Acórdão Nº 0002360-67.2019.8.24.0075 do Terceira Turma Recursal, 06-05-2020

Número do processo0002360-67.2019.8.24.0075
Data06 Maio 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão


Terceira Turma Recursal

Alexandre Morais da Rosa


Apelação n. 0002360-67.2019.8.24.0075, de Tubarão

Relator: Juiz Alexandre Morais da Rosa

USO DE DROGAS – ART. 28 DA LEI 11.343/06. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA.


Não configura o tipo do art. 28 da Lei 11.343/06 a posse de pequena quantidade de droga para fins pessoais porque o Estado não pode punir a autolesão e o efeito para incolumidade pública sempre será irrelevante penalmente, dada a insignificância.



Nilo Batista: “Pessoas que realmente sejam viciadas em drogas – lícitas ou ilícitas – precisam de ajuda, e sua família, seus amigos, sua comunidade, seus colegas, seus companheiros de trabalho, grupos especialmente capacitados de pessoas que vivenciaram o mesmo problema, e até médicos, devem-lhes essa ajuda. O Estado pode fomentar os caminhos dessa assistência, mediante programas que facilitem recursos para sua execução. O sistema penal é absolutamente incapaz de qualquer intervenção positiva sobre o viciado. A descriminalização do uso de drogas abre perspectiva para uma abordagem adulta do problema e renuncia a tomar a sentença criminal como exorcismo.”.


ACORDAM os integrantes da Terceira Turma Recursal, por unanimidade, por conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a decisão que rejeitou a denúncia. Sem custas e honorários advocatícios.


Florianópolis, 06 de maio de 2020.


Alexandre Morais da Rosa

Relator



I – RELATÓRIO.



Dispensado nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.



II – VOTO.


Trato de Apelação interposta contra sentença que rejeitou a denúncia em que se imputada ao acusado a prática da infração de posse de drogas para consumo próprio, descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/06.

Postula o Ministério Público, em suma, a reforma do julgado para que seja recebida a denúncia ofertada.

Passo à fundamentação.

