Acórdão Nº 0002413-02.2019.8.24.0058 do Quinta Câmara Criminal, 28-01-2021

Número do processo0002413-02.2019.8.24.0058
Data28 Janeiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0002413-02.2019.8.24.0058/SC



RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA


RECORRENTE: MAURILIO ALVES DA CRUZ (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público ofereceu denúncia contra Maurilio Alves da Cruz, imputando-lhe a prática dos delitos previstos no art. 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, art. 147 e art. 331, todos do Código Penal e art. 12 da Lei 10.826/03, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (doc. 63):
Fato 1 - Homicídio qualificado tentado
Em 17 de setembro de 2019, por volta das 20h30min, na Rua Rothenbaum, s/n, bairro Colonial, em São Bento do Sul/SC, o denunciado MAURILIO ALVES DA CRUZ, movido de manifesto animus necandi, ciente da ilicitude e da reprovabilidade da sua conduta, fazendo uso de um revólver calibre .32, da marca TANQUE, por motivo fútil, tentou matar a vítima Elton Maicon Cardoso, somente não consumando o homicídio por circunstâncias alheias à sua vontade.
Na data dos fatos, o vítima Elton foi até o mercado e quando retornou para sua residência, ao adentrar pela porta, ouviu um estouro no lado de fora.
Objetivando verificar o que havia ocorrido, a vítima Elton abriu a porta e saiu, momento em que escutou mais um estouro e se deparou com o denunciado MAURILIO ALVES DA CRUZ mirando e acionando um revólver, posteriormente identificado como calibre .32, da marca TANQUE, em sua direção.
O homicídio não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, eis que houve erro na pontaria, parte da munição falhou durante o acionamento e a vítima conseguiu refugiar-se no interior da residência.
A tentativa de homicídio foi praticada por motivo fútil, eis que o denunciado não se conformou com o fato de a vítima, em momento anterior, ter-lhe chamado a atenção para que parasse de cuidar da vida deles e procurasse algo para fazer, eis que sua esposa há vários dias reclamava da importunação sofrida por parte do denunciado.
Fato 2 - Posse de armas de fogo
Ainda, desde data ignorada, porém até o dia 17 de setembro de 2019, na Rua Rothembaum, n. 197, bairro Colonial, no município de São Bento do Sul, o denunciado MAURILIO ALVES DA CRUZ, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, possuía e mantinha sob sua guarda, no interior de sua residência, arma de fogo e munições de uso permitidos, em desacordo com determinação legal e regulamentar, quais sejam: 1 (um) revólver calibre .32, da marca TANQUE, modelo 1526, três unidades de munição do mesmo calibre .32 e uma munição calibre .320.
Fato 3 - Do crime de Ameaça
Após os fatos acima relatados, enquanto estava sendo conduzido preso pelos Policiais Militares, MAURILIO ALVES DA CRUZ, de forma consciente e voluntária, ameaçou Marcelo Soares de Lima, de causar-lhe mal injusto e grave, por meio de palavras, dizendo que "vou meter três balas em você".
Fato 4 - Do crime de Desacato
Ainda, na noite de 17 de setembro de 2019, por volta das 20h30min, no Bairro Colonial, no município de São Bento do Sul/SC, o denunciado MAURILIO ALVES DA CRUZ, na intenção de ferir a honra subjetiva do Policial Militar Saulo Rodrigo de Freitas, desacatou-o no exercício da função e em razão dela, chamandoo de "filho de puta".
Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e pronunciou o acusado Maurilio Alves da Cruz como incurso no delito descrito no art. 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, art. 147 e art. 331, todos do Código Penal e art. 12 da Lei 10.826/03 (doc. 187).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso recurso em sentido estrito.
Em suas razões (doc. 190), pleiteou, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade por indeferimento de diligência probatória, ao argumento de que o pedido de realização de laudo pericial para verificar se a vítima tinha visão do acusado na data dos fatos é pertinente.
No mérito, requereu a despronúncia, bem como o afastamento do crime conexo de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido.
Pugnou, ainda, pela revogação de sua prisão preventiva.
Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (doc. 192), nas quais pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil (doc. 3 do processo de segundo grau), manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.
Este é o relatório

