Acórdão Nº 0003121-04.2016.8.24.0011 do Quinta Câmara Criminal, 30-06-2022

Número do processo0003121-04.2016.8.24.0011
Data30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003121-04.2016.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: FRANCISCO FLAVIO PEREIRA LUCAS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Francisco Flávio Pereira Lucas, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 157, §2º, I, do Código Penal (na redação anterior à Lei n. 13.654/2018), na modalidade tentada, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (doc. 24 da ação penal):

Infere-se do presente Inquérito Policial que no dia 16 de janeiro de 2016, por volta das 11h15min, o denunciado, com manifesto animus furandi e mediante grave ameaça exercida com emprego de arma branca (faca), ingressou no estabelecimento denominado "CH Eccel Corretor de Imóveis", localizado na Rua Santa Cruz, n. 374, bairro Águas Claras, nesta cidade de Brusque/SC, abordou a vítima Ana Adelir Resner e anunciou o assalto, tentando subtrair para si o dinheiro do referido estabelecimento, não logrando êxito em seu intento criminoso por circunstâncias alheias à sua vontade.

A denúncia foi recebida em 03-10-2016 (doc. 25 da ação penal).

O acusado, no entanto, foi citado por edital e não apresentou defesa, razão pela qual o processo foi suspenso, nos termos do art. 366Código de Processo Penal, em 1-10-2019 (docs. 61 e 70 da ação penal).

Em 10-6-2021, o réu se deu por citado e o curso processual foi retomado (doc. 80 da ação penal).

Encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (doc. 151 da ação penal), na qual foi julgada procedente a pretensão Ministerial para condenar o réu à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 6 (seis) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 157, §2º, I, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (na redação anterior à Lei n. 13.654/2018).

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (doc. 159 da ação penal), no qual pleiteou sua absolvição por insuficiência probatória. O recorrente argumentou que o reconhecimento pessoal não seguiu os moldes previstos na legislação processual penal. Ademais, sugeriu que a palavra da vítima está isolada nos autos e que o reconhecimento realizado na etapa inquisitorial sequer foi confirmado em juízo, sendo assim, incapaz de sustentar o édito condenatório.

Subsidiariamente, requereu a aplicação da retroatividade de lei penal mais benéfica na dosimetria da pena, para afastar a majorante do inciso I, § 2º, do art. 157 do Código Penal, que foi revogado pela Lei n. 13.654 de 2018. Sucessivamente, pugnou pela manutenção da pena-base no mínimo legal, sem que o emprego de faca seja considerado para negativar as circunstâncias do crime ou, alternativamente, que eventual aumento na primeira fase seja aplicado no patamar de 1/8.

Por fim, requereu que seja concedida a redução prevista no art. 14, parágrafo único, do CP na fração máxima de 2/3, pois o réu teve ínfima, se alguma, possibilidade de consumar o delito.

Foram apresentadas contrarrazões no doc. 161 da ação penal.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Carlos Henrique Fernandes, o qual se manifestou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (doc. 3).

É o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2246419v22 e do código CRC d92bec68.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 13/6/2022, às 17:46:8





Apelação Criminal Nº 0003121-04.2016.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: FRANCISCO FLAVIO PEREIRA LUCAS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Inicialmente, o recorrente argumentou que o reconhecimento pessoal não seguiu os moldes previstos na legislação processual penal, visto que sequer está documentado nos autos. Alegou que a vítima reconheceu o indiciado na viatura, sem a devida formalidade e que tal reconhecimento tampouco foi confirmado em juízo.

Sobre a alegada nulidade do reconhecimento, sabe-se que a jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se posicionado, historicamente, no sentido de que "a inobservância do procedimento estabelecido no artigo 226 do Código de Processo Penal não gera vício insanável apto a acarretar a nulidade do reconhecimento fotográfico ou pessoal realizado, notadamente por se tratar de mera recomendação" (TJSC, Apelação Criminal n. 0004731-75.2014.8.24.0011, de Brusque, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 21-11-2019).

