Acórdão Nº 0002732-07.2016.8.24.0015 do Quinta Câmara Criminal, 12-03-2020

Número do processo0002732-07.2016.8.24.0015
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemCanoinhas
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0002732-07.2016.8.24.0015, de Canoinhas

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA (ARTIGO 155, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRETENSA CONDENAÇÃO DO ACUSADO. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS CONFIRMADOS PELA CONFISSÃO DO RÉU EM AMBAS AS FASES. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO NA DENÚNCIA E NO DECORRER DO PROCESSO DO QUANTUM DEBEATUR COMO REQUISITO ELEMENTAR DO CRIME DE FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA. ADEMAIS, EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA QUE NÃO ENCONTRA SUPORTE NA APLICAÇÃO ANALÓGICA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS (ARTIGO 34 DA LEI N. 9.249/95). DIVERSIDADE DE TRATAMENTO LEGISLATIVO. DELITO PATRIMONIAL. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. SENTENÇA REFORMADA.

CONTRARRAZÕES. ALEGADO ESTADO DE NECESSIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REQUISITOS DO ARTIGO 24 DO CÓDIGO PENAL NÃO SATISFEITOS. HONORÁRIOS DO DEFENSOR NOMEADO. PRETENSA APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO N. 01/2016 DO CONSELHO SECCIONAL DA OAB/SC, INSTITUÍDA PELO ARTIGO 22, § 1º, DA LEI N. 8.906/1994 (TABELA DE TABELA DE HONORÁRIOS DA OAB/SC). IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO PACIFICADA. TEMA 984/STJ. ENTRETANTO, MAJORAÇÃO OCORRIDA EM RAZÃO DO TRABALHO REALIZADO EM GRAU RECURSAL. VALOR ESTIPULADO DE ACORDO COM O ART. 85, § 2º, § 8º E § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS PARÂMETROS CONFERIDOS PELAS RESOLUÇÕES N. 5 E 11 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA DESTE TRIBUNAL.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

"[...] O crime de furto de energia elétrica mediante fraude praticado contra concessionária de serviço público situa-se no campo dos delitos patrimoniais. Neste âmbito, o Estado ainda detém tratamento mais rigoroso. O desejo de aplicar as benesses dos crimes tributários ao caso em apreço esbarra na tutela de proteção aos diversos bens jurídicos analisados, pois o delito em comento, além de atingir o patrimônio, ofende a outros bens jurídicos, tais como a saúde pública, considerados, principalmente, o desvalor do resultado e os danos futuros. [...] (RHC n. 101.299/RS, rel. p/ acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, j. em 13.3.2019, DJe 04.04.2019).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002732-07.2016.8.24.0015, da comarca de Canoinhas Vara Criminal em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado Flávio Fuck.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para reformar a sentença e condenar o acusado nas sanções do artigo 155, § 3º do Código Penal, à pena de 1 (um) ano de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, em seu valor mínimo legal, a qual, de acordo com o artigo 44, § 2º, in fine do Código Penal, substitui-se por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade (artigos 43, inciso IV, c/c 46, ambos do Código Penal). De ofício, fixar honorários advocatícios ao defensor nomeado à fl. 48, Dr. Clauton Rudy Todt (OAB/SC 37.343), no importe de R$ 270,00 (duzentos e setenta reais), pela atuação em grau recursal.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer.

Tomaram parte na decisão: Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga.

Compareceu à sessão como representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 12 de março de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Canoinhas, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Flávio Fuck, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, § 3º, do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (fls. 01/02):

"[...]

No dia 30 de julho de 2016, em horário a ser precisado no decorrer da instrução, na residência localizada na Vila Tira fogo, sn, Localidade de Tira Fogo, próximo à Gruta do João Maria, Bela Vista do Toldo/SC, o denunciado Flávio Fuck, com ânimo de obtenção de vantagem patrimonial indevida, subtraiu para si energia elétrica, acarretando prejuízos à empresa prestadora do serviço público, as Centrais Elétricas de Santa Catarina - CELESC.

A subtração se deu por meio de procedimento fraudulento executado pelo denunciado Flávio Fuck, que ligou um cabo de energia que saía da residência diretamente no poste localizado em frente ao imóvel, junto à rede de energia, de modo que o consumo não fosse tarifado pela CELESC.