O discurso matreiro da guerra “contra às drogas” movimenta o que há de mais básico no ser humano: seu desalento constitutivo em busca de segurança. Esse discurso, fomentado ideologicamente, impede o enfrentamento da questão de maneira democrática e não na eterna luta ilusória entre o bem e o mal. Há farta bibliografia devidamente exorcizada,1cial Carvalho,cial Carvalho, Batista (Vera e Nilo), Orlando Zaccone Batista (Vera e Nilo), Orlando Zacconeís Carlos Valoisís Carlos Valoisúniorúnior e Rosa Del Olmo. e Rosa Del Olmo.no.no...ro,ro,á na lista.á na lista.ão no mundo da vida,ão no mundo da vida,No caso de porte de substâncias tóxicas inexiste crime porque, ao contrário do que se difunde, o bem jurídico tutelado pelo art. 28 da Lei no 11.343/06 é a "integridade física" e não a "incolumidade pública", diante da ausência de transcendência da conduta, e a Constituição da República (art. 3º, I, e art. 5º, X), de cariz "Liberal", declara, como Direito Fundamental, consoante a Teoria Garantista (Ferrajoli), a liberdade da vida privada, bem como a impossibilidade de penalização da autolesão sem efeitos a terceiros.ó.ó.ção do textoção do textoCumpre recordar a discussão proposta por Rodriguez entre os modelos de Hart e Dworkinão.ão.dede..Na mesma linha foi a decisão da Corte Suprema Argentina, a qual declarou inconstitucional a criminalização de pequenas quantidades de droga para consumo próprio, consoante explica Sckmunck, da Universidade de Córdoba: “En dichos fallos se estabelece que: El art. 19 C.N. impone límites a la actividad legislativa consistentes en exigir que no se prohíba una conducta que desarrolle dentro de la esfera privada entendida ésta no como la de las acciones que se realizan en la intimidad, protegidas por el art. 18 C.N., sino como aquellas que no ofendan al orden, a la moralidad pública, esto es que no prejudiquen a terceros. Las conductas del hombre que se dirijan sólo contra sí mismos, quedan fuera del ámbito de las prohibiciones. No está probado – aunque si reiteradamente afirmado dogmáticamente – que la incriminácion de simple tenencia de estupefacientes, evite consecuencias negativas concretas para el bienestar y la seguridad general. La construcción legal del art. 6 de la ley 20.771, al preveer una pena aplicable a un estado de cosas, y al castigar la mera creación de un riesgo, permite al intérprete hacer alusión simplesmente a prejuicios potencilaes y peligros abstractos y no a danõs concretos a terceros y a la comunidad (Fallos de la C.S.J.N/86:1392). Destaque-se, ainda, a visão lúcida de Nilo Batista: “Pessoas que realmente sejam viciadas em drogas – lícitas ou ilícitas – precisam de ajuda, e sua família, seus amigos, sua comunidade, seus colegas, seus companheiros de trabalho, grupos especialmente capacitados de pessoas que vivenciaram o mesmo problema, e até médicos, devem-lhes essa ajuda. O Estado pode fomentar os caminhos dessa assistência, mediante programas que facilitem recursos para sua execução. O sistema penal é absolutamente incapaz de qualquer intervenção positiva sobre o viciado. A descriminalização do uso de drogas abre perspectiva para uma abordagem adulta do problema e renuncia a tomar a sentença criminal como exorcismo...De outra parte, ainda, poder-se-ia recordar os aspectos neoliberais2Desta forma, presente o primado material da Constituição (Ferrajoli), bem assim da existência do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito impostergável de escolha (liberdade) do sujeito por situações que lhe digam respeito (CR, art. 3º, I, e 5º, X), inalienados – por serem fundamentais –, utilizando-se, ainda, do recurso hermenêutico da nulidade/inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, cumpre declarar a inconstitucionalidade material sem redução do texto do tipo de uso, na hipótese de porte e consumo de doses pessoais de droga, ca!ca!O saudoso professor Alessandro Baratta deixou evidenciado em toda sua obra que a maior resistência à descriminalização é da (manipulada) opinião pública. Todavia, essa atitude repressiva desfruta do aspecto simbólico e proporciona a ilusão da segurança, bem como da resolução do conflito. A ilusão é perfeita na cultura do repasse de responsabilidades, as quais, ao final, acabam incidindo na pessoa da própria vítima/autor.

Por tudo isso, voto pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, mantendo-se a rejeição da peça acusatória.

Este é o voto.

1 BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 66; BATISTA, Vera Malaguti. O Tribunal de Drogas e o Tigre de Papel. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n. 12, pp. 191-192.

cial Carvalho, CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

Batista (Vera e Nilo), Orlando Zaccone ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Revan, 2015.

ís Carlos Valois VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal da guerra às drogas. Belo Horizonte: D´Plácido, 2016.

únior SANTOS JUNIOR, Rosivaldo Toscano dos. A guerra ao crime e os crimes da guerra. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

e Rosa Del Olmo. DEL OMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

no. MEAD, Walter Russell. Poder, Terror, Paz e Guerra: os Estados Unidos e o mundo contemporâneo sob ameça. Trad. Bárbara Duarte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

. DEL OMO, Rosa. A face oculta da droga..., p. 22.

ro, KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. São Paulo: Rocco, 1994, p. 9.

á na lista. Ilustrativa esta situação: GOMES, Luiz Flávio. Descriminalização do Cloreto de etila, in www.direitocriminal.com.br, 29.12.2000: “A Resolução n. 104, de 06.12.2000, publicada no DOU de 07.12.2000, p. 82, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a pretexto de autorizar o emprego do cloreto de etila pelas indústrias químicas, retirou-o da Lista F2 (que relaciona as substâncias entorpecentes ou psicotrópicas) e o colocou na Lista D2 (que enumera os insumos químicos precursores, que não são proibidos, senão apenas controlados pelo Ministério da Justiça). Conseqüentemente, no período de 07.12.2000 a 14.12.2000 houve descriminalização do cloreto de etila, isto é, abolitio...

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