Acórdão Nº 0002904-63.2004.8.24.0016 do Segunda Câmara de Direito Público, 18-10-2022

Número do processo0002904-63.2004.8.24.0016
Data18 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 0002904-63.2004.8.24.0016/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA

APELANTE: DARCI VIEIRA LOPES (AUTOR) APELANTE: MUNICÍPIO DE CAPINZAL-SC (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela parte autora e pelo ente municipal em face da sentença proferida pela. MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara da Comarca de Capinzal, que julgou parcialmente procedente a pretensão inicial, conforme se extrai de sua parte dispositiva:

"Pelo exposto, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial da presente ação para:

a) RECONHECER o direito da parte autora ao recebimento das horas extras laboradas além das 40 (quarenta) horas semanais, nos exatos termos da fundamentação, cujo montante deverá ser apurado na fase de liquidação de sentença;

b) CONDENAR o réu ao pagamento, a partir de 27/10/1999, tendo em vista o reconhecimento da prescrição quinquenal, das horas extraordinárias laboradas, calculadas de acordo com os parâmetros elencados na fundamentação, com reflexos sobre a gratificação natalina e férias acrescida do respectivo terço.

As prestações vencidas e não pagas deverão ser acrescidas de correção monetária pelo IPCA-E a partir da data em que o pagamento deveria ter sido realizado, além de juros de 0,5% ao mês a contar da citação (art. 405 do CC/02 e art. 240, caput, do CPC) (17/12/2004, doc. 287), até 30/06/2009, quando deverão observar os índices oficiais aplicados à caderneta de poupança, de acordo com a Lei n. 11.960/09 (RE 870.947 e REsp 1.492.221).

Arbitro os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Dada, porém, a sucumbência recíproca - a parte autora teve um de seus pedidos julgado improcedente -, a distribuição dos ônus sucumbenciais deve se dar na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada uma das partes, observando-se, quanto à autora, a gratuidade da justiça, e quanto ao réu, a isenção de custas (art. 7º, inc. I, da Lei n. 17.654/18).

Considerando que o ônus de arcar com os honorários periciais recaiu parcialmente sobre parte beneficiária da justiça gratuita, intime-se o Estado de Santa Catarina para que, no prazo de 15 (quinze) dias, providencie o pagamento da sua parcela dos honorários periciais, ou seja, 50% (cinquenta por cento) sobre R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), referentes à perícia no ambiente de trabalho (doc. 1001/1002), e sobre R$ 3.850,00 (três mil oitocentos e cinquenta reais), relativos à perícia contábil (evento 232), sob pena de sequestro.

De igual modo, intime-se o réu para que, no prazo de 15 (quinze) dias, providencie o pagamento da sua parte dos honorários periciais, na proporção estabelecida no parágrafo anterior, sob pena de sequestro.

Oportunamente, expeça-se alvará judicial para liberação dos honorários periciais em favor dos peritos.

Lance-se, nos registros de autuação do sistema eproc, a penhora no rosto dos autos levada a efeito nos doc. 1064/1069.

Sentença sujeita à remessa necessária (art. 496, inc. I, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, aguarde-se o cumprimento voluntário do julgado e, nada sendo requerido, arquivem-se os autos.

Em suas razões de insurgência, o autor defende "que fins de quantificação do valor salário-hora deve ser utilizado o divisor de 200" (Evento 318, APELAÇÃO1).

Por sua vez, o ente municipal rebate a sua condenação ao pagamento de horas extras, argumentando que a legislação previa prévia autorização para labor em sobrejornada, sempre limitado ao máximo de 60 horas extras mensais.

Sustenta, no mais, haver impedimento de cumulatividade entre as diárias pagas e horas extras. Defende, ainda, ser impossível a condenação em horas extras em viagens com base nos roteiros e horários de saída e chegada.

No mais, argumenta que, quanto ao período de 27/10/1999 a 31/12/2000, "é inaplicável a presunção de veracidade prevista no art. 400 do CPC, quando o pleito se refere ao pagamento de vantagens aos servidores públicos, tendo em vista que os bens e direitos da fazenda pública são indisponíveis".

Por fim, pugna pela minoração do quantum do valor dos honorários de sucumbência e provimento do reclamo (Evento 323, APELAÇÃO1).

Com as contrarrazões (Eventos 327 e 330), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Afiguram-se cabíveis os recursos, porquanto tempestivos e preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 1.009 e seguintes do CPC.

