Acórdão Nº 0003069-28.2013.8.24.0103 do Quarta Câmara de Direito Civil, 18-11-2021

Número do processo0003069-28.2013.8.24.0103
Data18 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0003069-28.2013.8.24.0103/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: TATIANE EDILIANE ROVEDA APELADO: LUZIA ELIANE ROVEDA

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 107 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito Gustavo Schwingel, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Tatiane Ediliane Roveda e Luzia Eliane Roveda propuseram ação de usucapião ordinária em face dos confrontantes de imóvel urbano (descrito à pg. 03), sob o argumento de serem possuidoras há período de tempo suficiente para prescrição aquisitiva sem qualquer oposição. Requereram a citação dos confinantes, bem como a intimação dos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado e do Município, além da produção de provas, a procedência integral da pretensão, com o reconhecimento do domínio do imóvel. Valoraram a causa. Os confrontantes, devidamente citados, não apresentaram manifestação. Citados por edital, pelo Diário da Justiça, todos confrontantes, assim como os terceiros interessados, ausentes, incertos e desconhecidos, não apresentaram contestação. As Fazendas Públicas (municipal, estadual e federal) foram devidamente citadas. O Ministério Público se opôs ao deferimento do pleito, sustentando a improcedência do pedido em virtude de vício de origem relativo ao descumprimento da função social quanto aos preceitos da ordem urbanística.

O Magistrado julgou procedente o pedido exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido na petição inicial, resolvendo o mérito (art. 487, I, do CPC), para declarar o domínio sobre o imóvel descrito nos autos em favor das demandantes, servindo a presente decisão como título para registro junto ao Ofício de Registro de Imóveis. Após o trânsito em julgado, a parte autora deverá apresentar senha dos autos digitais ao Tabelionato de Notas, a fim de expedição de carta de sentença, nos termos do art. 843-A e ss. do Código de Normas. Em caso de impossibilidade de proceder ao registro direto, deverá, independentemente de intimação, informar tal situação por meio de petição intermediária no prazo de 15 (quinze) dias, a contar do trânsito. Nesta hipótese, deverá a serventia judicial expedir mandado de averbação, instrumentalizando-o com as cópias necessárias. A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação às partes ativas, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o Ministério Público interpôs apelação, na qual alega que para o reconhecimento da prescrição aquisitiva deve ser observada a função social da propriedade e a obediência às normas que regulamentam a utilização e ocupação do solo urbano, especialmente a Lei de Parcelamento do Solo, o Estatuto das Cidades e o Plano Diretor Municipal.

Argumenta ser ilegal o objeto do presente feito, uma vez que o imóvel comprado pelos autores decorre de parcelamento clandestino do solo e está localizado em uma gleba maior, com a ação revelando a tentativa de aquisição originária do bem, além de importar em afronta aos ditames da Lei n. 6.766/1979, ocasionando o crescimento urbano desordenado e problemas urbanísticos, com prejuízo à sociedade e ao município.

Salienta que o parcelamento clandestino de solo constitui crime, com o reconhecimento da usucapião anuindo com a prática criminosa e legitimando o parcelamento irregular e clandestino, além de ser inviável o registro do imóvel diante da impossibilidade de abertura de matrícula no cartório extrajudicial.

Requer o provimento do recurso com a refoma do comando sentencial, a fim de se reconhecer a improcedência do pleito deduzido na peça exordial.

Contrarrazões no evento 115.

O Ministério Público, em parecer de lavra da Procuradora de Justiça Sônia Maria Demeda Groisman Piardi, opinou pelo provimento do apelo (evento 14, neste grau de jurisdição).

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

A controvérsia instaurada no presente recurso interposto pelo Parquet se refere ao reconhecimento da prescrição aquisitiva de imóvel em favor das autoras, fundamentado na violação das normas referentes ao parcelamento do solo, visto que a área decorre de parcelamento clandestino e está localizada em uma gleba maior, com a ação revelando a tentativa de aquisição originária do bem, além de destacar que o imóvel não possui matrícula perante o cartório extrajudicial.

Por primeiro, destaque-se que a jurisprudência se consolidou no sentido de que as limitações da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, ou mesmo das normas municipais, não podem inviabilizar a aquisição originária da propriedade por meio da ação de usucapião quando comprovados os seus requisitos legais.

Nesse sentido, esta Corte de Justiça vem reiteradamente decidindo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MÉRITO. ARGUMENTADA VIOLAÇÃO À LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. IMPACTOS DE ORDEM AMBIENTAL E OCUPACIONAL DA CIDADE. PRETENDIDA IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO INICIAL. INSUBSISTÊNCIA. MOTIVAÇÃO INSUFICIENTE A DESCONSTITUIR A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE EM RAZÃO DA OCUPAÇÃO PELO PRAZO DE LEI. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 0003832-97.2011.8.24.0103, de Araquari, rel. Rubens Schulz, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 13-2-2020).

CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA (ART. 1.238, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA A REFORMA DO DECISUM, VEZ QUE O IMÓVEL OBJETO DA DEMANDA É PRODUTO DO PARCELAMENTO CLANDESTINO DO SOLO, EM DESRESPEITO AO DISPOSTO NA LEI N. 6.766/79. TESE RECHAÇADA. REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS À DECLARAÇÃO DO DOMÍNIO DA ÁREA USUCAPÍVEL DEVIDAMENTE CONFIGURADOS. PROPRIEDADE SOB POSSE MANSA E PACÍFICA DOS AUTORES HÁ MAIS DE 39 (TRINTA E NOVE) ANOS CONSECUTIVOS. NORMAS DE PARCELAMENTO DO SOLO QUE NÃO IMPEDEM O RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO. PRECEDENTES NESSE SENTIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Satisfeitos os requisitos da usucapião extraordinária, impõe-se a declaração de aquisição da propriedade, não obstante irregularidade referente às normas de parcelamento de solo urbano, haja vista a boa-fé do postulante. Entendimento diverso implica na exigência de nova condição não albergada pela legislação pátria e macula o conceito jurídico da função social da propriedade urbana. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0001043-17.2011.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 25.10.2016). (Apelação Cível n. 0300200-82.2014.8.24.0103, de...

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