pedido para que o Estado de Santa Catarina seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais em valor que reflita a justa indenização pelas agressões, humilhação e desonra sofridos", além das custas processuais e honorários advocatícios (evento 105, PET11).

Citado, o Estado de Santa Catarina apresentou contestação, oportunidade em que aduziu que "os fatos ocorreram de forma diversa daquela narrada da exordial", notadamente porque "a autora omite vários pontos do ocorrido, tal como o motivo pelo qual policiais militares se deslocaram até o local dos fatos e apreenderam seu veículo" (evento 105, CONT158). Frisou que, de acordo com o escalonamento da ação policial, "uma primeira guarnição solicitou a presença do corpo de bombeiro e apreendeu o veículo da autora. Posteriormente, a segunda equipe tentou resolver a situação, orientando a autora a entrar na residência", visto que estava com estado emocional abalado e "deitada em via pública", o que colocava a sua vida e a de terceiros em risco (evento 105, CONT160).

Asseverou que "não houve qualquer excesso praticado pelos policiais militares, que agiram de forma a preservar a vida da autora e à incolumidade pública" (Evento 105, CONT162).

Pontuou, no tocante às lesões físicas, que foram causadas pela própria autora, e rechaçou a alegação de que "teria sido submetida a tratamento vexatório", uma vez que a filmagem capturada demostra "que os policiais militares que se encontravam no local, em momento algum, agridem a demandante, quer verbalmente, quer fisicamente" (evento 105, CONT165).

Defendeu que "é inequívoco que os agentes públicos agiram em estrito cumprimento do dever legal" e que se aplica ao caso a excludente de responsabilidade civil por culpa exclusiva da vítima, porquanto "é flagrante que a própria autora foi a responsável pelos danos por ela sofridos" (evento 105, CONT168-172).

Impugnou, ao final, os pedidos de indenização por danos morais diante da inexistência de ato ilícito e que, na hipótese de ser reconhecido eventual excesso dos agentes públicos, que seja reconhecida a culpa concorrente, "ante as diversas condutas ilícitas perpetradas pela autora" (evento 105, CONT175).

Houve réplica (evento 105, RÉPLICA182).

A 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Balneário Piçarras, por intermédio do Promotor de Justiça Dr. Luis Felipe de Oliveira Czesnat, deixou de se manifestar ante a ausência de interesse ministerial no feito (evento 105, PARECER 193).

Na sequência, as partes foram intimadas para que especificassem o interesse na produção de provas (evento 105, DESC196).

O Estado de Santa Catarina requereu a oitiva das testemunhas por ele arroladas (evento 105, PET199), ao passo que o prazo transcorreu in albis para a autora (evento 105, CERT200).

Realizada audiência de instrução e julgamento (evento 105, DESP202), foram ouvidas cinco testemunhas arroladas pelo ente estatal, havendo desistência quanto à oitiva de Fábio Sebastião Maximowski da Silva e a testemunha Bento Soares da Rocha Neto restou inquirido na Comarca de Joinville (evento 105, TERMOAUD231; evento 105, DESP274).

As partes apresentaram as alegações finais (evento 108, ALEGAÇÕES235; evento 110, ALEGAÇÕES255).

Conclusos os autos, o MM. Juiz de Direito julgou improcedentes os pedidos iniciais, por entender que a autora não logrou êxito em comprovar suas alegações, condenando-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado (evento 116).

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação sustentando, em suma, que apesar de "inexistir testemunha no exato momento das lesões que ensejam o pedido da Apelante, por outro lado os relatos foram firmes e coerentes no sentido de corroborar a sequência de eventos ocorrida no dia em que a Apelante foi covardemente agredida e ferida no seu mais profundo âmago de pessoa humana, cidadã e mulher" (evento 122, fls. 3).

Alegou que os relatos dos policiais militares são contraditórios e conflitantes, enquanto "os depoimentos prestados pelos bombeiros se harmonizam com todos os relatos prestados na fase policial. O testemunho do policial Kurt, apesar da sua tentativa de lançar dúvida sobre a origem das lesões também indica que até o segundo atendimento pelos bombeiros e a apreensão do veículo da Apelante, não havia lesões aparentes que não a raladura do joelho" (evento 122, fls. 6).

Asseverou que o vídeo juntado aos autos faz prova contra o apelado, assim como o laudo pericial, os quais corroboram "que recebeu socos na boca e na face, bem como chutes. Uma covardia absoluta contra uma pessoa que estava embriagada e com reduzida capacidade de defesa" (evento 122, fls. 8).

Pugnou, assim, pela condenação do réu ao pagamento de indenização "por danos morais em quantia a ser fixada por esta renomada corte de apelação" (evento 122, fls. 7).

Com as contrarrazões (evento 127), os autos ascenderam a esta Corte e foram distribuídos à Quarta Câmara de Direito Civil (evento 1, eproc 2° grau).

O eminente Desembargador José Agenor de Aragão declinou a competência às Câmaras de Direito Público (evento 9, eproc 2° grau), vindo a mim conclusos os autos.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça César Augusto Grubba, manifestou-se pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público no processo (evento 17, eproc 2° grau).

É o relatório.

VOTO

1. O recurso, antecipe-se, deve ser desprovido.

2. Tratando-se de demanda que se almeja indenização por prejuízo envolvendo pessoa jurídica de direito público, deve ser observada a teoria da responsabilidade objetiva consagrada no art. 37, § 6º, da CF, o qual dispõe que:

"Art. 37. [...][...]§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Sobre o dispositivo em comento pertinente é o ensinamento de Hely Lopes Meirelles:

"O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão" (Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622).

Nesse caso, haverá sempre, por consequência, o dever de indenizar quando constatada uma conduta que gere um dano, independentemente de se perquirir acerca da culpa do agente, da qual o réu só se isentará na comprovação da existência de fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou de força maior.

Pois bem. Na hipótese vertente, antes de analisar os meios de prova colhidos durante a instrução processual, é imperioso salientar que a conduta a ser analisada - de acordo com a causa de pedir e o pedido - é a atuação da segunda guarnição militar que abordou a autora no dia 21.2.12, em especial a do policial José Carlos Vicente, e os fatos desencadeados na sequência.

Esse fundamento está delineado em toda petição inicial, notadamente na parte em que afirma que "a autora foi atendida por uma guarnição de bombeiros que lhe fez um...

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