Acórdão Nº 0002951-28.2013.8.24.0014 do Quarta Câmara Criminal, 01-10-2020

Número do processo0002951-28.2013.8.24.0014
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemCampos Novos
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0002951-28.2013.8.24.0014, de Campos Novos

Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO CP) E SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ART. 305, CAPUT, DO CP). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PLEITO CONDENATÓRIO. PROCEDÊNCIA. DELITO DE ESTELIONATO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. ACUSADO QUE SE PASSAVA POR ADVOGADO E, LUDIBRIANDO VÍTIMA IDOSA, LOGROU ÊXITO EM OBTER VANTAGEM FINANCEIRA, SOB O ARGUMENTO DE QUE DARIA ENTRADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO JUNTO AO INSS. DEPOIMENTO DA OFENDIDA E RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADOS NA FASE INQUISITORIAL DEVIDAMENTE RATIFICADOS EM JUÍZO POR MEIO DA PROVA ORAL COLHIDA. ADEMAIS, VÍTIMA QUE FALECEU NO CURSO DA INSTRUÇÃO. PROVA NÃO REPETÍVEL. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.

SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. ACUSADO QUE SUPRIMIU/OCULTOU A CARTEIRA DE TRABALHO DE FUNCIONÁRIA DO SEU FALSO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INTENÇÃO DE OCULTAR O DOCUMENTO, A FIM DE NÃO REVELAR SUA VERDADEIRA IDENTIDADE OU DE NÃO PRATICAR OUTRO CRIME DEVIDAMENTE CARACTERIZADA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE NÃO DEIXAM DÚVIDAS ACERCA DO PREENCHIMENTO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO IMPERIOSA. SENTENÇA REFORMADA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002951-28.2013.8.24.0014, da comarca de Campos Novos (Vara Criminal) em que é Apelante o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado Marcelo Paitinger de Figueiredo.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do reclamo e dar-lhe provimento, para condenar Marcelo Paintinger de Figueiredo ao cumprimento da pena de 4 (quatro) anos, 6 (seis) meses e 28 (vinte e oito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 31 (trinta e um) dias-multa, no mínimo valor legal, por infração aos arts. 171, caput, e 305, caput, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Alexandre d'Ivanenko, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Zanini Fornerolli. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho.

Florianópolis, 1º de outubro de 2020.

Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Campos Novos, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Marcelo Paintinger de Figueiredo, imputando-lhe a prática dos delitos capitulados no art. 171, caput, c/c o art. 61, II, "h", e no art. 305, caput, todos do Código Penal, pois, segundo consta na inicial (fls. 1-2):

No decorrer do ano de 2012, em horário a ser esclarecido durante a instrução processual, o denunciado Marcelo Paintinger de Figueiredo estabeleceu falso escritório de advocacia na Rua Marechal Deodoro, ao lado do estabelecimento "Mercado Toigo", Centro, neste Município de Campos Novos/SC, oportunidade em que, mediante a utilização de ardil, uma vez que simulava ser advogado, induziu em erro a vítima Gelgy Joana Tonial da Silva, com 76 [setenta e seis] anos à época dos fatos, ao afirmar que lograria êxito em conseguir benefício junto ao INSS para seu filho Amilton Sezar Ferreira da Silva. Foi assim que, nessas condições, no dia 19 de março de 2012, a vítima Gelcy Joana Tonial da Silva entregou a quantia de R$ 4.727,00 [quatro mil setecentos e vinte e sete] reais para o denunciado Marcelo, referente ao pagamento de suposta dívida que Amilton Sezar Ferreira da Silva teria junto ao INSS, obtendo assim vantagem ilícita em prejuízo da vítima Gelcy Joana Tonial da Silva.

Se não bastasse, no decorrer do mês de janeiro do ano de 2012, o denunciado Marcelo Paintinger de Figueiredo contratou a vítima Aline Aragão Ribeiro para ser funcionária de seu falso escritório, e assim, após solicitar sua Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, suprimiu e ocultou o referido documento em prejuízo da vítima Aline Aragão Ribeiro (grifo no original).

Finalizada a instrução, o Magistrado a quo julgou improcedente o pedido formulado na denúncia e, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, absolveu o réu das imputações que lhe foram feitas (fls. 281-287).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o Ministério Público interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou a condenação do acusado, nos termos da exordial acusatória, sustentando a suficiência de provas para embasar o pleito (fls. 307-310).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 307-322), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio da Exma. Dra. Jayne Abdala Bandeira, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do reclamo (fls. 332-342).

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se à análise do seu objeto.

1 O Ministério Público pugna pela condenação do réu, nos termos da denúncia, porquanto há nos autos provas suficientes para demonstrar a prática do crime.

Com razão.