VOTO


1. Justiça gratuita - não conhecimento
De início, salienta-se que o pedido de concessão à gratuidade da justiça não comporta conhecimento, pois, de acordo com o posicionamento estabelecido por esta Câmara Criminal, esta matéria é afeta ao Juízo de Primeira Instância.
Nesse sentido, citam-se recentes julgados: Apelação Criminal n. 0001287-89.2016.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 20-2-2020; Apelação Criminal n. 0001535-46.2019.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 13-2-2020; e Apelação Criminal n. 0900041-68.2017.8.24.0044, de Orleans, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 12-12-2019.
Dessarte, não se conhece do recurso neste ponto.
2. Preliminar - cerceamento de defesa.
A defesa se insurge contra a decisão de primeiro grau, argumentando que houve cerceamento defesa, uma vez que o magistrado indeferiu o pedido de realização de perícia para verificar se a vítima Elton poderia ver o acusado com a arma na mão de sua residência. Ainda, segundo o acusado, o destinatário da prova é o conselho de sentença.
Contudo, razão não assiste ao recorrente.
De acordo com o art. 184 do Código de Processo Penal, "salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade."
Portanto, caso não haja pertinência na diligência requerida, pode o magistrado indeferir a medida. Esse dispositivo tem sua vigência mesmo nos casos de competência do Tribunal do Júri. Porém, nestes processos, cabe ao juiz presidente avaliar a necessidade da prova requerida.
Em processo de competência do Júri Popular, em que se discutia a possibilidade do juiz presidente indeferir diligência requerida pela parte, o Superior Tribunal de justiça entendeu que "cabe ao juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente a realização das diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias".
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CERCEAMENTO DE DEFESA.INOCORRÊNCIA. GRAVAÇÃO AUDIOVISUAL INAUDÍVEL. NULIDADE. SESSÃO DE JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO. ATA DE JULGAMENTO. PRECLUSÃO. DOSIMETRIA DA PENA. VOCABULÁRIO OFENSIVO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1 - Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento de diligência referente às transcrições de depoimentos realizados por meio audiovisual, com objetivo de apresentar a prova produzida aos jurados em plenário, na hipótese em que o magistrado entendeu que, apesar do volume baixo, as gravações dos depoimentos eram audíveis, pois cabe ao juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente a realização das diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias. 2 - Descabe apreciar alegação de nulidade ocorrida na sessão de julgamento do Tribunal do Juri, na hipótese de não ter sido tal vício registrado na ata da sessão, o que caracteriza preclusão. 3 - Não é nula a sentença penal condenatória prolatada no âmbito do Tribunal do Juri, sob alegação de existência de palavras ofensivas ao réu, pois, ainda que o juiz utilize vocabulário contundente, o fez para fundamentar a exasperação da pena-base em razão da desvaloração da personalidade do agente, além do que não houve demonstração de prejuízo. 4 - Ordem Denegada. (HC 468.971/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 14/10/2019).
Dessa forma, ainda que o julgamento dos autos caiba ao Conselho de Sentença, sua instrução é de responsabilidade do juiz presidente, incumbindo a ele avaliar a pertinência das diligências requeridas pelas parte.
De outro lado, o pedido realizado pelo acusado não mostra qualquer serventia; nos docs. 92-96 já se encontra laudo pericial, de onde consta fotografia batida da casa do acusado, com a visão da residência da vítima. Portanto, para a argumentação pretendida pela defesa, basta a utilização do laudo pericial citado.
Ademais, inexiste qualquer perícia que possa concluir o que efetivamente a vítima poderia estar vendo no momento do crime, pois além da capacidade visual ser um atributo ligado ao sujeito, a visão também da depende da luminosidade do local, naquele instante. O que não poderia ser auferido a posteriori.
Por essa razões, afasto a nulidade arguida.
3. Mérito
No tocante aos demais pedidos, verifico que o recurso é próprio (art. 581, IV, do Código de Processo Penal), tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual comporta conhecimento.
O recorrente almeja a despronúncia, sob o argumento de que não há prova suficiente para a manutenção da decisão atacada.
De início, anota-se que a decisão de pronúncia, segundo Guilherme de Souza Nucci:
É decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando-se a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 870).
Justamente por não se tratar de decisão que julga procedente ou improcedente a imputação da denúncia - tarefa constitucionalmente delegada ao Conselho de Sentença nos casos de crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal - o julgador não deve expressar juízos...

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