Acórdão Nº 0002589-19.2014.8.24.0005 do Quarta Câmara Criminal, 12-11-2020

Número do processo0002589-19.2014.8.24.0005
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemBalneário Camboriú
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0002589-19.2014.8.24.0005, de Balneário Camboriú

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

APELAÇÕES CRIMINAIS - HOMICÍDIO CULPOSO (CP, ART. 121, § 3º) - SENTENÇA QUE CONDENOU TRÊS DOS ACUSADOS, ABSOLVENDO OS DOIS RESTANTES - RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DOS ACUSADOS CONDENADOS.

PRELIMINARES.

INÉPCIA DA DENÚNCIA - QUESTÃO QUE SE ENCONTRA SUPERADA COM A PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA - CONTRADITÓRIO EXERCIDO EM SUA PLENITUDE AO LONGO DA AÇÃO PENAL - VÍCIO RECHAÇADO.

Após a prolação de sentença criminal, não há maior sentido em sustentar a inépcia da denúncia se o exercício do contraditório foi realizado em sua plenitude durante a instrução criminal.

AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO - INOCORRÊNCIA - CONDENAÇÃO GUARDANDO PERFEITA RELAÇÃO COM O NARRADO NA DENÚNCIA - CONTRADITÓRIO REGULARMENTE EXERCITADO - PRELIMINAR AFASTADA.

Não há que se falar em ofensa ao princípio da correlação se os fatos reconhecidos na sentença guardam perfeita relação com o narrado na denúncia, com o acusado tendo exercido regularmente seu direito de defesa.

MÉRITO.

ACIDENTE FATAL DURANTE OPERAÇÃO DE TELESCOPAGEM DE GRUA ASCENSIONAL UTILIZADA PARA CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÃO - MORTE DE UM DOS TRABALHADORES.

PLEITOS DE ABSOLVIÇÃO TRAZIDOS PELOS ACUSADOS CONDENADOS - DESCABIMENTO - CONDUTAS NEGLIGENTES PERFEITAMENTE DEMONSTRADAS NOS AUTOS - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO NÃO VERIFICADA - OPERAÇÃO DE TELESCOPAGEM DE GRUA ASCENSIONAL NÃO SUPERVISIONADA POR ENGENHEIRO MECÂNICO - CONDENAÇÃO ACERTADA DO RESPONSÁVEL PELA OBRA, DO RESPONSÁVEL PELA MANUTENÇÃO DO EQUIPAMENTO E DO MECÂNICO QUE AGIU CONSCIENTE DA NECESSIDADE E FALTA DE SUPERVISÃO POR PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO - CONDENAÇÕES MANTIDAS.

I - Eventual contribuição da vítima para o acidente que redunda no seu óbito, quando não produz por si só o resultado, impede afastar a responsabilidade dos demais envolvidos, na medida em que o direito penal brasileiro veda a chamada compensação de culpas.

II - O somatório de condutas negligentes durante operação de telescopagem de grua ascensional, importando na concorrência de culpas, permite a responsabilização conjunta do responsável pela obra, do responsável pela manutenção do equipamento e do mecânico que atua na operação sem supervisão de profissional legalmente habilitado, sabendo da sua necessidade.

ALMEJADA SUBSTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PELA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA (PRETENSÃO DO ACUSADO GABRIEL SIMÃO NETO) - PEDIDO DESACOMPANHADO DA DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO.

Em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, a apelação deve conter os fundamentos de fato e de direito, e impugnar de forma específica, objetiva e sobretudo de modo compreensível os fundamentos da sentença guerreada, sob pena de não vir ser conhecida pela Corte.

INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A ABSOLVIÇÃO DO TÉCNICO DE SEGURANÇA DO TRABALHO E DO MESTRE DE OBRAS - NÃO ACOLHIMENTO - INEXISTÊNCIA DE CERTEZA SOBRE A OBRIGAÇÃO E A CONTRIBUIÇÃO DO TÉCNICO DE SEGURANÇA PARA A MORTE DA VÍTIMA - PERIGO ALERTADO AOS TRABALHADORES - DEVER DE AGIR PARA EVITAR O OCORRIDO NÃO VERIFICADO EM RELAÇÃO AO MESTRE DE OBRAS - ABSOLVIÇÕES CONFIRMADAS.

I - O Estado-acusador tem a obrigação de provar, por meio do exercício de quaisquer dos instrumentos processuais admitidos pelo direito, a responsabilidade penal de quem se lança a acusar, para o fim de extrair a condenação almejada.

II - Imputada a prática de crime omissivo impróprio, incumbe ao acusador não deixar qualquer dúvida nos autos quanto à obrigação e possibilidade de agir do acusado (CP, art. 13, § 2º), bem como acerca da efetiva contribuição para o resultado, sob pena de não ser possível a responsabilização penal.

PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA MAJORANTE DO § 4º DO ART. 121 DO CP - POSSIBILIDADE - AUMENTO DE PENA JUSTIFICADO PELA MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA CULPOSA NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL - PENAS DOS ACUSADOS CONDENADOS RECALCULADAS.

Em casos de homicídio envolvendo negligência no exercício de atividade profissional, a majorante do § 4º não representa bis in idem, justificando-se no maior grau de reprovação da conduta culposa (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.686.212/SE, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 23.6.2020).

