Acórdão Nº 0002318-40.2018.8.24.0079 do Segunda Câmara Criminal, 11-05-2021

Número do processo0002318-40.2018.8.24.0079
Data11 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002318-40.2018.8.24.0079/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: VALDOVINO ALVES DA SILVA (RÉU) ADVOGADO: WAGNER BOSCATTO (OAB SC039933) APELANTE: MARIA SALETE SOARES GALVAO (RÉU) ADVOGADO: WAGNER BOSCATTO (OAB SC039933) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Videira, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 171, § 4º, do Código Penal, nos seguintes termos:
No dia 1º de agosto de 2018, por volta das 9h30min., na residência localizada na Rua João Casa-grande, n. 103, bairro Morada do Sol, nesta cidade de Videira, os denunciados Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva, em comunhão de esforços e desígnios entre si, com consciência da ilicitude de seus atos e vontade orientada à prática do delito, obtiveram, para ambos, vantagem ilícita, em prejuízo da vítima Lourdes Maria Manenti Rossi (64 anos de idade), induzindo-a em erro e mediante meio ardil.
Por ocasião dos fatos, os denunciados Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva chegaram até a residência da vítima Lourdes Maria Manenti Rossi, ocasião em que a denunciada Maria Salete começou a conversar com a vítima e, após entrarem na residência, disse à vítima que sua família havia sido vítima de um "trabalho" e de magia negra, que alguém havia feito dois bonecos de pano e os enterrado no cemitério.
Ato seguinte, a denunciada Maria Salete, mediante meio ardil, afirmou à vítima que poderia desfazer esse "trabalho" e, para tanto, a vítima deveria tomar alguns chás (fl. 22) e lhe pagar a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelos produtos e pelo serviço. Na ocasião, a vítima afirmou à denunciada que não possuía essa quantia em espécie na sua residência, apenas no banco, de modo que os denunciados Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva, então, a levaram até a instituição financeira para realizar o saque do valor solicitado e, tão logo retornaram à residência, a vítima entregou ao denunciado Valdolino Alves da Silva a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), logrando os denunciados êxito na empreitada criminosa (Evento 24).
Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Uziel Nunes de Oliveira julgou procedente a exordial acusatória e condenou Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva à pena de 2 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 20 dias-multa, substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de valor equivalente a 5 salários mínimos, pelo cometimento do delito previsto no art. 171, § 4º, do Código Penal (Evento 103).
Insatisfeitos, Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva deflagraram recurso de apelação.
Em suas razões, sustentam que devem ser proclamadas as suas absolvições em razão da atipicidade das condutas, pois "a suposta vítima já se mostrou interessada no trabalho prestado pela apelante, não sendo de forma alguma enganada ou induzida a erro, haja vista que o procedimento dos apelantes foi condizente com o comportamento de todas as suas gerações anteriores, que por tratar-se de povo cigano nômade, acreditam em forças espirituais e rituais para desconstrução de trabalhos realizados".
Arguem que não houve ardil e que "é possível que os acusados da prática do estelionato, na verdade, tenham incorrido em erro de tipo, pois, não sabiam que estavam induzindo alguém a erro (acreditando na legalidade de sua conduta), o que exclui o crime", e que não havia dolo em seus agires.
De forma sucessiva, clamam pela desclassificação de seus comportamentos aos configuradores do crime descrito no art. 284 do Código Penal, inclusive com a fixação da pena em seu patamar mínimo.
Quanto à dosimetria, no caso de manutenção da condenação, buscam o afastamento da causa de aumento descrita no art. 171, § 4º, do Código Penal, pois sustentam que "não tinham conhecimento da idade da suposta vítima, nem poderiam ter certeza da sua idade, levando em consideração seu discernimento mental bem como sua integridade física".
Por fim, objetivam a reforma da sentença resistida quanto ao quebramento da fiança, na medida em que, "por motivos inerentes as suas condições de nômades, bem como seus hábitos, cultura e costumes, que não permitem que tenham residência fixa, uma tradição milenar, crença enraizada e costume do povo cigano que não pode ser violado, o estilo de vida nômade é imprescindível para a dignidade, o bem estar religioso e psicológico do povo cigano" (Evento 117).
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 121).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo Roberto Speck, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 10)