2. Recurso de apelação do ente municipal:

2.1. Prévia autorização e limitação legal da sobrejornada:

O ente municipal defende que a realização de horas extras depende de prévia autorização do superior hierárquico e está limitada à realização de 60 horas extras mensais.

A Lei Complementar n. 006/1991, que dispõe sobre o Estatuto e o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Capinzal, dispõe no caput do seu art. 37, que "O ocupante de cargo de provimento efetivo fica sujeito a quarenta horas semanais, salvo quando disposto diversamente em Lei ou regulamento próprio", sendo, ainda, permitida a prestação de serviço extraordinário, desde que previamente autorizada (§ 2º).

Segundo o Plano de Cargos e Carreiras, disciplinado, à época do período discutido, pela Lei Complementar n. 022/1995, limitava-se "em 60 (sessenta) o montante máximo de horas extras prestadas mensalmente por um servidor do Município, ressalvados nos casos de calamidade pública existente no Município, quando assim decretada" (caput do art. 32).

O autor exercia o cargo de motorista e estava lotado, a partir de 10/05/1995, na Secretaria da Saúde e Bem-Estar Social, com jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, realizando, em razão disso, viagens para cidades vizinhas e a grandes centros urbanos.

Como sua jornada extrapolava as 40 horas semanais, percebia em sua folha de pagamento, independentemente do número de horas laboradas, 60 horas mensais, sendo que, cumumente, metade era pago à razão de 50% sobre o valor da hora e a outra metade à razão de 80% (Evento 223, ANEXO328, 342, 356, 370, 384).

De primeiro plano, a limitação legal do número de horas extras tem como função proteger a saúde do servidor, a fim de não sujeitá-lo a jornadas laborais extensas, mas isso não pode limitar o pagamento da jornada efetivamente realizada, sob pena de locupletamento indevido da Administração Pública.

Nessa lógica, o labor extraordinário deve ser remunerado por completo, na exata medida em que foi realizado, pois "do contrário haveria violação ao princípio da valorização social do trabalho (CR, art. 1º, IV) e àquele que coíbe o locupletamento com o trabalho alheio (Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. XXIII)" (TJSC, Ap. Cível 2009.008454-6, rel. Des. Newton Trisotto, j. em 06.10.2009).

Mudando o que deva ser mudado:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DE COBRANÇA. POLICIAL CIVIL. INDENIZAÇÃO DE ESTÍMULO OPERACIONAL POR HORAS EXTRAS. LIMITAÇÃO A 40 HORAS EXTRAS MENSAIS. OBRIGAÇÃO DE PAGAR PELAS HORAS EXCEDENTES. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR NOS MESES EM QUE O POLICIAL NÃO LOGROU EXECUTAR AS 40 HORAS EXTRAORDINÁRIAS MENSAIS. LIMITAÇÃO TEMPORAL. IMPLANTAÇÃO DO SUBSÍDIO PELA LEI COMPLEMENTAR n. 611/2013. ENTENDIMENTO UNIFORME DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO. PLEITO RECURSAL DE NÃO INCIDÊNCIA DE REFLEXOS DE GRATIFICAÇÃO NATALINA E FÉRIAS SOBRE OS VALORES DA CONDENAÇÃO. PARTE APELADA QUE, EM CONTRARRAZÕES, AQUIESCE COM TAL PRETENSÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA. Comprovado o trabalho além da jornada normal, tem o policial civil direito ao pagamento pelas horas extras realizadas, mesmo aquelas que excedem as quarenta (40) horas mensais previstas como limite máximo, em decreto limitador, uma vez que o Estado não pode locupletar-se indevidamente à custa do trabalho alheio sem quebrar o princípio da moralidade. A indenização de estímulo operacional em face da realização de horas extras, por agente policial civil, deve ser paga somente até o advento da Lei Complementar Estadual n. 611/2013, que fixou novo regime de remuneração da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, ao implantar o sistema de subsídio e instituir gratificação específica que abrange o trabalho em horário extraordinário" (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0501043-35.2012.8.24.0135, de Navegantes, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 26-05-2020).

Quanto à prévia autorização, ainda que a legislação local a exija expressamente, o que se verifica é que, pela própria rotina de viagens, já era pago mensalmente o importe equivalente a 60 horas extras. Logo, a prévia autorização estava implícita na própria rotina de trabalho do servidor sujeito à realização de viagens intermunicipais.

Aliás, não parece crível que um motorista de ambulância intermunicipal, que recebe diárias apenas como contraprestação à alimentação e à hospedagem suportados durante os deslocamentos, dependa de autorização para efetivar horas extras, quando estas se mostram inerentes à...

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