Acórdão Nº 0002836-84.2017.8.24.0040 do Segunda Câmara Criminal, 26-07-2022

Número do processo0002836-84.2017.8.24.0040
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0002836-84.2017.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: ANTONIO CESAR DA SILVA LAUREANO (RÉU) ADVOGADO: MAURICIO SALVADORI CARVALHO DE OLIVEIRA (OAB SC013303) ADVOGADO: VIDAL VANHONI FILHO (OAB SC013725) ADVOGADO: DANIEL DE LEBARBENCHON SALVADORI (OAB SC015730) APELANTE: AMILTON FRANCIONI MARTINS (RÉU) ADVOGADO: JOHAN JAMES VIEIRA GERBER (OAB SC034795) APELANTE: ADAO GONCALVES DA LUZ (RÉU) ADVOGADO: VILSON ROBERTO DA SILVEIRA MEDEIROS (OAB SC019859) APELANTE: ANTONIO NOEL NAVARRO MONTEIRO (RÉU) ADVOGADO: ALEX SANDRO SOMMARIVA (OAB SC012016) APELANTE: LUIS CARLOS DA SILVA (RÉU) ADVOGADO: ROGER DA SILVA HENRIQUE (OAB SC018137) ADVOGADO: THIAGO ROSA DA LUZ (OAB SC048575) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Laguna, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Antônio Noel Navarro Monteiro, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 312, § 1º, c/c o 71, caput, e 317, § 1º; Antônio César da Silva Laureano, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 312, § 1º, por duas vezes, 317, § 1º, por duas vezes, e 321, caput; Amilton Francioni Martins e Luis Carlos da Silva, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 312, § 1º; e Adão Gonçalves da Luz e Ricardo Netto Amboni, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 333, caput, uns e outros do Código Penal, nos seguintes termos:

1- Breve histórico da investigação

A investigação teve início com a instauração do presente inquérito policial, após requisição ministerial, em razão de ter sido formulada denúncia junto à Ouvidoria do Ministério Público (fl. 4, do IP), noticiando que o denunciado Antônio Noel Navarro Monteiro estava desviando materiais de obras da prefeitura de Laguna e do Colégio Estadual Almirante Lamego (Ceal).

A denúncia mencionava que no dia 24 de março de 2017 (fl. 6, autos da interceptação telefônica 1261-41.2017), um caminhão de lajotas teria saído do colégio Ceal e se dirigido para a casa do sogro do denunciado Noel (localizada na Rua Arno Grunner, Laguna) e que por volta das 18 horas daquele mesmo dia, havia chegado um caminhão com tijolos, ferro e cimento pertencentes à prefeitura, bem como portas e janelas do Colégio Ceal, no sitio Três Marias, localizado no Sertão da Maricota, em Pescaria Brava, pertencente ao denunciado Noel, embora esteja em nome do sogro.

Foi realizada campana no colégio Ceal, no sitio do denunciado Antônio Noel Navarro Monteiro e na casa de seu sogro, sendo constatado que realmente todos estes locais estavam em obras e que havia pilhas de lajotas já usadas, além de blocos de concreto, areia, cimento, ferro e brita depositados nos imóveis. Inclusive, em campana no colégio Ceal, foram verificadas pilhas de lajotas usadas, idênticas às que estavam no sitio do denunciado Noel (fl. 17, do IP).

Diante disso, foi solicitada a interceptação telefônica deste e de seu sogro, deferida em junho de 2017, nos autos 0001261-41.2017.8.24.0040 e, em razão das escutas telefônicas, em julho de 2017, surgiu a necessidade de prorrogação e inclusão de outros números, inclusive do denunciado Antônio César da Silva Laureano.

A partir de então que se descobriu a prática de uma série de delitos contra à Administração Pública, bem como fraudes a licitações e concurso público e, após deferimento do compartilhamento de provas, foram também instaurados os inquéritos policiais 0002834-17.2017.8.24.0040 e 0002835-02.2017.8.24.0040, objeto da Operação Seival, deflagrada em Laguna, pela Policia Civil.

No curso das interceptações telefônicas e monitoramentos, levados a efeito com autorização judicial, restaram evidenciadas inúmeras práticas delitivas, bem como o modus operandi dos denunciados Noel e Tono Laureano, os quais aproveitavam o cargo público que ocupavam para favorecer seus interesses ou dos que lhes eram próximos.

A propósito, usar a estrutura do erário municipal para favorecer interesse próprio, era o que geria o pensamento dos dois denunciados e, apenas para ilustrar, cita-se parte do conteúdo de uma conversa telefônica travada entre Tono Laureano e seu filho Antônio Michel Graboski Laureano (indiciado no Inquérito Policial 0002834-17.2017.8.24.0040), ocorrida no dia 02 de setembro de 2017, às 12h10min., conforme fls. 182-183, autos interceptação telefônica nº 0001261-41.2017.8.24.0040:

[...]

02/09/2017

12:10

Michel: Tá onde?

Tono: Estou indo almoçar.

Michel: Que é se brigaram?

Tono: Sim, ela quer que eu fique em casa parado dentro de casa; tenho serviço; O B. A. (funcionário da Secretaria de Obras) está lá, eles estão terminando um açude lá, para mim ganhar um trocadinho.

Michel: Pois é, eu estava conversando com o Edilson, a nossa oportunidade é agora, temos que aproveitar esses quatro anos, que daqui a poco o mandato acaba.

Tono: é se não aproveitar se fode.

Além disso, estes dois denunciados tinham forte ingerência sobre o Legislativo local, cabendo ao denunciado Noel, enquanto representante do Executivo, a tarefa de dialogar com os vereadores, já que as interceptações telefônicas demonstram que o prefeito municipal somente conversava com Presidente da Câmara de Vereadores (fl. 48, autos interceptação 1261-41.2017) e a Tono Laureano cabia a tarefa de aglutinar aliados, já que ocupava o cargo de Secretário de Pesca, mas era vereador licenciado, de modo que costumeiramente se exonerava do executivo e assumia sua cadeira no Legislativo, quando havia interesse na aprovação de determinados projetos. E assim iam conseguindo, na base da troca de favorecimentos, incluindo a concessão de cargos públicos aos indicados pelos vereadores, a aprovação de projetos de lei de seus interesses. E considerando a diversidade de fatos criminosos monitorados, muitos dos quais desvinculados dos fatos objeto do presente inquérito policial, é que foram instaurados procedimentos investigatórios diversos, resultando na instauração deste inquérito policial, bem como nos inquéritos policiais 0002834-17.2017.8.24.0040, que apura crimes de fraude em licitação, corrupção e concurso público municipal e organização criminosa e 0002835-02.2017.8.24.0040, que apura fraude em concurso público municipal.

Abaixo, a descrição dos fatos criminosos apurados nestes autos:

II - Do peculato - desvio de materiais do Ceal

Conforme se extrai do procedimento em anexo, ao tempo do cometimento das infrações, o denunciado Antônio Noel Navarro Monteiro ocupava o cargo de chefe de gabinete do prefeito municipal de Laguna, assumido em 02 de janeiro de 2017 (Portaria 036/2017). Além disso, antes de ocupar referido cargo junto ao município de Laguna, ele ocupou cargo de confiança junto à Agência de Desenvolvimento Regional (ADR) de Laguna, quando o atual prefeito, Mauro Vargas Candemil, era o secretário da referida regional.

Nesta condição e aproveitando-se da confiança em si depositada, bem como do fato de ter autonomia para agir dentro do município, utilizou seu cargo para favorecer interesse de terceiros e também para se apropriar de bens públicos.

Aliás, havia tomado posse no cargo municipal há poucos dias, quando já começaram surgir as primeiras denúncias contra ele, pois em 28 de março de 2017 uma denúncia formulada na Ouvidoria do Ministério Público indicou que Noel estava desviando um caminhão com lajotas, ferro e cimento da prefeitura para seu sítio, além de portas, janelas e lajotas da reforma do Colégio Almirante Lamego - Ceal.

Sobre esta reforma, necessário esclarecer que quando o denunciado Noel ainda trabalhava na SDR de Laguna, este órgão lançou um edital de Licitação n. CC054/2014, em que houve fraude no processo licitatório, com violação dos envelopes e supressão de documentos (objeto de apuração na Ação Penal 002020-73.2015.8.24.0040, cujos denunciados são o representante da empresa e o secretário regional da época), já que a licitação estava direcionada para tornar vencedora a empresa cuja proposta de preço seria a quarta colocada (E. S. E. Construções Ltda.).

Com a descoberta da fraude, por uma das empresas que participavam do certame, a licitação foi cancelada, mas lançado outro edital (Concorrência Edital nº 004/2016, Processo Licitatório nº 91/2016- SDR 19, 5771/2015), sagrando-se vencedora a mesma empresa: E. S. E. Construções Ltda.

Assim, foi firmado em 16 de agosto de 2016, o contrato 087/2016, entre o Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado da Educação e a empresa E. S. E. Construções Ltda., cujo objeto é a "Reforma geral área 4.468,00m², Ampliação área 792,40m², Reforma do Ginásio área 1.020,85m² e Construção da Torre de Caixa D'água da EEM Almirante Lamego para atender o Ensino Inovador, no Município de Laguna/SC", no valor de R$ 5.418.975,35 (documento em anexo).

Por óbvio, tratando-se quase a totalidade do contrato de reforma e sendo a escola pública, os materiais que dela eventualmente tenham sido retirados pertencem ao patrimônio do Estado de Santa Catarina, cabendo ao ente público dar ao material a destinação que entender conveniente (no caso se constatar se tratarem de bens inservíveis) ou utilizar em outro local, não cabendo à empresa executora do contrato dispor dos objetos como bem entender, como no caso dos autos, em que vários objetos e materiais foram retirados daquela obra, aos poucos para não chamar atenção, indo parar nos imóveis do denunciado Noel.

E como o denunciado Antônio Noel Navarro Monteiro ainda estava trabalhando na ADR de Laguna quando houve a licitação para reforma da Escola Estadual Almirante Lamego (Ceal), o conteúdo das conversas telefônicas denota certo grau de proximidade entre ele e a empresa contratada, situação que facilitou o desvio dos materiais, pois embora não tivesse a posse dos materiais que eram destinados à reforma do colégio e dos materiais que foram retirados da obra, o denunciado concorreu para que fossem subtraídos, em proveito próprio, valendo-se das facilidades que tinha em razão de ser funcionário público.

Extrai-se do inquérito policial...

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