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
1. As absolvições pretendidas pelos Apelantes Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva são inviáveis de serem proclamadas.
Não há questionamento sobre a materialidade. De qualquer sorte, ela é comprovada por meio do conteúdo do boletim de ocorrência (Evento 1, docs19-21); do auto de exibição e apreensão (Evento 1, doc22); dos termos de reconhecimento e entrega (Evento 1, docs23-24); e dos demais elementos de informação colhidos na fase administrativa e que comprovam que a Vítima Lourdes Maria Manenti Rossi efetuou o pagamento de R$ 2.000,00 para realização de serviço espiritual que seria feito pelos Recorrentes Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva.
Da mesma forma, não há insurgência sobre as autorias delitivas.
Limitam-se os Apelantes Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva a questionar a tipicidade de seus comportamentos por entenderem que não há prova de que agiram de forma fraudulenta ou com dolo.
Os Recorrentes, no entanto, não têm razão.
O Policial Militar João Luis Rosnowski esclareceu, em Juízo, que estava trabalhando e foi acionado para atender ocorrência de estelionato e, ao chegar ao local, constatou que a Ofendida e idosa Lourdes Maria Manenti Rossi fora abordada por uma mulher, que se dizia indígena, e que entrou em sua casa, pegou uma panela e fez uma infusão com ervas; logo em seguida a tal mulher passou a dizer que a Vítima estava doente e que era urgente realizar um trabalho para limpeza da casa, sendo necessário, para tanto, o pagamento de R$ 2.000,00; depois de convencer a Vítima da necessidade do serviço, essa mulher, acompanhada de um homem que a estava esperando no veículo automotor, levaram-na a um banco, onde Lourdes Maria Manenti Rossi sacou R$ 2.000,00, tendo recebido algumas ervas para continuidade do tratamento. Diante dessas informações se deslocou ao acampamento cigano, encontrou pessoas que eram similares às descrições repassadas pela Ofendida e os Recorrentes Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva confirmaram que realizaram atendimento e que a Vítima lhes entregou o numerário livremente (Evento 85, doc2).
É importante assentar que o Agente Público frisou, quase ao final de seu depoimento, que não acredita que a Vítima tenha entregado o valor livremente, pois se mostrava extremamente desgostosa por ter entregado o dinheiro aos Apelantes.
A Informante Bruna Maria Rossi, neta da Ofendida Lourdes Maria Manenti Rossi, declarou, ao ser inquirida na fase judicial, que, no dia dos fatos, acordou por volta das 11h e sua avó estava muito inquieta; questionada, ela disse que não poderia contar o que ocorrera, mas algum tempo depois confirmou que uma "índia" teria ido ao local, dito-lhe que havia um grande problema na sua família e que seria necessário realizar um trabalho para proteger os parentes. Complementou que pouco tempo depois sua avó pediu que acionasse a força policial, quando ligou e relatou os fatos; foram repassadas as informações disponíveis para os Agentes Públicos, que encontram os envolvidos, os chás vendidos e o dinheiro que a Vítima retirara no Banco; estava em casa quando os Recorrentes Maria Salete Soares Galvão e Valdolino Alves da Silva lá estiveram, mas não viu nada; no momento sua filha, bisneta da Vítima, estava doente; os Apelantes fizeram alguns chás e deixaram outras ervas, embaladas, com sua avó; recorda que sua avó reconheceu as pessoas presas como as autoras do crime. Complementou que, logo após os fatos, percebeu que sua avó estava bem "dopada", não lembrando nem sequer como foi ao banco sacar o numerário entregue aos Recorrentes (Evento 85, doc3).
A Vítima Lourdes Maria Manenti Rossi, ao ser inquirida em Juízo, esclareceu, em...

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