Acórdão Nº 0002697-48.2013.8.24.0081 do Sétima Câmara de Direito Civil, 22-07-2021

Número do processo0002697-48.2013.8.24.0081
Data22 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0002697-48.2013.8.24.0081/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0002697-48.2013.8.24.0081/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

APELANTE: ARFRIO S/A ARMAZENS GERAIS FRIGORIFICOS APELANTE: ITACIR GOMES DOS SANTOS APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Arfrio S.A. Armazéns Gerais Frigoríficos (ré) e Itacir Gomes dos Santos ME (autora) interpuseram, respectivamente, recursos de apelação e adesivo contra sentença (Evento 44, PROCJUDIC4, p. 121-138) que, nos autos de ação de indenização por danos materiais, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

ITACIR GOMES DOS SANTOS ME, qualificado nos autos, ajuizou ação em face da ARFRIO ARMAZÉNS GERAIS FRIGORÍFICOS, também identificada, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais (dano emergente e lucros cessantes). Alega, para tanto, que transportou carga de produtos congelados da empresa SAFRIO até o estabelecimento da requerida, que os havia adquirido, mas que, ao chegar ao estabelecimento da requerida (25/11/2012), esta solicitou que o motorista aguardasse fora do pátio a autorização para descarregamento. Afirma que, no dia 27/11/2012, em razão da demora no descarregamento, a temperatura do conjunto mecânico de geração de frio do caminhão superelevou-se, ocasionando o incêndio do veículo. Expressa que o caminhão estava a 3 (três) metros de distância do portão do estabelecimento da ré, onde há um hidrante, cuja utilização foi impedida pelos funcionários desta, ocasionando a queima total do caminhão e da carga. Argumenta que seu motorista tentou conter o fogo, com o auxílio de outros caminhoneiros que estavam no local, mas sem êxito, e que os danos decorrem de culpa exclusiva da ré, que recusou acesso ao pátio, negou-se a receber a carga e deixou de prestar socorro ao motorista do autor por ocasião do incêndio do caminhão, quando podia fazê-lo sem riscos, incorrendo, assim, em ato ilícito. Menciona que sofreu danos emergentes, decorrentes da perda do caminhão, do semirreboque a ele acoplado, de um "thermo king" e de um rastreador, que equivalem a R$ 257.489,00 (duzentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove reais), pois a carga (que foi saqueada) estava garantida por contrato de seguro. Disse ainda ter sofrido lucros cessantes em razão da impossibilidade de utilização do caminhão incendiado na atividade da autora, o que ensejou perda patrimonial, a ser apurada em liquidação de sentença. Juntou documentos (p. 02-59).

Citada (p. 63), a ré contestou o feito, alegando preliminares de ilegitimidade passiva, inépcia da inicial e falta de interesse de agir. No mérito, impugnou a pretensão inicial sob o argumento de não ter praticado ato ilícito, porque o motorista da requerente chegou ao destino com um dia de antecedência e a demora no descarregamento decorre da ausência da emissão de nota fiscal de armazenagem para entrega de carga, a cargo da BRF Brasil Foods. Expressou que o motorista tentou apagar o incêndio quando ele já estava avançado e que não pediu ajuda a seus funcionários. Argumenta inexistir nexo de causalidade entre os danos e a espera no descarregamento. Impugnou a pretensão indenizatória e, ao final, requereu a extinção do processo sem resolução de mérito ou a improcedência dos pedidos iniciais. No mais, juntou seus documentos constitutivos e a procuração (p. 64-90).

Houve réplica (p. 92-95) e despacho saneador, no qual foram afastadas aspreliminares suscitadas (p. 96).

Durante a instrução foram ouvidas 4 (quatro) testemunhas (p. 129, 189 e208).

Encerrada a instrução e intimadas as partes às alegações finais, apenas oautor as apresentou (p. 275-286 e 289).

É o relatório.

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

Isto posto e o que mais dos autos consta, resolvendo o mérito da demanda, com fundamento no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por ITACIR GOMES DOS SANTOS ME em face de ARFRIO ARMAZÉNS GERAIS FRIGORÍFICOS, ambos qualificados nos autos, para condenar o requerido ao pagamento de indenização por:

a) danos emergentes, no valor de R$ 128.744,50 (cento e vinte e oito reais, setecentos e quarenta e quatro mil e cinquenta e cinco reais), que corresponde à proporção da sua culpa pelo acidente descrito na inicial, atualizado na forma acima indicada;

b) lucros cessantes, na proporção de sua culpa (50%), em valor a ser apurado em liquidação de sentença, o qual deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora, à taxa de 1% ao mês, a partir do acidente danoso.

