Acórdão Nº 0003093-32.2018.8.24.0022 do Segunda Câmara Criminal, 11-05-2021

Número do processo0003093-32.2018.8.24.0022
Data11 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0003093-32.2018.8.24.0022/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: MARCELO GABRIEL MARIANO (RÉU) ADVOGADO: Lilian Spricigo (OAB SC020886) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Curitibanos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Marcelo Gabriel Mariano, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 14 e 15, este por quatro vezes, ambos da Lei 10.826/03, nos seguintes termos:
No dia 1º de Julho de 2017, de madrugada, no Bairro Getúlio Vargas, o denunciado Marcelo Gabriel Mariano portava, transportava e mantinha sob sua guarda a espingarda marca Rossi, calibre 36, nº A224955 sem autorização e em desacordo com determinação legal.
Nas mesmas condições de tempo e lugar, o acusado Marcelo Gabriel Mariano, estando dentro do veículo Ford/Fiesta conduzido por Lucas José de Oliveira, chegou próximo do local em que estava Jameson Pereira Ferreira e Cleberson Teixeira de Oliveira, e efetuou, em via pública, um disparo com a referida espingarda.
Em razão do primeiro disparo efetuado, Jameson e Cleberson embarcaram em um veículo VW/Fusca e saíram do local, sendo perseguidos pelo veículo de Lucas e, durante a perseguição, o acusado Marcelo Gabriel Mariano, efetuou outro disparo com a espingarda em via pública.
O veículo VW/Gol continuou a fuga até chegar na residência de Jameson, também localizada no Bairro Getúlio Vargas, nesta cidade de Curitibanos, local em que o acusado Marcelo Gabriel Mariano, em via pública e em direção de local habitado, efetuou outros dois disparos de arma de fogo (Evento 48).
Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Marcelo Gabriel Mariano à pena de 4 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 20 dias-multa, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de valor equivalente ao do salário mínimo, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 14 e 15, ambos da Lei 10.826/03 (Evento 96).
Insatisfeito, Marcelo Gabriel Mariano deflagrou recurso de apelação (Evento 105).
Em suas razões, pondera que agiu em legítima defesa, que não existe prova suficiente para a condenação e que "arma foi o meio utilizado para a prática do crime-fim".
Sob tais argumentos, requer a proclamação da sua absolvição, "em relação ao delito de disparo de arma de fogo [...] em razão da incidência da legítima defesa e, quanto ao crime de porte de arma de fogo, [...] com fulcro no art. 386, V e VII, do Código do Processo Penal".
Sucessivamente, pretende que seja "aplicada a consunção [...] haja vista ambos os delitos foram praticados sob as mesmas circunstâncias fáticas, de modo que o delito previsto no art. 14 deve ser absorvido pela conduta tipificada no art. 15, ambos da Lei 10.826/03" (Evento 111).
O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 114).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Ernani Dutra, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 7 dos autos em Segundo Grau)

