Acórdão Nº 0003049-19.2015.8.24.0054 do Sexta Turma de Recursos - Lages, 04-04-2019

Número do processo0003049-19.2015.8.24.0054
Data04 Abril 2019
Tribunal de OrigemRio do Sul
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Sexta Turma de Recursos - Lages




Apelação n. 0003049-19.2015.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Juiz Geraldo Corrêa Bastos


APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. LEI DE TÓXICOS. ART. 28, CAPUT. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA ECONOMICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO EM APRECIAÇÃO PELO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APELAÇÃO MINISTERIAL PELA CASSAÇÃO DA SENTENÇA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0002064-67.2018.8.24.0079, da comarca de Videira Vara Criminal, em que é/são Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina,e Apelado Luis Henrique de Souza Borges:

ACORDAM, em Sexta Turma de Recursos em Lages, por maioria de votos, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.

Participaram do julgamento, os Srs. Juízes: Sílvio Dagoberto Orsatto (Presidente) e Reny Baptista Neto.


Lages, 04 de abril de 2019.


Geraldo Corrêa Bastos

Relator






I. RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal, em que pretende o apelante a reforma do julgado, no qual se rejeitou a denúncia ofertada contra o réu, com fulcro no art. 395, II do Código de Processo Penal.

Colhe-se do dispositivo, in verbis:

"[...] Ante o exposto, considerando a antieconomicidade para o prosseguimento da presente demanda, e, por derradeiro, a falta de interesse processual, REJEITO a denúncia do delito do art. 28 da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas), na forma do art. 395, II, do Código de Processo Penal.[...]". (pp. 24-25).

Dispensado relatório na forma do artigo 63, §1º do Regimento Interno das Turmas de Recursos do Estado de Santa Catarina e Enunciado 92 do Fonaje.

Passo ao voto.


II. VOTO

Os pressupostos processuais foram atendidos, o recurso é tempestivo, cabível e está dispensado do preparo.

Cuida-se de apelação penal, onde o órgão ministerial se insurge contra a sentença de rejeição da denúncia ofertada contra o réu, na qual consigna-se que há falta de interesse processual. Ao final, o apelante pugna pelo provimento do recurso para cassar a sentença objurgada e determinar o prosseguimento do feito.

A denúncia imputou ao denunciado a prática do crime previsto no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/06, in verbis:

"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I- Advertência sobre os efeitos da droga;

II- prestação de serviços à comunidade;

III- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo; [...]"

Pois bem, o recurso interposto não merece acolhimento, porquanto evidenciado que as medidas sancionatórias preconizadas na legislação competente são: advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medida educativa.

Com isso, o legislador empenhado em inovar no tratamento dispensado aos consumidores de substância entorpecentes, procurou , quero crer, adotar um sistema que não levasse o usuário de droga ao cárcere. De outro vértice, buscou que o comportamento inadequado daquele que desenvolveu uma das condutas descritas no caput do dispositivo supra mencionado não deixasse de receber sanção do Estado-juiz.

Apesar de parecer, prima facie, razoável a vontade do legislador com a edição e posterior vigência da Lei 11.343/06, os fatos descritos no art. 28 deixaram de ser considerados crimes, ao menos numa análise sistemática da legislação penal vigente.

Isso porque a Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n. 3.914/41) é enfático ao definir crime e contravenção, não se enquadrando nesses conceitos a conduta imputada ao réu. Vejamos:

"Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente".

Ora, cotejado o art. 28,caput, da Lei 11.343/06 com o conceito imprimido no art. 1º do Decreto-Lei n. 3.914/41, vê-se que ocorreu a descriminalização da conduta do agente que incide numa das práticas insculpidas na lei de tóxicos, porquanto não prevista pena de reclusão, detenção ou multa (esta última somente será aplicada como forma de coagir o apenado ao cumprimento das medidas que lhe seria aplicadas em caso de condenação) em caso de transgressão à norma.

O saudoso Julio Fabrini Mirabete esclarece em sua obra Manual de Direito Penal. 8º ed. Atlas, 1994, pp. 122-123:

"Quanto à gravidade do fato, há dois sistemas de classificação das infrações penais. O primeiro, denominado tricotômico, ou divisão tripartida, classifica as infração penais em crimes, delitos e contravenções (...) No sistema dicotômico, ou de divisão bipartida, a classificação é de crimes ou delitos (como sinônimos) e contravenções, adotado na Itália, Peru, Suíça, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Holanda e pela nossa legislação.

"Não há, na verdade, diferença e natureza entre as infrações penais, pois a distinção reside apenas na espécie da sanção cominada à infração penal ( mais ou menos severa)(...)

"Apenas a lei fornece distinção formal, quantitativa, recorrendo à espécie de pena para diferenciar o crime (ou delito) da contravenção. Segundo o artigo 1º, do Decreto-lei 3.914/41 ( Lei de Introdução ao Código Penal), ao crime é cominada pena de reclusão ou de detenção e multa, está última sempre alternativa ou cumulativa com aquela; à contravenção é cominada pena de prisão simples, e/ou multa ou apenas esta. A nova lei, apesar da introdução das penas alternativas, não alterou essa distinção".

Ademais, o Min. Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, relator do Recurso Extraordinário n. 635.659, com repercussão geral reconhecida,...

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