Acórdão Nº 0002345-23.2018.8.24.0079 do Segunda Turma Recursal, 05-05-2020

Número do processo0002345-23.2018.8.24.0079
Data05 Maio 2020
Tribunal de OrigemVideira
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Apelação n. 0002345-23.2018.8.24.0079, de Videira

Relator: Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PESSOAL. ART. 28, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06. SENTENÇA QUE, RECONHECENDO A ANTIECONOMICIDADE E A FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL, REJEITOU A DENÚNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

REJEIÇÃO INDEVIDA DA DENÚNCIA. ART. 395, CPP. HIPÓTESES NÃO CARACTERIZADAS. "APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE/PORTE DE ENTORPECENTES PARA CONSUMO PESSOAL. ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 392, INC. II DO CPP. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. ANTIECONOMICIDADE. REFORMA QUE SE IMPÕE. CONDUTA NÃO DESCRIMINALIZADA. MEDIDA DESPENALIZADORA. CONCEITO DE INTERESSE PROCESSUAL NO PROCESSO CIVIL QUE NÃO SE CONFUNDE COM DIREITO PENAL." (TJSC, Apelação n. 0001143-11.2018.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Gisele Ribeiro, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 26-09-2019).

DISCUSSÃO COM REPERCUSSÃO GERAL NO RE Nº 635.659/SP QUE NÃO AFASTA A PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. JURISPRUDÊNCIA CATARINENSE QUE ENTENDE PELA CONSTITUCIONALIDADE DO DELITO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA PENAL QUE NÃO É CAPAZ DE GERAR PERIGO ABSTRATO A AFETAR A SAÚDE PÚBLICA. SENTENÇA MANTIDA, PORÉM POR FUNDAMENTOS DIVERSOS. COM BASE NO ART. 386, III, DO CPP, ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0002345-23.2018.8.24.0079, da comarca de Videira Vara Criminal, em que é/são Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina,e Apelado Gustavo da Silva:


I – RELATÓRIO

Relatório dispensado na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/06, Enunciado nº 92 do FONAJE e art. 63, § 1º, do Regimento Interno das Turmas Recursais do Estado de Santa Catarina.


II – VOTO

O recurso em análise deve ser conhecido, pois preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos, conforme a lei processual penal.

No presente feito, a denúncia oferecida pelo Ministério Público foi rejeitada com base na antieconomicidade e na falta de interesse processual, em razão da desproporcionalidade entre a ineficácia da pena cominada ao delito e o custo do prosseguimento do processo para o Judiciário.

Conforme o Laudo Pericial nº 9207.18.00837 (pp. 22-24), houve a apreensão de dois cigarros contendo erva com massa bruta de 0,2g (dois decigramas).

Pois bem.

Inicialmente, veja-se que os fundamentos adotados pelo juízo a quo não figuram dentre as hipóteses de rejeição da denúncia, que estão previstas no art. 395, do Código de Processo Penal, in verbis:

"Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal."

Caso semelhante já foi analisado em nosso e. TJSC, no qual se destacou que "não é possível fazer um juízo de interesse processual relacionado ao custo do procedimento criminal, uma vez que essa análise se resume à existência de lastro probatório mínimo (justa causa), inépcia da denúncia, ou inexistência de impedimento, litispendência, requisitos de processamento (representação, por exemplo), dentre outros. Até mesmo porque, em caso de eventual condenação, esta abrangerá as custas do processo, salvo em caso de comprovada hipossuficiência e concessão da gratuidade de justiça." (TJSC, Apelação n. 0001143-11.2018.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Gisele Ribeiro, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 26-09-2019).