Assim agindo, FLÁVIO FUCK praticou o delito previsto no artigo 155, § 3º, do Código Penal, pelo que requer o Ministério Público o processamento do feito pelo rito previsto no artigo 394, § 1º, inciso I, do Código de Processo Penal, a produção de todas as provas admitidas, em especial a inquirição das pessoas indicadas no rol adiante apresentado, e, por fim, a condenação do denunciado, bem como a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP).

[...]"

Encerrada a instrução, a magistrada a quo proferiu sentença, nos seguintes termos (fls. 105/108):

"[...]

III-DISPOSITIVO: Ante o exposto, ABSOLVO o réu Flávio Fuck, da imputação da prática do crime descrito na denúncia, o que faço com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Com base no princípio da causalidade, considerando que o ato inclusive foi admitido pelo acusado, condeno-o ao pagamento das custas do processo, deferindo desde logo o parcelamento em até 6 (seis) vezes.

[...]"

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação. Nas razões, almejou a reforma da sentença para que o apelado seja condenado nas sanções do artigo 155, § 3º, do Código Penal. Para tanto, sustentou a presença da materialidade e autoria, bem como na possibilidade de condenação do acusado em recente posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 111/120).

Em contrarrazões, o apelado manifestou-se pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença prolatada. Subsidiariamente, requereu a absolvição do réu pela presença do estado de necessidade, com fulcro nos artigos 386, inciso VII do Código de Processo Penal c/c 23, inciso I, do Código Penal. No mais, pugnou pela fixação dos honorários advocatícios no valor de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais) pela atuação em grau recursal, com base na Resolução n. 01/2016, anexo I, em seu item 13 (fls. 125/131).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza, opinando pelo conhecimento do recurso interposto, e no mérito, pelo seu provimento, a fim de que a sentença recorrida seja reformada, para condenar Flávio Fuck nas sanções do artigo 155, § 3º, do Código Penal (fls. 139/146).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1. Ab initio, necessário consignar que a sentenciante absolveu o acusado diante da ausência da comprovação pelo órgão de acusação na peça acusatória, bem como no decorrer da instrução processual, do valor do prejuízo causado à concessionária pela prática do furto de energia elétrica (quantum debeatur), resultando em violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Pois bem.

O Ministério Público almeja a reversão da sentença, para tanto, sustentou a presença da materialidade e autoria, bem como a possibilidade de condenação do acusado em recente posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, ou seja, na desnecessidade da indicação do quantum debeatur como requisito elementar do crime de furto de energia elétrica.

Razão lhe assiste.

Denota-se que a temática ora em discussão, é de se dizer, restou profundamente analisado pelo Procurador de Justiça em manifestação, motivo pelo qual a fim de evitar tautologia e para prestigiar o empenho demonstrado, transcreve-se parte da peça como razões de decidir (fls. 139/146):

"[...]

A materialidade delitiva desponta cristalina do Boletim de Ocorrência de fls. 4-5, das imagens de fls. 6-13, do relatório policial de fls. 22-24, bem como de toda prova oral colhida nos autos.

A autoria, por sua vez, é inconteste e encontra-se demonstrada nos elementos probatórios aparelhados aos autos, especialmente na prova testemunhal produzida em ambas as fases processuais.

O acusado, quando interrogado na fase policial, confessou os fatos, os quais foram confirmados em juízo, relatando que:

Que, relata o interrogado que fez a ligação do rabicho de luz no dia 30/07/2016, dia este em que a CELESC esteve no local após a denúncia de vizinhos; [...] Que, afirma o interrogado que mantém luz em sua casa com gerador pequeno e neste dia 30/07 devido ao gerador ter dado problemas e que seu filho estava adoentado, fez de forma emergencial a ligação do rabicho de luz na rede elétrica [...] (fls. 117, do recurso de apelação do Ministério Público).

No mesmo sentido, a testemunha, Cristiano Ruchinski, funcionário da CELESC na época dos fatos, depôs na fase investigatória no seguinte sentido:

[...] Que, relata o declarante que é funcionário da CELESC e que após denúncia de vizinhos do autos, solicitaram apoio da policia militar para irem até o local para fiscalizarem; Que, chegaram no local constataram que o autor havia ligado um fio elétrico diretamente no posto junto a rede de energia, sem que estivesse autorizado a fazer tal ligação, muito menos solicitou a CELESC para que procedessem o fornecimento de energia; Que, afirma o declarante que a empresa CELESC já teve por outras vezes que se dirigir até a residência do autor para fiscalizar a constataçaõ de furto de energia; Que, afirma o declarante que após a constatação novamente de ligação de energia elétrica irregular, foi novamente efetuado o...

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