1.1 Do delito de estelionato

Pelo que se infere dos autos, no ano de 2012, Marcelo Paintinger de Figueiredo, passando-se falsamente por advogado, pois se identificava como João Marcelo Capuano Mariense, inclusive com escritório estabelecido na Rua Marechal Deodoro, Centro, em Campos Novos/SC, induziu em erro a vítima Gelcy Joana Tonial da Silva, de 76 (setenta e seis) anos de idade, pois afirmou que conseguiria obter benefício junto ao Instituto Nacional da Previdência Social (INSS) em favor de Amilton Sezar Ferreira da Silva, filho da ofendida, o qual havia sofrido um derrame.

Então, o suposto advogado comunicou à ofendida que necessitaria de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para saldar uma dívida que Amilton possuía com o INSS. No entanto, disse que, em razão da doença, a quantia de R$ 4.727,00 (quatro mil setecentos e vinte e sete reais) seria suficiente.

Com isso, no dia 19 de março de 2012, Gelcy entregou ao apelado o referido montante a fim de que ingressasse com o procedimento administrativo pertinente junto à autarquia.

A materialidade e autoria delitivas estão comprovadas por meio do boletim de ocorrência (fl. 4), do recibo de pagamento (fls. 7-8), dos termos de reconhecimento de pessoa por foto (fls. 24 e 26), além da prova oral colacionada aos autos.

Na fase administrativa, o réu exerceu o direito constitucional de permanecer em silêncio (fl. 44).

Sob o crivo do contraditório, o acusado rechaçou a prática delitiva. Disse que nunca exigiu valores de Gelcy e que apenas a encaminhou para atendimento no CRAS, pois realizava assessoramento extrajudicial. No mais, negou se apresentar como advogado, porém confirmou que se passava pelo advogado João Marcelo Capuano na cidade de Lages/SC, o qual sabia que sua identidade estava sendo utilizada, pois possuíam um acerto, no sentido de que o réu faria alguns serviços, como, por exemplo, comparecimento a audiências, sendo os valores divididos entre ambos (interrogatório audiovisual, fl. 152).

No entanto, sua negativa revela-se dissociada dos demais elementos probatórios.

A ofendida, Gelcy Joana Tonial da Silva, na fase embrionária, narrou com detalhes a conduta do acusado, asseverando que (fls. 11-12):

[...] no mês de março do corrente ano encontrou na rua um panfleto com informações referentes a serviços de advocacia prestados pelo advogado João Marcelo C. Mariense; Que a declarante se interessou pelos serviços indicados no panfleto pois seu filho havia sofrido um derrame e não estava recebendo os benefícios que tinha direito; que, a declarante telefonou no número indicado no panfleto e marcou um horário com o advogado; que, João era muito falante e enfatizou que tudo iria dar certo, ou seja, o filho da declarante iria ganhar os benefícios que tinha direito; Que, João disse a declarante que teria que pegar um atestado médico particular sobre o estado de saúde de seu filho, motivo pelo qual a declarante pediu para ele o acompanhasse até o médico; que, João diante do pedido da declarante, disse que o atestado de saúde fornecido pelo Hospital que a declarante tinha em mãos seria o adequado, dizendo que não necessitava mais o atestado pedido anteriormente; Que, a declarante entregou toda a documentação pedida por João e este disse que o total que a declarante deveria pagar da dívida de seu filho junto ao INSS era de aproximados R$ 11.000,00; Que, João disse que devido a doença do filho da declarante o valor citado cairia para R$ 4.727,00, porém teria que realizar o pagamento em dinheiro, pois ele disse que iria enviar a quantia para o INSS; Que, a declarante diante dos fatos convidou João para que fosse junto ao banco para sacar a quantia citada; Que, a declarante sacou a quantia e entregou em mãos para João; que, João entregou um recibo no valor citado antes de irem até o banco para sacar a quantia; Que, João disse que em três meses o filho da declarante iria começar a receber a quantia e o mesmo já estaria aposentado; Que, após o referido dia a declarante não viu mais João; Que, passados aproximadamente 2 meses do pagamento da quantia citada a declarante resolveu telefonar para João, no entanto seu telefone dava como inexistente; Que, a declarante conversou com uma colega que trabalha no fórum e constatou que não existiam processos em seu nome [...] (grifou-se).

Na oportunidade, ainda, Gelcy reconheceu, por meio fotográfico, Marcelo Paintinger de Figueiredo, consignando "de forma inequívoca que se trata da mesma pessoa que cometeu o crime de estelionato se passando por advogado [...]" (termo de reconhecimento, fl. 24).

A propósito, vale destacar que, "nos crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, como meio de prova, detém fundamental importância e, somada às demais provas colhidas na fase judicial e extrajudicial, autorizam o proferimento do decreto condenatório"...

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