RECURSO DO ACUSADO GABRIEL SIMÃO NETO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO - RECURSOS DOS DEMAIS ACUSADOS DESPROVIDOS - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002589-19.2014.8.24.0005, da comarca de Balneário Camboriú 1ª Vara Criminal em que é/são Apte/Apdo(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina e outros e Apelado(s) Rogerio Weidgenant e outro.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer de parte do recurso do acusado Gabriel Simão Neto e da integralidade dos recursos dos demais acusados, negando-lhes provimento; e dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público, a fim de admitir a majorante do § 4º do art. 121 do CP, com o aumento das penas dos acusados Gabriel Oltramari Neto, Gabriel Simão Neto e Cleucir José Grizão para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de detenção, sem modificar o regime prisional imposto, porém adicionando a pena de limitação de fim de semana ao lado da prestação de serviços à comunidade, em substituição à pena privativa de liberdade de cada qual. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 12 de novembro de 2020.

Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público de Santa Catarina e por Gabriel Oltramari Neto, engenheiro civil, nascido em 8.4.1970, Gabriel Simão Neto, empresário, nascido em 1º.9.1967, e Cleucir José Grizão, mecânico, nascido em 9.4.1958, todos por meio de defensores constituídos, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Roque Cerutti, em atuação na 1ª Vara da Comarca de Balnerário Camboriú, que: (i) condenou Gabriel Oltramari Neto a uma pena de 1 ano de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 121, § 3º, do CP, com a substituição da pena privativa de liberdade imposta; (ii) absolveu Rogério Weidgenant, com fundamento no art. 386, VII, do CPP, da imputação do delito previsto no art. 121, § 3º c/c § 4º, do CP; (iii) absolveu Cristiano Nicolau Weschenfelder, com fundamento no art. 386, VII, do CPP, da imputação do delito previsto no art. 121, § 3º c/c § 4º, do CP; (iv) condenou Gabriel Simão Neto a uma pena de 1 ano de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 121, § 3º, do CP, com a substituição da pena privativa de liberdade imposta; e (v) condenou Cleucir José Grizão a uma pena de 1 ano de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 121, § 3º, do CP, com a substituição da pena privativa de liberdade imposta (fls. 1117-1158).

O Ministério Público, em suas razões, questiona a absolvição dos acusados Rogério e Cristiano, afirmando terem agido com culpa, o que exigiria a responsabilização de ambos. Ao lado disso, também sustenta a incidência da causa de aumento do § 4º do art. 121 do CP, relativamente a todos os acusados, aduzindo que o crime teria resultado da inobservância de regra técnica da profissão de cada um deles (fls. 1170-1177).

Cleucir José Grizão, em suas razões, defende a inexigibilidade de conduta diversa, já que não poderia impor ao seu patrão que adotasse postura diferente, a evitar o ocorrido, sob pena de arriscar seu emprego. Ao mesmo tempo, também argumenta sobre a ausência de nexo de causalidade entre a sua conduta e o ocorrido, bem como acerca da necessidade de ser favorecido pelo benefício da dúvida. Por fim, sustenta ainda tudo ter decorrido de culpa exclusiva da vítima, exigindo a sua absolvição (fls. 1200-1207).

Gabriel Oltramari Neto, em suas razões, preliminarmente, suscita a inépcia da denúncia e a falta de correlação entre a denúncia e a sentença. No mérito, defende não ter responsabilidade pelo ocorrido, a culpa exclusiva de terceiro e a culpa exclusiva da vítima (fls. 1216-1243).

Gabriel Simão Neto, em suas razões, sustenta ter havido culpa exclusiva do técnico em segurança e da própria vítima, entendendo pela irrelevância do fato de não ter contratado engenheiro para fiscalizar a operação que culminou com a morte narrada na denúncia. Por fim, caso não absolvido, busca seja aplicada a pena de prestação pecuniária em substituição à prestação de serviços à comunidade (fls. 1353-1356).

Nas contrarrazões, cada qual pugna pelo desprovimento do recurso contrário (fls. 1245-1262, 1264-1272, 1281-1294, 1296-1299, 1322-1326 e 1367-1391).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, manifestando-se pelo desprovimento do recurso do Ministério Público e pelo provimento dos recursos dos acusados, com a absolvição de todos, por entender que as provas seriam insuficientes à manutenção da sentença (fls. 1396-1401).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público de Santa Catarina e por Gabriel Oltramari Neto, engenheiro civil, nascido em 8.4.1970, Gabriel Simão Neto, empresário, nascido em 1º.9.1967, e Cleucir José Grizão, mecânico, nascido em 9.4.1958, todos por meio de defensores constituídos, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Roque Cerutti, em atuação na 1ª Vara da Comarca de Balnerário Camboriú, que: (i) condenou Gabriel Oltramari Neto a uma pena de 1 ano de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 121, § 3º, do CP, com a substituição da pena privativa de liberdade imposta; (ii) absolveu Rogério Weidgenant, com fundamento no art. 386, VII, do CPP, da imputação do delito previsto no art. 121, § 3º c/c § 4º, do CP; (iii)...

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