Acórdão Nº 0003088-73.2019.8.24.0022 do Quarta Câmara Criminal, 18-03-2021

Número do processo0003088-73.2019.8.24.0022
Data18 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003088-73.2019.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: MAICON NASCIMENTO FIGUEIREDO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Curitibanos, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Maicon Nascimento Figueiredo, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 155, § 1º e § 4º, I e II, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal, pois, segundo consta na inicial (Evento 13, PET1, fls. 1-2):

No dia 11 de outubro de 2019, por volta das 5h, durante o repouso noturno, o denunciado MAICON NASCIMENTO FIGUEREDO, agindo com evidente animus furandi, se dirigiu ao estabelecimento comercial da vítima Izabel Costa, denominado "Bar da Bebel", situado na Avenida Governador Jorge Lacerda, nº 918, Bairro São José, nesta cidade, onde, mediante escalada, chegou até o telhado e retirou algumas telhas, rompendo obstáculo que o impedia de acessar o interior do local e tentou subtrair para si alguns litros de bebida destilada, não conseguindo consumar seu intento delitivo porque foi surpreendido pela chegada da polícia.

Finalizada a instrução, a Magistrada a a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além do pagamento de 8 (oito) dias-multa, no mínimo valor legal, por infração ao art. 155, § 1º e § 4º, I e II, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal (Evento 79, SENT156, fls. 1-14).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou a absolvição pela atipicidade material da conduta, com base no princípio da insignificância. Subsidiariamente, requereu a exclusão da qualificadora de arrombamento, uma vez que teria havido apenas a remoção do obstáculo. Ainda, solicitou o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e, por conseguinte, a compensação com a agravante de reincidência. No mais, almejou o decote da majorante de repouso noturno, por insuficiência probatória, bem como sustentou sua incompatibilidade com o furto qualificado. Outrossim, pugnou pelo reconhecimento da figura privilegiada do tipo penal. Ao final, demandou pela redução da fração de incremento no tocante à agravante de reincidência, para o patamar de 1/3 (um terço) (Evento 93, RAZAPELA168, fls. 1-13).

Apresentadas as contrarrazões (Evento 103, CONTRAZAP1, fls. 1-22), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (Evento 8, PROMOÇÃO1, fls. 1-10).

Documento eletrônico assinado por SIDNEY ELOY DALABRIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 704919v8 e do código CRC 8f731d01.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SIDNEY ELOY DALABRIDAData e Hora: 26/2/2021, às 10:49:57





Apelação Criminal Nº 0003088-73.2019.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: MAICON NASCIMENTO FIGUEIREDO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Maicon Nascimento Figueiredo em face de sentença proferida pela Magistrada a quo, que, ao julgar procedentes os pedidos formulados na exordial, condenou-o à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além do pagamento de 8 (oito) dias-multa, no mínimo valor legal, por infração ao art. 155, §§ 1º e 4º, I e II, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do reclamo.

1 Da absolvição pela atipicidade material da conduta

A defesa pretende a absolvição do apelante pela atipicidade material da conduta, com a incidência do princípio da insignificância. Para tanto, alega que os objetos que pretendia subtrair, além de não avaliados, foram restituídos à vítima.

A tese não merece respaldo.

Pelo que se infere dos autos, em 11 de outubro de 2019, por volta das 5h00min, Maicon Nascimento Figueiredo ingressou no estabelecimento comercial "Bar da Bebel", situado na Avenida Governador Jorge Lacerda, n. 918, bairro São José, em Curitibanos e, rompendo obstáculo, mediante escalada, tentou subtrair para si alguns litros de bebidas. No entanto, foi surpreendido pela chegada dos policiais militares.

A autoria e materialidade delitivas emergem do auto de prisão em flagrante (Evento 1, P_FLAGRANTE5), boletim de ocorrência (Evento 1, P_FLAGRANTE6-7), laudo pericial (Evento 22, LAUDO / 73-80), bem como da prova oral coligida.

Isso posto, sabe-se que o princípio da insignificância se insere no rol dos mecanismos que a moderna dogmática jurídico-penal elaborou para tornar efetiva a tarefa político-criminal de descriminalização, sem que se abandone a segurança jurídica do sistema. Como decorrência dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima no direito penal, atua "como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do 'nullum crimen sine lege', que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal" (MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 56).

Funda-se, portanto, na concepção material do tipo penal, por meio da qual a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato à norma. Exige que a conduta nela enquadrável revele-se, ainda, ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal, sem o que a intervenção criminal não se justifica.

Tendo por consequência a exclusão da tipicidade material, no âmbito do Pretório Excelso, alguns parâmetros foram estabelecidos para a sua aplicação, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente, b) ausência de periculosidade social da ação, c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Apontada como um marco da jurisprudência, a decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 84.412, julgado em 19/10/2004, da relatoria do Ministro Celso de Mello, expressa bem essa posição. Veja-se:

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - 'RES FURTIVA' NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: 'DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR'.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente , por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

No caso dos autos, todavia, não é possível reconhecer como reduzido o grau de reprovabilidade da conduta, a sua mínima ofensividade ou a inexpressividade da lesão jurídica provocada, a fim de tornar viável a aplicação do princípio da insignificância.

Inicialmente, consigne-se que "o simples fato de o bem haver sido restituído à vítima, não constitui, por si só, razão suficiente para a aplicação do princípio da insignificância" (STJ, AgRg no AREsp 1749610/DF, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 9/12/2020, DJe de 14/12/2020).

Outrossim, quanto ao preço dos produtos, a vítima Izabel Costa, na fase embrionária, relatou que o acusado tentou subtrair de seu estabelecimento cerca de 6 (seis) litros de bebidas, como uísque, energético, dentre outras, de modo que os produtos custavam, ao todo, aproximadamente, R$ 300,00 (trezentos reais) (depoimento audiovisual, Evento 3, VÍDEO180).

Portanto, tem-se que o valor da res não é ínfimo, assim qualificado aquele inferior a 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do fato, o qual, no ano de 2019, perfazia R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais) (nesse sentido: STJ AgRg no AREsp n. 1.550.027/SP, rela. Mina. Laurita Vaz, Sexta Turma, j. em 26/5/2020).

No ponto, consigne-se que "é válida a aferição do valor da res furtiva com base em...

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