Acórdão Nº 0002972-57.2018.8.24.0069 do Segunda Câmara Criminal, 22-04-2020

Número do processo0002972-57.2018.8.24.0069
Data22 Abril 2020
Tribunal de OrigemSombrio
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0002972-57.2018.8.24.0069, de Sombrio

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. LATROCÍNIOS (CP, ART 157, § 3º, II). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. DIALETICIDADE. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. 2. PROVAS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. LAUDOS PERICIAIS. AUTO DE APREENSÃO. PALAVRAS DAS TESTEMUNHAS. AUTODEFESA. 3. TIPIFICAÇÃO. VIOLÊNCIA. SUBTRAÇÃO. 4. DOSIMETRIA. 4.1. MOTIVO FÚTIL. VALOR IRRISÓRIO. 4.2. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. 4.3. ATENUANTE GENÉRICA. 4.4. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. COAUTORIA. 5. MULTA. PRECEITO SECUNDÁRIO. 6. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PRISÃO PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS INALTERADAS (CPP, ART. 312). 7. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA. 8. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO (RESOLUÇÃO 5/19-CM/TJSC).

1. Não há ofensa à dialeticidade recursal se o acusado, nas razões recursais, apresenta pedido genérico de revisão da condenação, porque a Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica garantem a aplicação da justa pena ao condenado e a possibilidade de revisão, a qualquer tempo, de manifesta injustiça ou erro técnico em seu prejuízo.

2. São provas suficientes da materialidade e da autoria dos crimes de latrocínio praticados pelo acusado os laudos periciais cadavéricos e do local do ocorrido, bem como o auto de apreensão das coisas assaltadas, dando conta da subtração de dois botijões de gás e de uma bicicleta pertencentes às vítimas, mediante o uso de violência, que resultou em suas mortes, somados às palavras das testemunhas que viram o agente carregando a res roubada na noite dos fatos, e ouviram-no confessar ter assassinado os ofendidos.

3. Comprovado o uso de violência por parte do agente para a subtração de bens e o resultado morte, é incabível a desclassificação das imputações da prática dos crimes de latrocínio ao de furtos ou roubos simples.

4.1. São especialmente reprováveis, em razão de seus motivos, os latrocínios cometidos para a obtenção de res de valor ínfimo, consistente em dois botijões de gás e uma bicicleta usada, para financiar o vício em drogas do agente.

4.2. Não cabe o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea ao agente que nega integralmente, perante as autoridades, o cometimento dos delitos, e cria versão inverossímil para ver-se livre da responsabilização criminal.

4.3. Não há se falar na aplicação da atenuante genérica ao agente em razão, apenas, de sua alegada boa conduta social.

4.4. É inviável a redução da pena pela participação de menor importância do agente que atuou sozinho na prática dos crimes de latrocínio.

5. A fixação de pena pecuniária ao agente condenado pelos crimes de latrocínio é imposição legal existente no preceito secundário da norma, sendo impossível afastar sua aplicação.

6. É inviável conceder o direito de recorrer em liberdade quando os motivos que ensejaram a decretação da custódia cautelar do acusado ainda permanecem hígidos.

7. Comprovada a hipossuficiência econômica do acusado, deve ser deferido o benefício da justiça gratuita, sobretudo se foi assistido por defensor dativo durante todo o processo.

8. O defensor nomeado para atuar em favor do acusado em ação penal, que apresenta recurso de apelação, faz jus à remuneração arbitrada conforme a tabela anexa à Resolução 5/19-CM/TJSC, pelo trabalho desempenhado perante a Segunda Instância.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0002972-57.2018.8.24.0069, da Comarca de Sombrio (2ª Vara), em que é Apelante Willian Silva Geruntio e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para fixar honorários recursais ao Excelentíssimo Defensor nomeado no valor de R$ 351,00. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 22 de abril de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 27 de abril de 2020.