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
1. Marcelo Gabriel Mariano postula, com base em argumentos genéricos, a decretação da sua absolvição com relação ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, por meio da aplicação do princípio in dubio pro reo.
Apesar de a tese ser contraditória ao pedido de reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa referente ao disparo de arma de fogo, é imperioso refutá-la.
A materialidade do fato é demonstrada pelo conteúdo do boletim de ocorrência (Evento 1, doc5-6); pelo termo de exibição e apreensão (Evento 1, doc18); pelo laudo pericial de exame em arma de fogo (Evento 1, doc29-32); pelo laudo pericial de lesão corporal (Evento 1, doc34); e pelo laudo pericial de exame em local de disparo de arma de fogo (Evento 1, doc46-55); todos dando conta de que, no dia, 1º.7.17, o objeto portado por Marcelo Gabriel Mariano era uma espingarda marca Rossi, calibre .36, número de série A224955.
A autoria, do mesmo modo, é clara nos autos.
Está comprovado nos autos que o Apelante efetuou disparos em via pública com a mencionada arma de fogo, de modo que, por óbvio, portava-a.
Isso foi confessado por Marcelo Gabriel Mariano na Delegacia de Polícia:
na última sexta-feira, dia 30/06, estava juntamente com seus amigos Lucas José de Oliveira e Luis Fernando, na casa de outro amigo de nome Douglas (não recorda sobrenome) conversando e bebendo cerveja; que por volta da meia noite resolveram sair da casa de Douglas e ir até o sítio de outro amigo, sendo que Douglas não os acompanhou e permaneceu na casa dele; que durante o caminho, quando estavam passando com o veículo em frente à Padaria Nossa Senhora Aparecida, perceberam que havia vários indivíduos na frente daquele estabelecimento e dois ou três deles arremessaram uma garrafa e latas de cerveja no carro; que não sabe identificar quem teria sido quem estas garrafas; que o interrogando estava na posse de sua espingarda, pois pretendia levá-la até o sítio para onde estavam indo e quando ocorreram aqueles fatos, Lucas, que estava dirigindo o veículo retornou e quando estavam novamente na frente daquele grupo de pessoas, tirou espingarda para fora do carro e efetuou um disparo para cima; que com aquilo todos se dispersaram, sendo que dois deles entraram em veículo VW/Fusca de cor que não recorda e saíram em alta velocidade; que Lucas como ficou bravo de ter tido seu carro danificado resolveu seguir aquele automóvel; que no momento em que se aproximaram daquele veículo, recarregou a espingarda e efetuou outro disparo com intenção de atingir o pneu do VW/Fusca, não tendo visto em que parte do veículo teria acertado, dizendo que nem mesmo chegou a ver se realmente acertou aquele veículo; que eles continuaram a fuga e Lucas seguiu atrás; que em uma outra rua, perceberam que o VW/Fusca estacionou, um dos ocupantes desceu e correu para o interior de uma residência, sendo que o outro saiu do carro, levantou a blusa que vestia e em seguida também as mãos; que o interrogando então efetuou mais um disparo naquele VW/Fusca; que no momento em que o interrogando efetuou aquele disparo em direção ao VW/Fusca este indivíduo que saiu do carro e permaneceu parado ao lado, estava a cerca de um metro do veículo, na parte traseira e direita deste; que diz ter atirado para acertar a porta do caroneiro, na parte de baixo; que ao ser questionado, o interrogando não sabe precisar se falou alguma coisa durante a ação, nem sabe dizer se seus amigos chegaram a falar algo para aqueles indivíduos; que perguntado, responde que conhecia um daqueles indivíduos, Cleberson, apenas de vista do bairro, mas não tinha nenhum envolvimento com este, seja de amizade ou inimizade; que o motivo dos disparos efetuados foi única e exclusivamente decorrente daquela situação dos objetos arremessados contra o veículo de Lucas; que perguntado se tinha mais munição, responde que não; que pede para consignar que se quisesse ter efetuado aquele terceiro disparo naquele indivíduo que ficou parado ao lado do VW/Fusca, poderia tê-lo feito, mas afirma que não era esta a sua intenção (Evento 1, doc16-17).
Apesar de o Recorrente ter permanecido em silêncio na fase judicial (Evento 84, doc169), todos os demais depoimentos colhidos nessa fase, e que serão detalhados, confirmam que ele portava uma espingarda calibre 36 e disparou contra um grupo de pessoas dentre as quais estavam Jameson Pereira Ferreira e Cleberson Teixeira de Oliveira.
A eficiência da arma de fogo foi atestada por exame pericial (Evento 1, doc29-32) e pelos danos causados pelos disparos ao veículo VW/Fusca e à residência de Jameson Pereira Ferreira (Evento 1, doc46-55).
Assim, não há a menor possibilidade de incidir o in dubio pro reo com relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/03, art. 14), uma vez que ficou plenamente comprovada a conduta narrada na denúncia.
2. Marcelo Gabriel Mariano alega que disparou a espingarda calibre .36 em legítima defesa.
O art. 25 do Código Penal estabelece que se entende "em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".
No caso, além de não haver prova de que o Recorrente ou seus amigos fossem alvo de injusta agressão, caso estivesse assim demonstrado, a repulsa à violência sofrida foi deveras hiperbólica.
Como visto, ao ser interrogado na Delegacia de Polícia, Marcelo Gabriel Mariano afirmou que o primeiro disparo aconteceu porque "havia vários indivíduos na frente daquele estabelecimento e dois ou três deles arremessaram uma garrafa e latas de cerveja no...

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