Acórdão Nº 0003106-02.2016.8.24.0022 do Terceira Câmara Criminal, 06-10-2020

Número do processo0003106-02.2016.8.24.0022
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemCuritibanos
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0003106-02.2016.8.24.0022, de Curitibanos

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Apelação Criminal. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO TENTADO (ART. 171, CAPUT, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA E, SUBSIDIARIAMENTE, PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DECLARAÇÕES DO GERENTE DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO ARDIL NA FASE EMBRIONÁRIA QUE ENCONTRAM REFLEXOS NA FALA SOB O CONTRADITÓRIO DA POLICIAL MILITAR, DANDO CONTA QUE O ACUSADO TENTOU EFETUAR COMPRAS EM SUPERMERCADO, APRESENTANDO PARA PAGAMENTO CÁRTULA COM ASSINATURA FALSA, CUJA DESCOBERTA FOI POSSÍVEL EM RAZÃO DE PROBLEMAS ANTERIORES COM CHEQUE DO MESMO CORRENTISTA. RESPONSÁVEL QUE, DIANTE DO OCORRIDO, ASSEVEROU NECESSÁRIO ACIONAR A POLÍCIA, OCASIÃO EM QUE O APELANTE PARTIU EM FUGA DESABALADA DO LOCAL. CONFIGURAÇÃO DA FORMA TENTADA DO CRIME, PORQUANTO O AGENTE NÃO LOGROU ÊXITO EM OBTER A VANTAGEM INDEVIDA POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À SUA VONTADE. DOLO EVIDENTE. VERSÃO DEFENSIVA ANÊMICA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE MODIFICOU A NATUREZA DA AÇÃO PENAL DE INCONDICIONADA PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE ATO FORMAL QUANDO VERIFICADO, POR OUTROS MEIOS, INEQUÍVOCO INTERESSE NA PERSECUÇÃO PENAL. IN CASU MANIFESTAÇÃO DE VONTADE EXTERNADA POR MEIO DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA E DAS DECLARAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DO GERENTE DO ESTABELECIMENTO VÍTIMA. SUFICIÊNCIA. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DESTA CORTE ENCAMPADO POR ESTE RELATOR, EM PROL DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA COLEGIALIDADE.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003106-02.2016.8.24.0022, da comarca de Curitibanos (Vara Criminal) em que é Apelante Helton Roberto Reinaldi e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso, negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 06 de outubro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público a Excelentíssima Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 09 de outubro de 2020

Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Curitibanos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Helton Roberto Reinaldi, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, e contra Rosângela de Oliveira, dando-a como incursa nas sanções do art. 348, caput, do mesmo diploma legal, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:

No dia 04 de abril do ano de dois mil e quatorze, em horário a ser melhor apurado durante a instrução processual, neste Município, o denunciado HELTON ROBERTO REINALDI na companhia da também denunciada ROSÂNGELA DE OLIVEIRA, mediante união de esforços e unidade de desígnios, se dirigiram até o Supermercado Myatã, nesta cidade para lá tentarem obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mediante meio fraudulento.

Para tanto, quando chegaram no estabelecimento, enquanto a ré ROSÂNGELA permaneceu no veículo, o acusado HELTON ingressou no mercado e efetuou compras no estabelecimento comercial, dando como pagamento o cheque do Banco Itaú, Ag 0627, c/c 02640-4, do correntista Anderson Pires Jardim, preenchido no valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), cuja assinatura não era do correntista.

Ocorre que os acusados não conseguiram concluir a empreitada criminosa por motivos alheios à vontade dos agentes, isso porque o gerente do estabelecimento, sabendo que um cheque anterior do mesmo correntista já havia dado problema, não aceitou o pagamento, momento no qual o acusado HELTON saiu do estabelecimento, embarcou no carro que estava a acusada ROSÂNGELA, e de lá fugiram para rumo ignorado (p. 1-2).

Em relação à acusada Rosângela de Oliveira, foi ofertada a suspensão condicional do processo, que foi aceita (p. 91).

O representante do Ministério Público, em alegações finais, requereu a procedência da denúncia, para que o denunciado seja condenado nas sanções previstas no art. 171, c/c art. 14, II, ambos do CP, uma vez que, em que pese não constar assim na capitulação contida na inicial, houve a descrição da tentativa (p. 178).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 3 (três) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 171, caput, c/c o art. 14, II, parágrafo único, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, a saber, prestação pecuniária. Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (p. 197-204).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual pugnou pela absolvição do acusado diante da atipicidade da conduta, uma vez que apenas solicitou à funcionária do supermercado que consultasse a cártula, não chegando a induzir ou manter a vítima em erro. Subsidiariamente, sustenta não ter restado comprovado o dolo, tendo em vista que o denunciado não possuía conhecimento acerca da origem ilícita do cheque, invocando assim, a incidência do princípio do in dubio pro reo (p. 237-247).

Juntadas as contrarrazões (p. 255-261), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso (p. 268-274).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas no art. 171, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

O apelo deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Do pleito absolutório

Pretende a defesa, a absolvição do acusado, argumentando, em suma, a atipicidade da conduta, pois entende que a consulta da cártula, por si só, não configura crime e, também, alega insuficiência probatória no tocante ao dolo.

Sem razão.

De início, mister destacar o que verbera o dispositivo em questão:

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O crime em apreço, elencado no art. 171 do Código Penal, tem sua denominação derivada de stellio - lagarto que muda de cores iludindo os insetos dos quais se alimenta (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 303). Ocorre quando o agente emprega qualquer meio fraudulento, induzindo alguém em erro ou mantendo-o nessa situação e conseguindo, assim, uma vantagem indevida para si ou para outrem, com lesão patrimonial alheia. Isto posto, é elemento essencial à configuração do delito, fraude antecedente.

Protege, o dispositivo penal supramencionado, a inviolabilidade patrimonial e, ainda, em caráter secundário, os negócios jurídicos patrimoniais no aspecto de boa-fé, segurança e fidelidade que devem norteá-los.

Sobre o tema, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini lecionam:

A conduta do estelionato consiste no emprego de meio fraudulento para conseguir vantagem econômica ilícita. A fraude pode consistir em artifício, que é a utilização de um aparato que modifica, aparentemente o aspecto material da coisa ou da situação etc., em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou mesmo em simples mentira, ou qualquer outro meio para iludir a vítima, inclusive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsificados, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa (Código Penal Interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1173, grifou-se).

Da mesma forma, Guilherme de Souza Nucci elucida:

[...] a conduta é sempre composta. Obter vantagem indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences. Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite (Código Penal Comentado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1068, grifou-se).

Desse modo, para a configuração do referido ilícito penal é imprescindível o "1) emprego de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento; 2) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio (do enganado ou de terceiro) (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 772).

Pois bem, delineado o tipo penal, passa-se à análise do caso concreto.

A materialidade delitiva, apesar de inconteste, veio assente nos boletins de ocorrência (p. 06-07; 10-11 e 14-15) e cártula constante à p. 13

A autoria, assim como o dolo do agente, restaram igualmente comprovados.

Para elucidar tal entendimento, pertinente percorrer a prova oral colhida na fase inquisitiva e na instrutória. Veja-se:

Airton Ribeiro Maciel, gerente do supermercado alvo da ação delitiva, ao registrar o boletim de ocorrência de p. 10-11, contou que em certa ocasião esteve no estabelecimento comercial um indivíduo que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT