Acórdão Nº 0002327-81.2015.8.24.0022 do Segunda Câmara Criminal, 04-05-2021

Número do processo0002327-81.2015.8.24.0022
Data04 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002327-81.2015.8.24.0022/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


APELANTE: ADAO BATISTA CARDOZO (RÉU) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELANTE: JORGE CARLOS FERNANDES (RÉU) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Curitibanos, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Jorge Carlos Fernandes e Adão Batista Cardozo, dando-os como incurso nas sanções previstas no artigo 171, caput, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos:
No dia 14 de outubro de 2013, por volta das 13h, na Rua Maximino de Moraes, Curitibanos/SC, os acusados Jorge Carlos Fernandes e Adão Batista Cardozo, em unidade de desígnios e união de esforços, obtiveram vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mediante fraude.
Para tanto, o acusado Jorge Carlos Fernandes manifestou interesse em comprar o veículo Fusca da vítima Anilton Alves Ferreira Júnior e, na data mencionada, o acusado Jorge Carlos Ferandes, na companhia do acusado Adão Batista Cardozo, efetuou a compra do veículo Fusca, placas LZA 1954, da vítima, dando em pagamento um cheque de titularidade de Eva Cardozo dos Santos, preenchido no valor de R$ 2.500,00, com assinatura diversa da correntista, efetuou que lhe havia sido entregue pelo corréu Adão Batista Cardozo, que posteriormente retornou por divergência de assinatura.
Esclarece-se que os acusados agiram mediante fraude pois sabiam da irregularidade na cártula quando da entrega como pagamento pela compra do veículo, tendo inclusive o acusado Adão Batista Cardoso, filho da correntista Eva, influído na compra, dizendo para o vendedor que o "cheque era bom". (Evento n. 46, dos autos de origem).
Encerrada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente a Exordial para condenar:
a) Jorge Carlos Fernandes à pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente a época do fato, corrigido monetariamente, pela prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal; e
b) Adão Batista Cardozo à pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente, pela prática do crime disposto no art. 171, caput, do Código Penal (Evento 212).
Irresignados, os réus interpuseram Recursos de Apelação por intermédio da Defensoria Pública (evento 221), em cujas Razões (evento 230), pleiteiam, preliminarmente, a aplicação retroativa dos benefícios previstos na Lei n. 13.964/2019, com a conversão do reclamo em diligência para que seja obtida a representação da vítima, porquanto o delito de estelionato passou a ser de Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido, nos termos do art. 171, § 5°, primeira parte, do Código Penal, e conforme prevê o art. 91 da Lei n. 9.099/1995.
No mérito, pugnam pela absolvição, por ausência ou insuficiência de provas para amparar a condenação, com fundamento no art. 386, III, IV e VII. No tocante à dosimetria, almejam a exclusão da valoração negativa dos antecedentes criminais, com a redução da pena-base ao mínimo legal, alegando a ocorrência de bis in idem, diante da incidência da reincidência, na segunda fase do cálculo dosimétrico.
Apresentadas as Contrarrazões (eventos 246), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra da Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento dos recursos (evento n. 11).
Este é o relatório

VOTO


Os recursos merecem ser conhecidos, por próprios e tempestivos.
Das preliminares
A Defesa dos acusados pleiteia, preliminarmente, a conversão do reclamo em diligência para que seja obtida a representação da vítima, visto que de acordo com a nova redação do art. 171, § 5º, do Código Penal, com as alterações trazidas pela na Lei n. 13.964/2019, o delito de estelionato passou a ser de Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido.
Todavia, razão não lhe assiste.
Inicialmente cumpre frisar que o delito de estelionato era de Ação Penal Pública Incondicionada até a entrada em vigor da Lei n. 13.964/19. A nova legislação incluiu no § 5º, do art. 171, do Código Penal, a Representação do Ofendido como requisito de procedibilidade para a persecução criminal.
Ademais, pode-se dizer que o novo regramento possui caráter híbrido, porquanto além de versar sobre matéria processual, cria, em favor do acusado, nova causa extintiva da punibilidade (de natureza penal), qual seja, a decadência, pelo não exercício do direito de representação no prazo decadencial de 06 (seis) meses (arts. 39, do CPP e 107, inciso IV, do CP), de modo que é possível sua aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.
Todavia, entende-se que, diante da ausência de manifestação expressa pelo legislador acerca da incidência retroativa aos processos penais em curso, esta deve se restingir apenas à fase inquisitorial, pois, conforme mencionado anteriormente, trata-se de condição de procedibilidade, que deve estar presente para que o processo possa ter início, e não de prosseguibilidade da ação penal, necessária para o prosseguimento do feito.
Cumpre eclarecer que situação diversa ocorreu com a entrada em vigor na Lei n. 9.099/95, em que os crimes de lesão corporal leve e culposa, que antes eram de Ação Penal Pública Incondicionada, passaram a depender de Representação da Vítima, uma vez que o legislador expressamente estabeleceu prazo (de 30 dias) para manifestação do ofendido (ou seu representante) para oferecê-la nos processos penais em curso, nos moldes do art. 91, do mencionado Diploma Legal.
Portanto, caso o legislador desejasse que a representação do ofendido, além de condição de procedibilidade, fosse considerada como requisito de prosseguibilidade da Ação Penal do crime de estelionato, teria expressamente incluído tal regra no Código Penal, assim como fez na Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Acerca do assunto leciona Renato Brasileiro de Lima:
[...] Diante do silêncio da Lei nº 13.964/19, não se pode usar, por analogia, o art. 91, da Lei n. 9.099/95. Referida lei só poderia ser usada, subsidiariamente, se o Código Penal e o Código de Processo Penal nada dispusessem acerca do assunto. Ora, cmo o Código Penal (art. 103) e o Código de Processo Penal (art. 38) contêm dispositivos expressos acerca do prazo decadencial de representação - 6 (seis) meses - pensamento que este é o prazo que deve ser utilizado subsidiariamente, cujo termo inicial será o momento em que o ofendido ou seu representante legal forem intimados para oferecê-la, e não a data da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, porquanto é somente a partir desse momento que se poderá falar em evidente inécia para fins de reconhecimento da decadência. [...] (LIMA, Renato Brasileiro de., Manual de Processo Penal - volume único, 8 ed. rev. ampl. e atual., Salvador: Juspodvm, 2020, p. 367).
Ainda, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. PRETENDIDA APLICAÇÃO DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI Nº 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE.REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA QUE DISPENSA FORMALIDADES. PRECEDENTES.TRANCAMENTO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA ORIGEM.SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INICIAL QUE DESCREVE CONDUTA TÍPICA E TRAZ PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.1. A Lei n. 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente;pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.2. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não...

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