Em consonância, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A jurisprudência deste Tribunal Superior admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico, ainda que não observadas a totalidade das formalidades contidas no art. 226 do Código de Processo Penal. Com efeito, o reconhecimento fotográfico do réu, quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação. [...] (AgRg no HC 462.030/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 5-3-2020).

Não se desconhecem os novos precedentes da Corte Cidadã no sentido de que é nulo o reconhecimento fotográfico e pessoal, realizado na delegacia, em desacordo com as orientações do art. 226 do Código de Processo Penal e não corroborado por outras provas de autoria (a propósito: HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021; HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).

No entanto, embora ambas as Turmas Criminais do STJ tenham exarado esse posicionamento, não há, até o momento, julgado com efeito vinculante em relação à matéria.

Pelo contrário, verifica-se que mesmo a jurisprudência do Tribunal da Cidadania segue apresentando divergências, como é o caso de acórdão proferido pela Quinta Turma, em 5 de outubro de 2021, que não reconheceu a nulidade do reconhecimento pessoal, porque corroborado por outras provas (justamente como o presente caso).

Confira-se:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. RECONHECIMENTO PESSOAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE.EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DO DEVIDO COTEJO ANALÍTICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.I - É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que a interposição do apelo extremo, com fulcro na alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição Federal, exige, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, além da transcrição de ementas de acórdãos, o cotejo analítico entre os arestos recorrido e os paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu na espécie.II - Quanto à alegação de nulidade do procedimento de reconhecimento de pessoa, deve ser mantida a decisão monocrática recorrida, pois, como dito, o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "a inobservância do disposto no art. 226 do Código de Processo Penal não pode ser utilizada para tornar nulo o ato de identificação do Acusado, ainda mais se tal prova for corroborada pelas demais provas produzidas durante a instrução" (AgRg no REsp n. 1.304.484/RJ, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 7/3/2014).Agravo regimental desprovido.(AgRg no AREsp 1888676/DF, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021, grifei).

No caso concreto, extrai-se que, apesar de não ter realizado o reconhecimento pessoal na delegacia de polícia nos moldes do art. 226 da legislação processual, a vítima reconheceu o acusado na viatura de polícia logo após a tentativa de roubo.

No tocante à prova oral, para evitar tautologia e prestigiar a exposição feita pelo Magistrado de origem, cito o conteúdo dos depoimentos transcritos na sentença - cujo teor pode ser confirmado pelos docs. 6-8, 13, 14, e pela mídia do doc. 148 da ação penal -, para integrá-los à presente decisão (doc. 151 da ação penal - grifei):

Ao ser interrogado no inquérito policial, Francisco Flávio Pereira Lucas negou ter praticado o crime contra a vítima, negando também que estivesse na referida imobiliária. Afirmou que estava em casa dormindo quando a polícia chegou e que está morando com seu tio desde que se separou da esposa há mais de um ano. Negou ter ameaçado a vítima com a faca. Declarou que faz uso de cerveja, mas que no dia dos fatos não havia tomado nada (Evento 1, inquérito 7).

Por ocasião do seu interrogatório judicial, o acusado negou a autoria dos fatos dizendo que não esteve na imobiliária da vítima e que também não procurou a mesma para alugar uma casa. [acrescentar parte do depoimento sobre serem quitinetes etc] Sustentou que morava em um beco, em um conjunto de seis quitinetes. Alegou que na data dos fatos os policiais foram batendo de porta em porta até que chegaram ao depoente, que estava proibido de fazer esforço por conta de uma cirurgia na barriga. Prosseguiu, afirmando que não sabe como a vitima o reconheceu, porque na época dos fatos estava em casa em razão de uma cirurgia que havia feito (mídia do Evento 164).

A vítima, Ana Adelir Resner, informou na fase policial que seu marido possui uma imobiliária, sendo esta na parte da frente da moradia do casal. Que no dia 16-1-2016 pela manhã o suspeito foi até sua empresa e perguntou sobre locação de casas. Que lhe informou sobre as casas que tinha...

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