Acórdão Nº 0003044-76.2014.8.24.0039 do Terceira Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0003044-76.2014.8.24.0039
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0003044-76.2014.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Ernani Guetten de Almeida

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A PESSOA. DENÚNCIA PELO CRIME DE TORTURA (ART. 1º, II E § 4º, INCISO II, DA LEI 9.455/97). SENTENÇA CONDENATÓRIA PELO DELITO DE MAUS-TRATOS PRATICADO CONTRA MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS (ART. 136, §3º, DO CÓDIGO PENAL). RECURSOS DEFENSIVO E MINISTERIAL.

RECURSO DA DEFESA PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE DOLO. INVIABILIDADE. TIA QUE, NA CONDIÇÃO DE GUARDIÃ, PRENSA O BRAÇO DO OFENDIDO, QUE CONTAVA COM CINCO ANOS DE IDADE, COM INSTRUMENTO QUEIMANTE. DOLO EVIDENCIADO PELA PROVA ORAL E LAUDO PERICIAL, O QUAL ATESTOU A OCORRÊNCIA DE LESÕES NOS DOIS LADOS DO BRAÇO DO INFANTE, QUE SÓ PODERIAM TER SIDO PROVOCADAS PELA PRESSÃO HUMANA NO EQUIPAMENTO. DE OUTRO LADO, PROVIMENTO DO PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONDENAÇÃO NOS TERMOS DA DENÚNCIA. CONTEXTO FÁTICO QUE DEMONSTRA A INTENÇÃO DE CAUSAR INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO PARA APLICAR CASTIGO PESSOAL. VÍTIMA REITERADAMENTE AGREDIDA. TORTURA QUALIFICADA CARACTERIZADA. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONDENAÇÃO COMO INCURSA NAS SANÇÕES DO ART. 1º, II E § 4º, INCISO II, DA LEI 9.455/97.

"Torna-se inviável a desclassificação do crime de tortura para maus-tratos quando comprovado o intenso sofrimento físico e mental a qual foi submetida a vítima" (TJSC, Apelação Criminal n. 2015.066103-1, de Campos Novos, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 17.11.2015).

RECURSOS CONHECIDOS, DESPROVIDO O DEFENSIVO E PROVIDO O MINISTERIAL.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003044-76.2014.8.24.0039, da comarca de Lages 1ª Vara Criminal em que é/são Apelante(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado(s) Adriana da Silva.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer de ambos os recursos, negar provimento ao defensivo e dar provimento ao Ministerial para condenar Adriana da Silva como incursa nas sanções do art. 1º, inciso II, e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97 ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Ernani Guetten de Almeida, Leopoldo Augusto Brüggemann e Júlio César M. Ferreira de Melo.

Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo.

Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdalá Bandeira.

Florianópolis, 28 de janeiro de 2020.

Desembargador Ernani Guetten de Almeida

Relator


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público com atribuição para atuar perante a 1ª Vara Criminal da comarca de Lages ofereceu denúncia (fls. 26/28) contra Adriana da Silva pelo cometimento do crime tipificado no art. 1º, inciso II, e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97, nos termos a seguir:

Consta no incluso Inquérito Policial que em data de 9 de janeiro de 2013, em horário a ser melhor esclarecido durante a instrução processual, na Rua Emílio Guedes da Silva, Bairro Várzea, neste Município de Lages/SC, a denunciada Adriana da Silva submeteu, com emprego de violência, a vítima Paulo Wesley Garcia a intensoo sofrimento físico, como forma de aplicar castigo pessoal e/ou medida de caráter preventivo, ao queimar o braço esquerdo do infante com uma prancha de cabelo, ocasionando lesões corporais descritas no Laudo Pericial n. 139/13 de fl. 14 (Boletim de Ocorrência - fl. 13).

Registra-se que a denunciada Adriana ofendeu a integridade física do ofendido Paulo, mediante tortura, tão somente em razão desse estar com frio e ter se deslocado até o cômodo onde essa se encontrava para pegar uma blusa.

Atente-se, ainda, que a vítima Paulo Wesley Garcia tinha apenas 5 (cinco) anos de idade à época dos fatos (nascimento em 17.03.2007) e estava sob a guarda da referida denunciada, uma vez que seus pais biológicos estavam com o poder familiar suspenso (Autos n. 0007074-96.2010.8.24.0039).

Após a regular instrução processual, foi julgada parcialmente procedente a denúncia para desclassificar a imputação feita com base no art. 1º, inciso II, e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97, para a conduta descrita no art. 136, §3º, do Código Penal e, por consequência, condenar Adriana da Silva ao cumprimento da pena de 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto.