Sérgio Rizelo

PRESIDENTE E relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Sombrio, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Willian Silva Geruntio, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 157, § 3º, II, por duas vezes, na forma do art. 70, parte final, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:

Em dia e horário a serem esclarecidos na instrução criminal, mas provavelmente entre os dias 24 e 25 de novembro de 2018, no período noturno, o denunciado Willian Silva Geruntio, com o objetivo de subtrair coisa móvel alheia, dirigiu-se à residência localizada na Rua Teodorico Amandio de Borba, n. 553, Bairro Januária, próximo ao Mercado Nova Era, na Cidade de Sombrio/SC, ocasião em que, mediante violência a pessoa, consistente em desferir 2 (dois) golpes de faca – ambos na região infraclavicular esquerda – contra a vítima Manoel Felisberto, o que foi a causa eficiente de sua morte (hemotórax), e, ainda, 8 (oito) golpes de faca – dois na região temporal esquerda, cinco na região cervical esquerda e um na região mandibular esquerda – contra a vítima João Felisberto, o que, outrossim, foi a causa eficiente de sua morte (choque hemorrágico por esgorjamento), subtraiu, para si, coisa móvel alheia consistente em 2 (dois) botijões de gás e 1 (uma) bicicleta Monark, cor verde (fls. 158-160).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Willian Silva Geruntio à pena de 62 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 24 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento do delito previsto no art. 157, § 3º, II, por duas vezes, na forma do art. 70, parte final, ambos do Código Penal (fls. 408-421).

Insatisfeito, Willian Silva Geruntio deflagrou recurso de apelação (fl. 443).

Em suas razões, argui insuficiência probatória a respaldar sua condenação, razão de ser impositiva a proclamação da sua absolvição.

Subsidiariamente, requer a desclassificação das imputações às figuras do furto tentado, do furto consumado, do roubo simples tentado ou do roubo simples consumado, sem, no entanto, justificar tais pretensões.

Pugna, ainda, pela revisão da dosimetria da pena, sustentando que não há motivo para a exasperação das penas-base e ser cabível o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, ou da atenuante genérica, por ter boa conduta social.

Também no tocante à dosimetria, afirma ser cabível a diminuição da pena diante da menor importância de sua participação no cometimento dos delitos.

Finalmente, pede a isenção do pagamento da multa arbitrada, a concessão da gratuidade da justiça, o direito de recorrer em liberdade e a fixação de honorários recursais ao Excelentíssimo Defensor nomeado a atuar em seu favor (fls. 444-460).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo, pugnando pelo não conhecimento dos pedidos de desclassificação das imputações, por ausência de fundamentação (fls. 463-485).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pela Excelentíssima Procuradora de Justiça Jayne Abdala Bandeira, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 505-515).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. É que, não obstante a argumentação adotada nas contrarrazões recursais a fim de sustentar o necessário não conhecimento de parcela do recurso aviado pelo Apelante, em razão da ausência de fundamentação, o que violaria a dialeticidade recursal, entende-se que o paradigma constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI) culmina na inafastável conclusão de que o princípio da dialeticidade não se aplica ao acusado no âmbito do processo penal.

Tal convicção é reforçada pela possibilidade de se instrumentalizar, a qualquer tempo, revisão criminal (CPP, art. 622) e garantir-se, enquanto direito fundamental, que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (CF, art. 5º, LXXV).

Nesse contexto, por exemplo, o apenamento injusto e incorreto, mesmo que a diferença seja de apenas um dia, configura encarceramento arbitrário, a ofender, inclusive, o art. 7º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário e cujo texto já se encontra incorporado ao ordenamento pátrio, por força do Decreto 678/92.

Bem por isso que a revisão da condenação, com a irresignação, e do apenamento, em sede recursal, pode dar-se até mesmo de ofício, quando houver manifesta injustiça ou impropriedade técnica, consoante reiterados precedentes desta Corte de Justiça (desta Segunda Câmara, verbi gratia, citam-se: Apelações Criminais 2014.065697-2, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 21.10.14; 2014.016950-3, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 14.10.14; e 2014.024047-0, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 2.9.14).

Assim, o pleito defensivo, ainda que dotado de generalidade, porquanto não apresentadas as razões específicas de ao menos parte da insurgência, visa a garantir a plenitude da defesa ao jurisdicionado e deve ser integralmente conhecido.

Afasta-se, pois, a preliminar deduzida pelo Excelentíssimo Representante do Parquet de Primeiro Grau.

2. No mérito, contudo, não cabe provimento ao apelo.

Ao contrário do que sustenta o Apelante Willian Silva Geruntio, estão fartamente comprovadas nos autos tanto a...

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