Acórdão Nº 0002532-62.2017.8.24.0080 do Terceira Câmara Criminal, 06-10-2020

Número do processo0002532-62.2017.8.24.0080
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemXanxerê
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0002532-62.2017.8.24.0080, de Xanxerê

Relator: Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU SOLTO). CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PLEITO DE AFASTAMENTO DOS MAUS ANTECEDENTES PELO DECURSO DO PRAZO DEPURADOR DE CINCO ANOS, DE DECOTE DA VALORAÇÃO NEGATIVA CONFERIDA AOS VETORES CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE E DE ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. MAUS ANTECEDENTES. PRAZO DEPURADOR DE CINCO ANOS. 1.1 Conforme o entendimento do Primeiro e do Segundo Grupo de Direito Criminal deste Tribunal: "(...) as condenações transitadas em julgado que não se prestem à configuração da reincidência devem conservar seus efeitos, para fins de maus antecedentes, por mais cinco anos, a contar da prescrição quinquenal prevista no art. 64, I, do Código Penal" (Revisões Criminais n. 4028135-18.2017.8.24.0000 e 0001592-46.2017.8.24.0000). 1.2 No caso, considerando a existência de condenação com pena extinta há menos de 10 anos da data do delito em exame, não há correções a serem feitas.

2. DO VETOR CONDUTA SOCIAL. Para fins de análise do art. 59, do Código Penal: a conduta social compreende o comportamento do agente no meio familiar, no trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Vale dizer, os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais". De acordo com o recente entendimento do STJ (AgRg no REsp 1767696/DF, DJe 15/02/2019), é inidônea a invocação de condenações anteriores para exasperação da conduta social, razão pela qual a presente circunstância judicial desfavorável deve ser afastada.

3. DO VETOR PERSONALIDADE. Para fins de análise do art. 59, caput, do Código Penal, a personalidade compreende os aspectos morais e psicológicos do agente, atinentes à tendência em praticar novos delitos. Contudo, não havendo prova concreta, preferencialmente prova técnica nos autos, para conclusão desfavorável no que se refere à personalidade, revela-se inidônea a invocação de condenações anteriores definitivas para exasperar a personalidade do agente, sobretudo se estas já foram utilizadas para caracterizar os maus antecedentes e a agravante de reincidência, situação que, na hipótese em tela, resultaria em elevada e desproporcional exasperação motivada unicamente pelo histórico criminal do acusado. Nesse sentido, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, que alterou seu posicionamento sobre o tema (AgRg no REsp 1767696/DF, DJe 15/02/2019).

4. REGIME PRISIONAL. A fixação do regime inicial para cumprimento da pena é ato discricionário do Magistrado, que, nos termos do art. 33 do Código Penal, observará o quantum da pena imposta, a reincidência do condenado e as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), atendidos os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Relator vencido no ponto.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002532-62.2017.8.24.0080, da comarca Xanxerê Vara Criminal em que é Apelante Renan Gustavo dos Santos Alves e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para afastar a valoração negativa conferida aos vetores conduta social e personalidade e, por maioria de votos, vencido o Excelentíssimo Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo, manter o regime fechado. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Getúlio Corrêa e Des. Ernani Guetten de Almeida.

Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Desembargador Getúlio Corrêa.


Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 6 de outubro de 2020.

Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

Relator


RELATÓRIO

Denúncia: O Ministério Público ofereceu denúncia contra Renan Gustavo dos Santos Alves, dando-o como incurso nas sanções do artigo 171, caput, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos (fls. 1-2):

No dia 21 de junho de 2017, em horário a ser melhor esclarecido no decorrer da instrução processual, na loja de conveniência do Posto Sgarbossa, localizado na rua Victor Konder, centro, nesta cidade e comarca, Renan Gustavo dos Santos Alves, identificando-se falsamente como "Marcelo Silva, locupletou-se ilicitamente em prejuízo alheio, ao realizar compras no valor de R$ 158,00 (cento e cinquenta e oito reais) no Posto Sgarbossa, dando como pagamento a cártula de cheque n. 850080, conta corrente n. 33.329-8, agencia 0586, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), assinado e preenchido em nome de Tamara Souza, recebendo a diferença de valores do cheque em dinheiro.

