Acórdão Nº 0002362-17.2020.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 13-04-2021

Número do processo0002362-17.2020.8.24.0038
Data13 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 0002362-17.2020.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: SAYMON RAFICK FURTADO (AGRAVADO)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de agravo interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de decisão do evento 154 proferida nos autos da execução penal n. 0001806-54.2016.8.24.0038, que deferiu ao apenado Saymon Rafick Furtado a progressão ao regime semiaberto, aplicando retroativamente a Lei n. 13.964/19 e, por consequência, a fração de 2/5 ou 40% com relação ao crime hediondo para fins de progressão (dada a reincidência genérica).
Por seu recurso, em suma, o Ministério Público sustenta que o Juízo a quo equivocou-se na interpretação do dispositivo legal, enfatizando que, para a adoção da fração de 3/5 ou 60%, basta o reconhecimento da condição de reincidente, não sendo o caso, portanto, de adoção da previsão mais favorável. Postula a reforma da decisão que deferiu a progressão de regime (evento 1 dos autos recursais de primeiro grau).
Ofertadas as contrarrazões (evento 22 dos autos recursais do primeiro grau), o Juízo a quo manteve a decisão recorrida (evento 25 dos mesmos autos).
Distribuído o recurso nesta Corte, vieram os autos a este gabinete conclusos para julgamento, após a prolação de parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça, no sentido do conhecimento e provimento (evento 9 destes autos)

VOTO


Passo ao exame da matéria devolvida a conhecimento desta Câmara.
Como relatado, por seu recurso, pretende o Ministério Público a reforma da decisão que deferiu a progressão de regime prisional definindo como aplicável, para o prognóstico de progressão de regime, o percentual de 40% (ou 2/5) com relação à pena de crime hediondo, em razão da reincidência genérica do apenado. A instituição agravante reivindica a manutenção da fração de 60% (ou 3/5) destacando que, para tanto, basta a condição de reincidente simples, não sendo o caso de aplicação da disposição mais favorável.
O recurso deve ser conhecido e parcialmente provido.
A controvérsia trazida à apreciação desta Câmara cinge-se à definição da fração aplicável, para fins de apuração do requisito temporal para a progressão de regime, do condenado por crime hediondo (ou equiparado) que tem a reincidência genérica ou simples.
Isso porque a Lei n.º 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, revogou o art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e, ao definir os lapsos de progressão de regime aos condenados por crime hediondo (ou equiparado) apresentou lacuna quanto aos apenados reincidentes em crime comum.
Oportuna a transcrição do art. 112 da LEP, segundo sua nova redação:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Como é possível depreender da leitura do dispositivo, com relação aos condenados por crime hediondo, o legislador estabeleceu o percentual de 40% para os primários (inc. V), o de 50% aos primários condenados por crime hediondo com resultado morte (inc. VI) e o de 60% para os reincidentes específicos (inc. VII), deixando sem previsão a hipótese dos reincidentes em crime comum.
Ocorre que, nesse contexto jurídico-normativo, a lacuna legislativa não pode ser integrada por interpretação extensiva desfavorável ao apenado. O princípio do favor rei consiste em importantíssima diretriz do Estado Democrático de Direito, que estabelece a predominância do direito de liberdade quando em confronto com o direito de punir do Estado em hipóteses como a presente.
Em sendo assim, é certo que, diante da explícita redação do inciso VII do art. 112 da LEP, não é possível a aplicação do percentual de 60% aos apenados que apresentam reincidência genérica, não restando outro caminho senão a adoção da previsão mais benéfica, qual seja, a de 40%, prevista no inciso V do mesmo dispositivo.
Essa é a posição firmada neste Colegiado:
- Agravo de Execução Penal n. 0000794-78.2020.8.24.0033, de Itajaí, rel. Leopoldo Augusto Brüggemann, Terceira Câmara Criminal, j. 20-10-2020.
- Agravo de Execução Penal n. 0000996-55.2020.8.24.0033, de Itajaí, rel. Getúlio Corrêa, Terceira Câmara Criminal, j. 06-10-2020.
- Agravo de Execução Penal n. 0001275-80.2020.8.24.0020, de Criciúma, rel. Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 29-09-2020.
E, sem desconhecer a divergência ainda existente entre as Câmaras Criminais desta Corte sobre o tema, saliento que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou posição consoante com o entendimento ora esposado:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.PROGRESSÃO DE REGIME. CÁLCULO DE PENAS. REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO. PACOTE ANTICRIME. OMISSÃO LEGISLATIVA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. APLICAÇÃO DO ART. 112, V, DA LEP. ANÁLISE DE CONTRARIEDADE A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Em recentes julgados de ambas as Turmas Criminais, firmou-se o posicionamento segundo o qual a alteração promovida pelo Pacote Anticrime no art. 112 da LEP não autoriza a aplicação do percentual de 60%, relativo aos reincidentes em crime hediondo ou equiparado, aos reincidentes não específicos. Isso porque, ante a omissão legislativa, impõe-se o uso da analogia in bonam partem, para se aplicar, na hipótese, o inciso V do artigo 112, que prevê o lapso temporal de 40% ao primário e ao condenado por crime hediondo ou equiparado.2. No caso dos autos, trata-se de reincidência não específica, incidindo, portanto, o disposto no inciso V do artigo 112 da LEP.3. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça o enfrentamento de dispositivos constitucionais, ainda que para efeito de prequestionamento da matéria, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.4. Agravo regimental não provido.(AgRg no HC 640.014/AC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021)
Por tudo isso, considerando que o apenado é reincidente genérico, com relação à pena por crime hediondo, efetivamente se impõe a aplicação do percentual equivalente ao que é previsto para o primário (art. 112, inciso VI, da LEP), qual seja, o de 40% (quarenta por cento), para fins de cálculo da progressão de regime prisional. Nesse ponto, portanto, não há como acolher a pretensão ministerial.
Por outro lado, não pode ser confirmada a decisão recorrida no ponto em que procede à aplicação retroativa da lei exclusivamente para uma das...

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