Acórdão Nº 0002799-61.2019.8.24.0113 do Segunda Câmara Criminal, 01-02-2022

Número do processo0002799-61.2019.8.24.0113
Data01 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0002799-61.2019.8.24.0113/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: DEOLICE RAMOS JUNIOR (ACUSADO) ADVOGADO: ALEX BLASCHKE ROMITO DE ALMEIDA (OAB SC020149) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Camboriú, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Deolice Ramos Júnior, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos:

[...] Consta do incluso auto de prisão em flagrante que, no dia 13 de julho de 2019, por volta das 23h51min, na Rua Rio Iguaçu, Bairro Cedro, neste Município de Camboriú, após envolver-se em uma discussão com a vítima Marcos David Machado, o denunciado DEOLICE RAMOS JÚNIOR, movido por animus necandi, deixou o local no veículo Fiat/Uno Attractive 1.0, placa OKH-5636 e, minutos após, retornou na posse de uma faca, entrando em luta corporal com a vítima, momento em que desferiu diversos golpes contra ela, que faleceu no local, conforme se denota das fotografias anexadas às fls. 25/37 e auto de exibição e apreensão de fl. 13.

Ressalta-se, ainda, que o denunciado caiu sobre a própria faca, lesionando-se no joelho esquerdo.

Verifica-se que a motivação do crime foi fútil, eis que, segundo uma testemunha, a briga foi originada em razão de dinheiro. [...]

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na exordial acusatória e, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, a Juíza a quo pronunciou Deolice Ramos Júnior, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, caput, do Código Penal (Evento 171).

Inconformada, a Defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito (Evento 179), no qual pleiteia a despronúncia ou a absolvição sumária do Recorrente em razão da insuficiência probatória e ausência de dolo ou reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 184) e mantida a Decisão por seus próprios fundamentos, no moldes do art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 186), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (Evento 9 - autos em Segundo Grau).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Almeja o Recorrente a despronúncia ou absolvição sumária sob o argumento de insuficiência probatória e ausência de dolo ou reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa. Contudo, razão não lhe assiste.

Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).

É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.

Nesse sentido, colhe-se desta Câmara, o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, de Relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART. 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. - grifei

Do corpo do acórdão, extrai-se:

A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.

Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.

Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.

Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.

Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática. - grifei

Fixada esta premissa, isto é, de que na fase do judicium accusationis deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio simples (art. 121, caput, do Código Penal), no qual o Recorrente foi dado como incurso, para fins de pronúncia.

Destaque-se que "a impronúncia deve respeitar o raciocínio inverso ao da pronúncia, vale dizer, enquanto esta demanda a prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, aquela exige o oposto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 119-120).

Pois bem.

Extrai-se dos autos que a materialidade e os indícios suficientes da autoria podem ser verificados através do Auto de Prisão em Flagrante (Evento 1, P_FLAGRANTE2), Boletim de Ocorrência (Evento 1, REGOP3-7), Auto de Exibição e Apreensão (Evento 1, BUSCA13), fotografias (Evento 1, INF25-37), Laudo Pericial em local de homicídio (Evento 58), Laudos Periciais de pesquisa de sangue (Evento 130 e 133), Laudo Pericial Cadavérico (Evento 149) e prova oral colhida.

O Recorrente, em juízo, confessou ter desferido um golpe de faca contra o ofendido, alegando ter agido em legítima defesa:

[...] nesse dia o que aconteceu é que eu estava lá no bar e eu tinha emprestado um dinheiro para o Nei, frequentador do bar ali, até então eu fui conversar com ele (Nei) sobre quando ele iria pagar [...] era em torno de R$1.500,00 [...] ele (Nei) tinha me passado que ia pagaria a dívida na próxima semana [...] esse tal de Marcos entrou na confusão [...] nunca vi Marcos na vida [...] eu nem sabia que ele morava ali perto, diz que ele foi até a casa dele e voltou, bateu atrás do meu carro, foi onde eu retirei meu carro, eu não sai em nenhum momento dali, eu só retirei por causa da confusão [...] eu estava com a faca desde o...

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