Diante da sucumbência recíproca, CONDENO as partes, na proporção de 50% (cinquenta por cento) a cada uma delas, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos em favor do procurador da parte adversa, estes no percentual de 15% (quinze por cento) do valor da condenação devidamente atualizada, com fundamento no art. 85, § 2º, do CPC, vedada a compensação (CPC, art. 85, § 14).

Com o trânsito em julgado, cumpridas as Orientações n. 20 da CGJ/SC, e não havendo pedido de execução, no prazo de 30 (trinta) dias, arquive-se.

P. R. I.

No julgamento dos embargos de declaração opostos pela ré (Evento 44, PROCJUDIC4, p. 138-145), pronunciou-se o Juízo a quo (p. 149-150):

ANTE O EXPOSTO, nego provimento aos presentes Embargos de Declaração.

Publique-se.

Em suas razões recursais (Evento 44, PROCJUDIC4, p. 154-223), a parte ré assevera, preliminarmente: a) o cerceamento de defesa em razão da ausência de intimação do patrono indicado para receber intimação a respeito da distribuição das cartas precatórias; b) a nulidade da decisão dos embargos de declaração em virtude da afronta ao princípio do juiz natural; c) a negativa de prestação jurisdicional em razão da existência de omissões e contradições na sentença recorrida, questionadas nos aclaratórios; d) a inépcia da petição inicial; e) a ausência de legitimidade passiva e de interesse processual.

No mérito, aventa a indevida valoração da certidão emitida pelo Corpo Militar de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, porquanto o fato narrado não foi presenciado pelo agente público, sendo confeccionada a partir do relato do motorista do caminhão.

Alega a ausência de valor probatório do depoimento do condutor do veículo sinistrado em razão de seu interesse na causa, pela relação mantida com a parte autora e pela valoração de opinião pessoal de testemunha.

Sustenta que em virtude do acolhimento da contradita da testemunha Jeferson Barbosa Martins por se funcionário da demandada a valoração de seu depoimento foi diminuída pelo Juízo a quo.

Defende a ausência de provas dos fatos alegados na exordial, a culpa exclusiva da parte autora e a existência de excludente de ilicitude de exercício regular de direito, circunstâncias que afastam o dever de indenizar imposto à demandada.

Questiona os valores definidos pela sentença recorrida, argumentando que, no caso de manutenção da condenação, que referidas quantias sejam apuradas em fase de liquidação de sentença, ocasião em que devem ser pormenorizados os respectivos valores e a viabilidade das peças e equipamentos postulados na exordial.

Ao final, alega que o evento danoso ocorreu em 27-11-2012, data que deve ser considerada como termo inicial para a incidência de correção monetária e juros de mora.

A autora, por sua vez, em seu apelo adesivo (Evento 44, PROCJUDIC4, p. 258-263), insurge-se exclusivamente com relação à culpa concorrente no evento, sob o argumento da culpa exclusiva da demandada, na medida em que, "em razão da grande demora no descarregamento houve uma gradual elevação da temperatura do conjunto mecânico de geração de frio do Semi-reboque" (p. 261).

Aduz que existência a culpa exclusiva da demandada pelos seguintes motivos: a) não ter descarregado a carga no dia que a recebeu; b) não disponibilizar espaço dentro da empresa para receber a carga; e, c) por ter se negado a prestar socorro.

Com as contrarrazões (Evento 44, PROCJUDIC4, p. 248-256 e 268-286), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais.

De início, destaca-se que a decisão recorrida foi publicada quando já vigente o Código de Processo Civil de 2015 (19-4-2016), motivo pelo qual a referida norma regerá a presente decisão, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais), nos moldes do art. 1.046 do atual Código de Ritos.

Tem-se como fato incontroverso, porque não impugnado pelas partes, que o caminhão de propriedade da recorrente adesiva/autora foi consumido por incêndio enquanto aguardava para descarregar a carga que transportava, cuja destinatária era a empresa apelante/ré.

A controvérsia, portanto, cinge-se em averiguar, preliminarmente, a nulidade do decisum em razão de: a) cerceamento de defesa por ausência de regular intimação da advogada indicada para receber as notificações dos atos processuais; b) ocorrência de ofensa ao princípio da identidade física do juiz por ocasião da sentença que rejeitou os embargos de declaração; c) a negativa de prestação jurisdicional em razão da existência de omissões e contradições na sentença recorrida; d) a inépcia da petição inicial; e, por fim, e) a ausência de legitimidade passiva e de interesse processual.

Quanto ao mérito, cumpre analisar, precipuamente, a culpa das partes envolvidas no evento danoso e, se devido o dever indenizar, o valor das condenações arbitradas pelo Juízo a quo.

Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á a presente decisão.

I - Da preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade arguida em contrarrazões pela ré:

Em suas contrarrazões, a recorrida adesiva/ré sustenta que o recurso interposto pela autora não pode ser conhecido por ofensa ao princípio da dialeticidade, uma vez que, em síntese, não há correlação entre os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT