Acórdão Nº 0002886-34.2014.8.24.0067 do Quinta Câmara Criminal, 12-11-2020

Número do processo0002886-34.2014.8.24.0067
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemSão Miguel do Oeste
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0002886-34.2014.8.24.0067, de São Miguel do Oeste

Relator: Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E FALSO TESTEMUNHO CIRCUNSTANCIADO (ARTS. 299, CAPUT, E 342, § 1º, AMBOS DO CP). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEFESA.

PRELIMINARES. PLEITEADA REMESSA DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU PARA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO ANALISE A POSSIBILIDADE DE PROPOSTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (CPP, ART. 28-A). DESCABIMENTO. NORMA BENÉFICA QUE VISA IMPEDIR O INÍCIO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA EM MOMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 13.964/2019. PERSECUÇÃO PENAL JÁ ENCERRADA NO PRESENTE CASO. SENTENÇA CONDENATÓRIA JÁ PROLATADA. PREJUDICADA A FINALIDADE DO INSTITUTO NO ATUAL MOMENTO PROCESSUAL. PRECEDENTES DESTA CORTE. INSTITUTO INAPLICÁVEL. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. INSUBSISTÊNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE TORNA PREJUDICADA A TESE. ADEMAIS, REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP VERIFICADOS. INICIAL QUE INDICA LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DOS FATOS OBJETOS DA DENÚNCIA. PREFACIAIS AFASTADAS.

MÉRITO. ALMEJADA ABSOLVIÇÃO. DEFENDIDA VERACIDADE DAS DECLARAÇÕES. NÃO OCORRÊNCIA. IMAGENS DE VIDEOMONITORAMENTO QUE DESMENTEM O DEPOIMENTO DO ACUSADO EM INQUÉRITO POLICIAL. PALAVRA DE TESTEMUNHA, ALIADA A DE POLICIAL MILITAR, EM SENTIDO CONTRÁRIO AO QUE FOI AFIRMADO PELO RÉU. ADUZIDA AUSÊNCIA DE DOLO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A INTENÇÃO DO RÉU EM FALSEAR/CALAR A VERDADE SOBRE CRIME DE TRÂNSITO ENVOLVENDO SEU AMIGO. AVENTADO DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. DECLARAÇÕES QUE NÃO TINHAM O CONDÃO DE COMPROMETER CRIMINALMENTE O RÉU. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO PODERIA SER SUJEITO ATIVO DO DELITO DE FALSO TESTEMUNHO. RÉU QUE FIRMOU COMPROMISSO NA FASE POLICIAL. CONDIÇÃO DE AMIGO ÍNTIMO QUE NÃO DISPENSA A OBRIGAÇÃO DE DEPOR COMO TESTEMUNHA. ROL TAXATIVO DO ART. 206 DO CPP. CONDENAÇÃO MANTIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002886-34.2014.8.24.0067, da comarca de São Miguel do Oeste Vara Criminal em que é/são Apelante(s) Edson Rizzi e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer (presidente) e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cesar Schweitzer.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Doutor Carlos Henrique Fernandes.

Florianópolis, 12 de novembro de 2020.




Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

Relator





RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Edson Rizzi, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 299, caput, e 342, § 1º, ambos do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (fls. 126-127):


Fato 1

Na madrugada do dia 10 de maio de 2014, na avenida Willy Barth, nas proximidades da Zappy Club, no município de São Miguel do Oeste/SC, o denunciado Edson Rizzi inseriu declaração falsa em documento público com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Segundo consta, a fim de robustecer a prova em favor de Rafael Lucion e evitar a sua responsabilização criminal, ao preencher o boletim de ocorrência de acidente de trânsito com seu relato individual, o denunciado falsamente declarou que presenciou o atropelamento da vítima Luiz Carlos Konflanz e que percebeu que "o motorista do carro foi surpreendido não tendo tempo de desviar" (fl. 12).

Fato 2

No dia 10 de junho de 2014, na Delegacia de Polícia de São Miguel do Oeste, localizada na rua Rodolfo Spier, 320, bairro Sagrado Coração de Jesus, município de São Miguel do Oeste/SC, o denunciado Edson Rizzi fez afirmação falsa e calou a verdade como testemunha nos autos do procedimento criminal n. 0002762-51.2014.8.24.0067, instaurado a partir da portaria n. 25.14.00070.

Extrai-se dos autos que o referido procedimento foi instaurado a fim de apurar a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, CTB) praticado por Rafael Lucion contra a vítima Luiz Carlos Konflanz em 10 de maio de 2014.

Segundo consta, na oportunidade em que foi ouvido como testemunha, o denunciado fez afirmação falsa ao declarar que a vítima caminhava sobre o canteiro central em sentido à pista, bem como ao afirmar que não viu Rafael ingerir bebida alcoólica naquela noite, além de calar a verdade ao ser questionado especificamente sobre Rafael ter parado em algum lugar para consumir bebida alcoólica na fatídica noite (fls. 56-57).


Recebida a denúncia (fls. 129-130), e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (fls. 268-287), na qual foi julgada parcialmente procedente a pretensão Ministerial para condenar o réu à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 12 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 342 do Código Penal, e absolvê-lo da imputação da conduta prevista no art. 299, caput, do mesmo diploma legal.

A sanção corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 316-331), no qual pleiteou, preliminarmente, pela declaração de nulidade da decisão de recebimento da denúncia, ao argumento de que a peça acusatória seria inepta, por não detalhar os motivos que revelavam a falsidade das declarações do acusado.

No mérito, postulou por sua absolvição, em razão da atipicidade da conduta, sob o fundamento de que as afirmações feitas pelo acusado não seriam falsas e que, mesmo que fossem, o acusado estaria protegido pelo princípio da não autoincriminação. Além disso, aduziu que as declarações que ofereceu, ainda que fossem consideradas inverídicas, seriam irrelevantes, porquanto não prejudicaram a elucidação dos fatos, bem como que não houve dolo de sua parte, porque narrou o que acreditava ter acontecido.

Por fim, aventou que não pode ser sujeito ativo do crime de falso testemunho, pois, por ser amigo íntimo de Rafael, não teria obrigação de firmar compromisso ao depor sobre este.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 335-347.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Fábio Strecker Schmitt, o qual se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 353-363).

Houve o julgamento do recurso, por esta Câmara Criminal, em 23-4-2020 (fls. 373-390).

Foram, então, opostos embargos de declaração em face da decisão colegiada, pleiteando sua anulação, porquanto não havia sido apreciado o pedido da defesa para realização de sustentação oral na sessão de julgamento do apelo (fls. 1-4 dos autos dependentes).

Os aclaratórios foram acolhidos para declarar a nulidade do acórdão proferido às fls. 373-390 (fls. 19-23 dos autos dependentes) e os autos vieram conclusos para designação de nova data de julgamento por este Órgão Fracionário (fls. 397 e 398).

Após o pedido de designação de data para julgamento (fl. 403), a defesa colacionou petição (fls. 405-407), na qual aduziu que o acusado faria jus à proposta de acordo de não persecução penal, em razão da retroatividade da lei penal mais benéfica, uma vez que a Lei n. 13.964, publicada em 24-12-2019, incluiu o art. 28-A no Código de Processo Penal, que prevê o novo instituto, motivo pelo qual requereu a remessa dos autos ao Promotor de Justiça de primeiro grau, para que, entendendo cabível, ofereça o aludido acordo.

Este é o relatório.





VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, o recurso interposto merece ser conhecido e desprovido, senão vejamos.


1 Preliminares

1.1 Acordo de não persecução penal

Às fls. 405-407, o acusado apresentou petição em que requereu a remessa dos autos ao Ministério Público de primeiro grau, a fim de que lhe fosse oportunizada a oferta de proposta do acordo de não persecução penal – instituto incluído no art. 28-A do Código de Processo Penal, em 24-12-2019, pela Lei n. 13.964.

Por óbvio, não se ignora que a Lei n. 13.964/2019, que incluiu o aventado art. 28-A no CPP, ainda não havia sido publicada quando da interposição do apelo.

Ocorre que, de toda sorte, o pleito defensivo não comporta acolhimento, porquanto incabível no presente caso.

Isso porque, da simples leitura do art. 28-A do Código de Processo Penal, nota-se que a proposição do acordo de não persecução penal ocorre durante a fase investigatória, uma vez que o Ministério Público, após a elaboração do relatório do inquérito e preenchidos os requisitos elencados no dispositivo, poderá propor o referido acordo a fim de evitar o início da instrução processual criminal.

Pois bem, no caso em apreço, diante do vasto transcurso do feito, com a ação penal iniciada em 26-11-2014 (fls. 129-130) e a sentença condenatória proferida em 8-3-2017 (fls. 268-287) e publicada em 13-3-2017 (fl. 288) – mais de dois anos antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019 –, não há cabimento no retorno dos autos à origem para propor acordo de não persecução penal.

Afinal, se a disciplina atual tem a finalidade de que o beneficiado pelo acordo sequer seja submetido ao processo judicial, seria ilógico anular todo o feito depois de encerrada a persecução penal – a qual, deve-se assinalar, não se confunde com o trânsito em julgado da ação –, para analisar a possibilidade de sequer ter-se iniciado a ação penal.

Com efeito, a exposição de motivos do...

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