Acórdão Nº 0002414-72.2014.8.24.0054 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 08-04-2021

Número do processo0002414-72.2014.8.24.0054
Data08 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0002414-72.2014.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: KIRTON BANK S.A. - BANCO MULTIPLO (RÉU) APELADO: DUARTE MOTOR HOME EIRELI (AUTOR) APELADO: ARIANA MICHELS (AUTOR) APELADO: ARI ADALBERTO DUARTE (AUTOR)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial.

DUARTE MOTOR HOME EIRELI, ARIANA MICHELS e ARI ADALBERTO DUARTE ajuizaram Ação de Revisão de Contrato em face do KIRTON BANK S.A. - BANCO MULTIPLO, alegando em síntese, que a primeira autora é cliente do banco requerido, através da conta corrente n. 0020351, agência 0148, na cidade de Rio do Sul/SC.

Em determinado momento, o requerido colocou à disposição da primeira requerente, a possibilidade da abertura de limite de crédito, ou seja, a utilização de um cheque especial.

Contudo, diante da abusividade ocorrida, viu-se obrigada a firmar outros contratos, dentre eles, o contrato de limite rotativo de desconto de títulos de crédito e mútuo n. 01480668788 e confissão de dívidas n. 01480377872.

Aduziu a ocorrência de onerosidade excessiva da obrigação, pois as cobranças ilegais e abusivas tornaram as prestações incertas e ilíquidas, e portanto, inexigíveis.

Diante desses fatos, requereram a concessão de antecipação de tutela, para determinar que o requerido se abstenha de inscrever os seus nomes junto aos órgãos cadastrais de restrição de crédito.

Quanto ao mérito, pugnaram pela: I) limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação; II) vedar a capitalização dos juros; III) afastar a Tabela Price; IV) afastar a cumulação da comissão de permanência com encargos de mora; V) afastar as tarifas administrativas; VI) afastar a mora; VII) determinar a repetição de indébito e/ou sua compensação em dobro.

Ao final, pugnaram pela condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e a concessão da Justiça Gratuita.

Atribuíram valor à causa e juntaram documentos (evento 51, PROC51/ANEXO80).

1.2) Da contestação.

Devidamente citado, o requerido apresentou resposta, na forma de contestação, sustentando, preliminarmente, a inépcia da inicial e a impossibilidade de juntar todos os documentos. No mérito, a licitude do contrato, a legalidade dos juros, a possibilidade da capitalização de juros, a possibilidade da comissão de permanência, a impossibilidade da repetição de indébito, a existência de mora da autora. Pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação dos autores nas verbas sucumbenciais.

1.3) Do encadernamento processual.

Em decisão no evento 51, foi deferido provisoriamente o pedido de concessão de Justiça Gratuita à primeira autora, bem como o pedido de antecipação de tutela.

O banco réu interpôs recurso de Agravo de Instrumento, o qual foi convertido em retido (autos n. 2014.034348-4).

Impugnação à contestação ofertada (evento 51, RÉPLICA432/455).

1.4) Da sentença.

Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Rômulo Vinícius Finato prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar parcialmente procedente a pretensão inicial deduzida, para:

"[...] Do exposto, nos termos do art. 487, inciso I do Código de Processo Civil, resolvo o mérito e julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial, para revisar os contratos de limite rotativo n. 01480668788 (evento 51, ANEXO53 e segs); do contrato de renegociação 1470377872 (evento 51, ANEXO67 e segs); do contrato de capital de giro 014880373966 (evento 51, CONT144) e da proposta de abertura da conta corrente 0020351 (evento 51, CONT188), nos seguintes termos:

a) limitar a taxa de juros remuneratórios de todos os contratos à taxa média de mercado, para a mesma modalidade contratual e periodicidade, salvo se a taxa praticada for inferior;

b) determinar o expurgo dos juros cobrados na forma capitalizada em qualquer periodicidade referente aos contratos de limite rotativo e abertura de crédito em conta corrente, em decorrência da adoção de fórmulas exponenciais de cálculo dos juros remuneratórios ou em razão da cobrança de juros sobre juros incorporados ao saldo devedor.

c) proibir a cobrança da TAC em relação aos contratos de renegociação e de capital de giro;

d) vedar a cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos de mora em relação a todos os contratos, bem como limitada à soma dos encargos remuneratórios e moratórios.

e) determinar a restituição, na forma simples, dos valores exigidos a maior, devendo os valores serem corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE a partir da data do desembolso, bem como incidirão juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.

f) afastar a mora da parte autora.

Considerando que a parte autora sucumbiu minimamente na demanda, condeno a instituição financeira ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários de sucumbência, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa devidamente corrigido sopesados o tempo de trâmite da demanda, a desnecessidade da instrução do feito e o trabalho desempenhado pelos advogados."

1.5) Dos embargos declaratórios

Os autores opuseram embargos declaratórios, os quais foram rejeitados (evento 78).

1.6) Do recurso.

Inconformado com a prestação jurisdicional, a parte ré apelante Kirton Bank SA- Banco Múltiplo interpôs o presente recurso de Apelação Cível, aduzindo a a legalidade dos juros remuneratórios pactuados, a legalidade da capitalização de juros, a validade da comissão de permanência, a inexistência de valores a serem ressarcidos, devendo incidir, na devolução a taxa Selic.

Discorreu sobre a existência da mora e a inversão da sucumbência, requerendo o provimento do recurso.

1.7) Das contrarrazões

Contrarrazões aportada (evento 92).

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do objeto recursal.

Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da celeuma em comento está atrelado à análise dos juros remuneratórios, capitalização de juros, comissão de permanência, repetição de indébito e mora.

2.2) Do juízo de admissibilidade.

Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.

2.3) Do mérito

2.3.1) Juros Remuneratórios.

Sustenta a parte apelante acerca da legalidade dos juros remuneratórios pactuados, requerendo a reforma da sentença.

Para facilitar o raciocínio a seguir estampado, convém registrar que é de conhecimento de todos os operadores jurídicos que o art. 192, § 3º da Constituição Federal, que outrora estabeleceu a limitação dos juros em 12% ao ano, restou revogado pela Emenda Constitucional n. 40 de 29/05/2003, ao argumento de que sua aplicabilidade estava condicionada à edição de legislação infraconstitucional.

É o que dispõe a Súmula 648 do STF e a Súmula Vinculante n. 07:

A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.

Neste condão, tendo em vista a ausência de legislação específica a disciplinar a aplicabilidade dos juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano, inconcebível sua incidência no caso em comento.

Em verdade, a limitação dos juros remuneratórios, frente a omissão constitucional e legislativa está pautada na existência ou não de índices que reflitam abusividade capaz de macular/afrontar o equilíbrio contratual e gerar uma onerosidade excessiva ao consumidor e consequentemente um enriquecimento do banco.

Por fim, convém contemplar na presente decisão a inaplicabilidade dos termos legais constantes do Decreto 22.626/33 frente as instituições financeiras. Inteligência encartada na Súmula n. 596 do Superior Tribunal Federal, in verbis:

As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. 1. CAPITALIZAÇÃO MENSAL PACTUADA.2. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO EM 12% A.A. IMPOSSIBILIDADE.3. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 4. AGRAVO IMPROVIDO.1. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), razão pela qual a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, devendo ser realizada uma aferição do desvio em relação à taxa média praticada no mercado.2. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.3. Em relação à questão dos juros remuneratórios no contrato em questão, tendo o Tribunal de origem consignado que não havia abusividade nas taxas cobradas, não há como acolher a pretensão do recorrente no ponto, diante dos enunciados sumulares n. 5 e...

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