Diante da devolução do cheque por divergência de assinatura, já que Tamara Souza havia encerrado sua conta bancária no ano de 2016, submeteu-se a cártula à perícia grafotécnica, constando-se que, na verdade, Renan Gustavo dos Santos Alves a próprio punho a preencheu e assinou, obtendo assim, ao realizar as compras e receber a diferença de valor, a vantagem ilícita em prejuízo do Posto Sgarbossa (fls.23/28).

Sentença: Após a regular instrução do processo criminal, o Juízo do primeiro grau proferiu decisão com o seguinte dispositivo (fl. 151):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para CONDENAR o réu RENAN GUSTAVO DOS SANTOS ALVES, qualificado nos autos, à pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, como incurso nas sanções do 171, caput, e art. 61, inc. I, todos do Código Penal.

Apelação interposta pela Defesa: Requer a Defesa o afastamento do aumento da pena operado com base nos antecedentes criminais, em razão do transcurso do período depurador, o afastamento da valoração negativa conferida aos vetores conduta social e personalidade. Por fim, pleiteia pela fixação do regime semiaberto para o resgate da pena (fls. 165-174).

Contrarrazões: A acusação impugnou as razões recursais defensivas, requerendo o conhecimento e improvimento do recurso (fls. 178-181).

Parecer da PGJ: Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rogério Antônio da Luz Bertoncini, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 189-197).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa contra sentença que julgou procedente a denúncia e condenou Renan Gustavo dos Santos Alves pelo cometimento do delito descrito no artigo 171, caput, do Código Penal.

Como visto, a Defesa insurge-se tão somente quanto à dosimetria da pena privativa de liberdade, nada alegando acerca da suficiência probatória.

Com efeito, ao analisar detidamente os autos, verifico que o conjunto probatório é suficiente para embasar seguramente a condenação, não havendo alterações a serem feitas de ofício neste ponto.

Inicialmente, com as inovações trazidas pela Lei 13.964/19, o crime de estelionato (art. 171 do CP) passou a ser ação penal pública condicionada a representação da vítima, ressalvadas as exceções contidas no §5º do mesmo dispositivo, in verbis:

Art. 171, § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Na hipótese, os ofendidos não se enquadram em nenhuma das exceções acima delineadas, todavia, na minha concepção, levando-se em consideração que se trata de norma mista, abrangendo matéria de direito ou relativa a garantia constitucional, não se está aqui afirmando que a desnecessidade de intimação da vítima para representar em seis meses estaria retroagindo em desfavor do apelante. Ao contrário, havendo nos autos elementos de convicção de que a vítima exerceu seu direito de representação, mesmo que informalmente, admite-se o prosseguimento do processo até ulterior termo.

Em continuidade, passo ao exame da matéria devolvida a conhecimento desta Câmara.

1. Do vetor maus antecedentes

Como relatado, requer a Defesa o afastamento dos antecedentes criminais em que o período depurador de 5 anos tenha se operado.

Os pleito não merece acolhimento.

Em que pese haver divergência sobre o tema, a recente jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as condenações transitadas em julgado que não se prestem à configuração da reincidência devem conservar seus efeitos para fins de maus antecedentes por mais cinco anos, a contar da prescrição quinquenal prevista no art. 64, I, do CP.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados do Primeiro e do Segundo Grupo de Direito Criminal deste Tribunal, in verbis:

ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Revisão Criminal n. 0001592-46.2017.8.24.0000, de Criciúma Relator: Desembargador José Everaldo Silva REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06) PRETENSA REFORMA DA DOSIMETRIA. ALEGAÇÃO DE ERRO TÉCNICO. PENA-BASE. ANTECEDENTES CRIMINAIS. DECURSO DE PRAZO SUPERIOR A 5 ANOS, MAS INFERIOR A 10 ANOS. POSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO. NOVO POSICIONAMENTO DO ÓRGÃO JULGADOR. MANUTENÇÃO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) PARA CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. MAGISTRADO QUE UTILIZA A FRAÇÃO DE 1/4 (UM QUARTO). AUMENTO LÍDIMO. DECISÃO HÍGIDA. PRETENDIDA COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INVIABILIDADE, DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO E DA REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO RÉU. A fim de evitar uma perpétua valoração de condenação definitiva, esta Câmara Criminal passou a entender que os efeitos dos antecedentes criminais também devem ser limitados no tempo, a exemplo do que ocorre com a...

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