Acórdão Nº 0002537-27.2018.8.24.0023 do Terceira Câmara Criminal, 22-06-2021

Número do processo0002537-27.2018.8.24.0023
Data22 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0002537-27.2018.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: ADRIANA CARNEIRO RAMOS (RÉU)


RELATÓRIO


Denúncia: O ministério público ofereceu denúncia contra Adriana Carneiro Ramos, recebida em 16-3-2018 (Evento 16 dos autos de origem), dando-a como incursa nas sanções do "art. 155, §4º, inc. II, do Código Penal", pela prática dos seguintes fatos delituosos (Evento 14 dos autos de origem):
No dia 17 de fevereiro de 2018, por volta das 09h30, a denunciada ADRIANA CARNEIRO RAMOS adentrou o estabelecimento comercial Clarice Modas (rua Rui Barbosa n. 588, Agronômica) e, a pretexto de comprar roupas, subtraiu para si 01 calça, modelo legging (fl. 07), avaliada em aproximadamente R$45,00 (fl. 11), calcinhas e uma blusa - ainda não avaliadas - que estavam expostas à venda, ocultando-as mediante o ardil de escolher um numero expressivo de peças de vestuário para experimentar com o fim de distrair e confundir a balconista, culminando por vestir a calça e levar as demais peças sob a própria veste, saindo da loja sem efetuar o devido pagamento pelos produtos. Fato ocorrido em Florianópolis.
Adriana foi capturada por policiais militares pouco distante do local da subtração, momentos depois da consumação do furto, sendo recuperada somente a calça subtraída, que ainda estava trajando, por baixo da própria roupa.
Sentença: Após a regular instrução do processo criminal, o juiz do primeiro grau proferiu a seguinte decisão (Evento 71 dos autos de origem):
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para ABSOLVER a acusada Adriana Carneiro Ramos, qualificado na exordial acusatória, do crime que lhe foi imputado, por força da previsão contida no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Apelação interposta pelo Ministério Público de Santa Catarina: a acusação requer: "que o presente apelo seja conhecido e provido a fim de CONDENAR Adriana Carneiro Ramos, nas sanções do artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal" (Evento 93 dos autos de origem).
Contrarrazões: A defesa, por meio da Defensoria Pública de Santa Catarina, impugnou as razões recursais acusatórias, requerendo: "o DESPROVIMENTO ao apelo interposto pela acusação, mantida integralmente a sentença proferida pelo juízo a quo, pela qual restou a apelada acertadamente ABSOLVIDO." (Evento 98 dos autos de origem).
Parecer da PGJ: Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o exmo. sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, que opinou "pelo conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do recurso ministerial interposto." (Evento 11 - Segundo Grau)

Documento eletrônico assinado por JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 994888v3 e do código CRC 727d4a45.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELOData e Hora: 31/5/2021, às 17:46:46
















Apelação Criminal Nº 0002537-27.2018.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: ADRIANA CARNEIRO RAMOS (RÉU)