Ainda, nessa mesma linha:

"APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE DROGA PARA USO PRÓPRIO. ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. SUPOSTA INEFICÁCIA DAS SANÇÕES PREVISTAS NÃO AFASTA A VALIDADE JURÍDICA DA NORMA PENAL. CASSAÇÃO DA DECISÃO QUE REJEITOU A DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ANTES DA CITAÇÃO DO DENUNCIADO. DETERMINAÇÃO DE NORMAL PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME." (TJSC, Apelação n. 0001111-66.2016.8.24.0017, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Giuseppe Battistotti Bellani, Terceira Turma de Recursos - Chapecó, j. 14-07-2017).

O entendimento de que a pena é ineficaz não pode servir para que se ignore a prática de um ato reconhecidamente criminoso.

Quanto à constitucionalidade da norma em questão, diante do princípio da constitucionalidade das normas, que se presume de acordo com a Constituição Federal, não havendo declaração de inconstitucionalidade em abstrato.

Aliás, sabe-se que se encontra em trâmite o RE nº 635.659/SP, no Supremo Tribunal Federal, em que se discute a inconstitucionalidade incidental do crime de porte de drogas, contudo ainda não houve o julgamento definitivo da questão. Assim, a declaração em relação ao caso concreto não deve ser mantida, principalmente tendo em vista o entendimento da Corte Catarinense:

"Não padece de inconstitucionalidade o art. 28 da Lei 11.343/06 e, embora não admita privação de liberdade em caso de eventual sentença condenatória, é crime a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal. (Apelação n. 0006547-89.2015.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 09-08-2016).' (...)" (Apelação Criminal n. 0000347-42.2015.8.24.0041, de Mafra, rel. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 21-11-2017)." (TJSC, Apelação n. 0001384-94.2018.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Miriam Regina Garcia Cavalcanti, Quarta Turma de Recursos - Criciúma, j. 17-12-2019).

"[...] ALMEJADA A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28, DA LEI N. 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA AINDA NÃO ANALISADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONDUTA QUE TÃO APENAS FOI DESPENALIZADA PARA IMPEDIR O USO DE REPRIMENDA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. - "Ainda que o Recurso Extraordinário n. 635.659/SP, de Relatoria do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, tenha reconhecido a existência de repercussão geral no que tange à constitucionalidade da tipicidade do porte de droga para consumo pessoal; até o presente momento, não fora concluída a quaestio, razão pela qual se mantém a constitucionalidade da conduta narrada no art. 28 da Lei Antidrogas." (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0005177-12.2018.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 16-08-2018). [...]" (TJSC, Apelação Criminal n. 0045326-46.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Hildemar Meneguzzi de Carvalho, Primeira Câmara Criminal, j. 04-07-2019).

Por outro lado, o recente entendimento firmado entre os magistrados que compõem a atual estrutura do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é de que deve ser aplicado no caso o princípio da insignificância, diante da pequena quantidade de substância ilícita apreendida, acarretando na atipicidade material do delito.

Sobre a aplicação do que se qualificou como ‘princípio da bagatela’ ou ‘princípio da insignificância’, importante citar a lição a propósito do tema de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):

Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.”

Dessa forma, a aplicação do instituto da insignificância, dentro da esfera penal, é questão do que comumente se denomina ‘política criminal’, ou seja, o exame dos fatos pelo intérprete deve perpassar pela gravidade da ofensa, a periculosidade social da ação, a reprovabilidade da conduta e a lesão jurídica ocasionada, nesse sentido já assentou o Supremo Tribunal Federal, conforme decidido nos autos do HC n. 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU 19/4/2004, dessa forma, ‘política criminal’ não é ponto que se descortina no direito positivo penal.

Não se desconhece, importante frisar, que jurisprudências de Tribunais Superiores já seguiram também no sentido da inaplicabilidade do instituto da insignificância aos delitos de porte de drogas para consumo pessoal, contudo, sem qualquer decisão vinculante nesse sentido.

Da mesma forma, em hipóteses excepcionais o próprio Supremo Tribunal Federal aplicou o instituto da insignificância em casos de consumo de drogas em quantidade ínfima, em tudo similar ao caso agora examinado.

Transcreve-se:

''O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
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