Acórdão Nº 0002608-06.2017.8.24.0139 do Segunda Turma Recursal, 07-07-2020

Número do processo0002608-06.2017.8.24.0139
Data07 Julho 2020
Tribunal de OrigemPorto Belo
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal





Recurso Inominado n. 0002608-06.2017.8.24.0139, de Porto Belo

Relatora: Juíza Margani de Mello









PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSO-MANDATO. LEGITIMIDADE DO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO NOS CASOS DE EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 476, DO STJ. DUAS HIPÓTESES RECONHECIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA QUE SE ENCAIXAM NO CONCEITO INDICADO PELA CORTE SUPERIOR: (I) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO, POR NOTIFICAÇÃO/INFORMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO ENDOSSANTE, SOBRE O PAGAMENTO PRÉVIO AO PROTESTO, E (II) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO SOBRE A FALTA DE HIGIDEZ DO TÍTULO. DUPLICATA MERCANTIL SEM ACEITE. COMPROVAÇÃO DA ENTREGA/PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS COMO REQUISITO DE EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. DEVER DO ENDOSSATÁRIO DE EXIGIR DO ENDOSSANTE A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOB PENA DE SER RESPONSABILIZADO PELA REALIZAÇÃO DE PROTESTO DE TÍTULO INEXIGÍVEL/SEM HIGIDEZ. CONDUTA QUE CARACTERIZA EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. RESPONSABILIDADE DO BANCO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. JUROS DE MORA. RELAÇÃO EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0002608-06.2017.8.24.0139, da comarca de Porto Belo 1ª Vara, em que é recorrente Banco Bradesco S/A, e recorrido Sandro Rogério Alegre:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Insurge-se o Banco recorrente contra a sentença de pp. 58-64, da lavra do juiz André Luiz Anrain Trentini, que julgou parcialmente procedentes os pedidos contra ele formulados, arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade para figurar no polo passivo. No mérito, sustenta que agiu no exercício regular de direito, diante do não repasse do pagamento, e que inexistem danos morais indenizáveis. Requer a reforma integral do julgado ou, subsidiariamente, a redução do quantum fixado e a incidência dos juros moratórios a partir do arbitramento.

Contrarrazões apresentadas nas pp. 99-109.

Pertinente à preliminar, como bem pontuado pelo magistrado a quo, o mandatário pode responder pelos prejuízos causados ao consumidor em casos de endosso mandato, de modo que a instituição financeira é legítima para figurar no polo passivo da demanda (já que, no mérito, sua responsabilidade vai ser efetivamente analisada). Mantém-se, portanto, o afastamento da alegada ilegitimidade. Neste sentido: TJSC, Apelação Cível n. 0308199-79.2016.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 05-12-2019.

Em relação ao mérito, a controvérsia gira em torno da responsabilidade civil da instituição financeira por protesto supostamente indevido em casos em que atua através de endosso-mandato.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, editando, inclusive, o verbete Sumular n. 476:



O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.


Em que pese definir que a responsabilidade do endossatário se limita aqueles casos em que se verifica a extrapolação dos poderes conferidos através de mandato, o Superior Tribunal de Justiça não apontou, no verbete sumular, as hipóteses em que se caracterizaria o excesso. Coube, portanto, à doutrina e à jurisprudência fixarem os limites indicados pela Súmula.

No julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão – que culminou na edição da Súmula n. 476 – foi reconhecido que o apontamento do protesto após a ciência, pela instituição financeira endossatária, do pagamento anterior ou da falta de higidez do título caracterizaria extrapolação dos poderes de mandatário1Verifica-se, portanto, a existência de duas hipóteses.

(I) A primeira hipótese (ciência do pagamento anterior) caracteriza-se quando (i) todos os requisitos de exigibilidade do título apresentado para protesto forem comprovados pela instituição financeira e (ii) o devedor comprovar documentalmente que a instituição financeira endossatária foi notificada/informada por ele, ou pelo endossante, sobre o pagamento prévio ao protesto.

Nestes casos, a endossatária extrapola os poderes do mandato ao realizar protesto mesmo ciente do pagamento anterior e, portanto, deve ser responsabilizada. Pontua-se que, caso o devedor não comprove a cientificação da instituição financeira, a responsabilidade deve ser afastada.

(II) A segunda hipótese (falta de higidez do título) caracteriza-se quando o título encaminhado para protesto não preenche todos os requisitos de exigibilidade. É dever da instituição financeira endossatária conferir o preenchimento dos requisitos de exigibilidade e validade do título que pretende encaminhar para protesto, cabendo sua responsabilização nos casos em que o título protestado não seja exigível.

No caso das duplicatas mercantis e de prestação de serviços sem aceite, o comprovante de entrega da mercadoria/prestação de serviços é indispensável para a realização do protesto e caracteriza-se como requisito de exigibilidade do título.

A respeito, ensina Fabio Ulhoa Coelho (2019):


A duplicata de prestação de serviços está sujeita ao mesmo regime da duplicata mercantil. Apenas duas especificidades devem ser destacadas: a) a causa que autoriza sua emissão não é a compra e venda mercantil, mas a prestação dos serviços; b) o protesto por indicações depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência do vínculo contratual e da efetiva prestação dos serviços obrigada à escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, à emissão de fatura ou nota fiscal-fatura discriminatória dos serviços contratados. (grifei)


E, também, colhe-se do inteiro teor do voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS:


Consta dos autos que o banco endossatário recebeu duplicata não aceita e sem nenhum comprovante da entrega da mercadoria ou da prestação de serviço e, ainda assim, indicou o título a protesto.

Em situação idêntica, já decidiu esta Corte que "ausente o aceite das duplicatas, cabe ao endossatário exigir do endossante a apresentação do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços, no momento em que realizado o endosso" (REsp 770.403/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 212).

Com efeito, no caso concreto, o título apontado a protesto não ostentava, primo icto oculi, condições de exigibilidade, razão pela qual, assim como entendeu o acórdão recorrido, tenho por configurada a conduta negligente do endossatário.

(sem grifos no original)



Diante deste cenário, (i) é responsabilidade do endossatário exigir do endossante documentos que comprovem a efetiva entrega do produto/prestação dos serviços cobrados através da duplicata no momento do endosso; e (ii) caracteriza a extrapolação dos poderes do mandato a realização de protesto de duplicata desacompanhada do comprovante de entrega/prestação do serviço, sendo inafastável nestes casos a responsabilização do endossatário por eventuais danos sofridos pelo devedor.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E ANULAÇÃO DE CAMBIAL CUMULADA COM SUSTAÇÃO DEFINITIVA DE PROTESTO E DANOS MORAIS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSO MANDATO. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA CASA BANCÁRIA EM CASO DE ATITUDE CULPOSA OU EXCESSO DOS PODERES CONFERIDOS PELO MANDATO. DUPLICATAS EMITIDAS SEM CAUSA DEBENDI. NEGLIGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA AO NÃO AUFERIR HIGIDEZ DOS TÍTULOS. CONDUTA CULPOSA DEMONSTRADA. DANO MORAL PRESUMIDO. DEVER DE...

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