Não houve substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por se tratar de condenação por crime envolvendo violência à pessoa (art. 44, I, do Código Penal). No entanto, houve a concessão de sursis (art. 77, "caput", do Código Penal), pelo prazo de 2 (dois) anos, mediante o cumprimento das seguintes condições: "01) No primeiro ano do período de prova deverá a acusada prestar serviços à comunidade em entidade conveniada a ser designada por ocasião da audiência admonitória, durante oito (08) horas semanais, aos sábados domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar sua jornada normal de trabalho; 02) Não poderá ausentar-se da Comarca onde reside, por mais de oito (08) dias, sem prévia autorização do Juízo de seu domicílio; 03) não poderá embriagar-se em via pública; e, 04) Comparecimento pessoal e obrigatório em Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades" (fl. 195).

Por fim, concedeu-se à ré o direito de recorrer em liberdade (fls. 184/196).

Irresignados com a prestação jurisdicional entregue, a defesa e o Ministério Público interpuseram recursos de apelação (fls. 203/209).

A apelante Adriana da Silva, em suas razões (fls. 243/249), postula sua absolvição por ausência de dolo, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público, por sua vez, requer a condenação de Adriana nos termos da denúncia (fls. 217/236).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 250/257 e 261/274), os autos ascenderam a este Tribunal, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo interposto pelo Ministério Público, com a consequente prejudicialidade do recurso da defesa (fls. 280/288).

Este é o relatório.


VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos pela defesa e pelo Ministério Público contra sentença que desclassificou a imputação feita em desfavor da ré com base no art. 1º, inciso II, e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97, para a conduta descrita no art. 136, §3º, do Código Penal, condenando-a à pena de 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto, suspensa condicionalmente.

Preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conhece-se de ambos os apelos.

Não foram levantadas preliminares, o que autoriza a análise direta do mérito.

Tendo em vista que a apreciação de ambos os recusos exige a análise do elemento subjetivo da conduta, as razões da defesa e do Ministério Público serão perquiridas conjuntamente.

Em síntese, a defesa pleiteia o reconhecimento da atipicidade da conduta ante a ausência de dolo, uma vez que "a versão apresentada pela apelante - de que foi apenas um acidente - é verossímil e está em conformidade com os depoimentos de testemunhas e, inclusive, da própria vítima" (fl. 247), motivo pelo qual deveria ser absolvida.

O Ministério Público, por sua vez, requer a condenação de Adriana da Silva como incursa nas sanções do art. 1º, inciso II, e § 4º, II, da Lei n. 9.455/97, nos termos da denúncia.

A autoria e materialidade delitivas estão suficientemente comprovadas pelo Boletim de Ocorrência (fls. 3/4), pelo Laudo Pericial (fl. 14) e por toda a prova oral colhida ao longo da instrução.

Pelo que se infere dos autos, no dia 9 de janeiro de 2013, em horário não esclarecido, na Rua Emílio Guedes da Silva, Bairro Várzea, em Lages, Adriana da Silva, na condição de tia e guardiã de Paulo Wesley Garcia, então com 5 (cinco) anos de idade, submeteu o infante a intenso sofrimento como forma de aplicar castigo pessoal, ao prensar o seu braço com instrumento queimante (prancha para alisar cabelo), o que lhe ocasionou as lesões corporais descritas no Laudo Pericial de fl. 14, ato que teria sido motivado pela resistência de Paulo em vestir-se.

Segundo narra a defesa, tudo não teria passado de um acidente, em que o infante teria assustado a apelante enquanto ela alisava os cabelos, ocasião em que o instrumento supostamente havia caído no braço de Paulo Wesley.

É o que se infere do interrogatório da apelante na etapa extrajudicial (fl. 10):

QUE nega as imputações que lhe são feitas; QUE afirma nunca ter agredido fisicamente PAULO WESLEY; QUE nega também que tenha cometido qualquer tipo de maus tratos; QUE quanto ao fato de ter queimado ele propositalmente com uma prancha de alisar cabelos, esta afirma que ocorreu um acidente, relatando que estava com o aparelho ligado e passando nos cabelos, quando PAULO WESLEY veio por trás, o que assustou a declarante, vindo a derrubar a prancha em cima dele; QUE alega que a prancha caiu do braço e caiu em cima dele e a declarante puxou de volta "no susto"; Que perguntada sobre o fato da queimadura no braço de PAULO WESLEY ser muito grande para parecer que só caiu a prancha em cima do braço, esta informa que foi quando puxou a prancha de volta que ocasionou a lesão maior QUE só estava a declarante e PAULO WESLEY no quarto; QUE acredita que PAULO foi induzido pela mãe para inventar que foi queimado e que sofria maus tratos;

Em juízo, Adriana da Silva apresentou versão semelhante, como se vê (mídia de fl. 183, conforme transcrição exarada à fl. 191 da sentença):

Era um final da tarde, eu tava fazendo a prancha e o Wesley tava assistindo na sala, eu chamei ele, tava sem camiseta. Ele é meu sobrinho, chamei ele pra vestir uma camiseta. O espelho ficava em cima de uma cômoda, com o susto que ele me deu, ela (prancha) caiu no braço dele, deu uma queimada, mas não deu pra...

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