VOTO


Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa contra sentença que julgou improcedente a denúncia e absolveu Adriana Carneiro Ramos do crime que lhe foi imputado
Passo ao exame da matéria devolvida a conhecimento desta Câmara.
Como relatado, pretende a acusação a condenação da apelada pela prática do delito previsto no artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal.
O pleito, adianto, não comporta acolhimento.
Explico.
A criminalização primária (legislador) e secundária (instâncias encarregadas da persecução penal) está sujeita a limites estabelecidos pelos princípios da intervenção mínima e da lesividade, bem como pelos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição.
Não se pode criminalizar toda e qualquer conduta reprovável do ponto de vista moral, sem que haja relevante ofensa a um bem jurídico. Igualmente, não se pode impor uma sanção penal sem que a conduta do réu tenha causado significativa lesão a um bem jurídico protegido. Ou seja, o Direito Penal opera de forma fragmentária, tendo sempre como referência o princípio da lesividade (cf. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 380).
Conforme as ensinanças do saudoso Luiz Flávio Gomes sobre a matéria:
No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no Direito Penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos (dos delitos de bagatela) não deve cuidar o juiz (minina non curat praetor).
Esse importante princípio, já aplicado no tempo do direito romano e recuperado depois da segunda guerra por Roxin (Kriminalpolitik und Strafrechtssystem, em JUS, 1964, p. 373 e ss.), vem sendo reconhecido amplamente pelos juízes e tribunais, especialmente nos delitos de descaminho, furto etc.
Conseqüências práticas: ninguém pode ser preso em flagrante por fato absolutamente insignificante (por ser atípico). Ninguém pode ser processado por isso. O correto, portanto, em razão da atipicidade penal do fato, é arquivar o caso logo no princípio (...).
Tipo legal não é a mesma coisa que tipo penal. Subsunção formal não é adequação típica material. O Direito penal já não se coaduna com a dogmática formalista do século XX. Por força do princípio da intervenção mínima nem toda ofensa ao bem jurídico merece sanção penal. O critérios de política criminal (intervenção mínima, por exemplo) faz parte do Direito penal (Roxin). Esse é o novo Direito penal, que se mostra antagônico frente ao Direito penal formalista e literalista do século passado.
Duas são as hipóteses de insignificância no Direito penal: (a) insignificância da conduta; (b) insignificância do resultado.
No delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: 'Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena - detenção de 1 a 6 meses'), quem arremessa contra um ônibus em movimento um bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: 'Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena - reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa'), quem joga um copo d´água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante.
Nessas hipóteses, o risco criado (absolutamente insignificante) não pode ser imputado à conduta (teoria da imputação objetiva em conjugação com o princípio da insignificância). Estamos diante de fatos atípicos.
No delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal.
Mas ficaria impune o autor do fato insignificante? Não. Deve recair sobre ele todas as sanções civis (indenização), trabalhistas (despedida do empregado, quando o caso) etc. O que não se justifica é a aplicação do Direito Penal. Não devemos utilizar o canhão para matar um passarinho" (Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2002).
Assim, é cediço que a concepção de aplicabilidade da reprovação penal no contexto atual não mais se restringe à subsunção do fato delitivo à norma incriminadora insculpida, mas também à necessária presença de uma terceira condicionante, a lesividade da conduta para vítima.
Nesta mesma vertente dispõe Maurício Antônio Ribeiro Lopes: "(...) o princípio da insignificância é que erige uma hermenêutica dinâmica projetada sobre o direito Penal já construído, buscando atualizar e materializar a tipicidade e a ilicitude em função do resultado concreto da ação ou do móvel inspirador do comportamento" (in Princípio da Insignificância no Direito Penal. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2ª ed., pág. 82).
Esta orientação justifica-se, ainda mais, quando se observa que o tipo penal resta composto por três elementos, quais sejam: a ação, o resultado e o nexo causal. A existência de crime e eventual sanção consequente exige destarte, ao par da ação e do nexo causal, a configuração de um resultado, que, na realidade, traduz-se na lesão a bem juridicamente protegido. Ou seja, ausente o resultado, não há conduta típica.
Ao passo de todos estes fundamentos, resta salientar finalmente que, conforme repisado, exsurge-se dispendiosa e improfícua a movimentação da máquina estatal para apuração de delitos de menor significância, como é o caso. Na mesma proporção, verifica-se salutar o direcionamento destes recursos no combate aos delitos que merecem de fato a reprovação penal.
É o que também preleciona Damásio de Jesus:
Princípio da insignificância. Ligado aos chamados 'crimes de bagatela' ('ou delitos de lesão mínima'), recomenda que o direito penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante (subtração de um pano de chão, sapatos usados de pouco valor, uma passagem de ônibus etc...); lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima; descaminho e dano de pequena monta; lesão corporal de extrema singeleza, etc... (Código Penal Anotado, 9.ª ed. rev., SP: Saraiva, 1999, p. 2).
Com efeito,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT