Acórdão Nº 0003139-53.2019.8.24.0000 do Terceira Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0003139-53.2019.8.24.0000
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemNavegantes
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0003139-53.2019.8.24.0000, de Navegantes

Relator: Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). CRIME COMETIDO CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS INTERESTADUAL E ASSOCIAÇÃO À NARCOTRAFICÂNCIA (ART. 33, CAPUT, E ART. 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N.º 11.343/06). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. INSURGÊNCIA INTERPOSTA PELA DEFESA E, TAMBÉM, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. [1] RECURSO DA ACUSAÇÃO. PLEITO DE REVISÃO DA DOSIMETRIA DAS PENAS VISANDO [1.1] A INCIDÊNCIA DO ART. 42 DA LEI DE DROGAS NA DOSIMETRIA DA PENA APLICADA AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO; [1.2] O AUMENTO DA FRAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO ART. 42 DA LEI DE DROGAS PARA 5/6 (CINCO SEXTOS), NAS DOSIMETRIAS DOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO; [1.3] O AUMENTO DA FRAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DA PENA PREVISTA NO ART. 40, INC. V, DA MESMA LEI, PARA 2/3 (DOIS TERÇOS) E RESPECTIVOS REFLEXOS. [2] RECURSO DA DEFESA. [2.1] PRELIMINARES. [2.1.1] ALEGADA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO (TRÁFICO TRANSNACIONAL); [2.1.2] NULIDADE DA AÇÃO PENAL EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES NA COLETA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS E PRODUÇÃO DE PROVAS JUDICIAIS. [2.2] MÉRITO. PLEITOS DE [2.2.1] ABSOLVIÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO; [2.2.2] REVISÃO DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA CONDUTA (COM O RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO); [2.2.3] REVISÃO DA DOSIMETRIA DAS PENAS, PARA FIXÁ-LAS NOS PATAMARES MÍNIMOS LEGAIS; [2.2.4] RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS. RECURSO DA ACUSAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DA DEFESA CONHECIDO EM PARTE, NA EXTENSÃO CONHECIDA, AFASTADAS AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, INTEGRALMENTE DESPROVIDO. OPERADAS ADEQUAÇÕES DE OFÍCIO NAS DOSIMETRIAS DAS PENAS.

I. RECURSO DA DEFESA.

I.I.ADMISSIBILIDADE. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. O Princípio da Dialeticidade recursal impõe ao recorrente o ônus de evidenciar os motivos de fato e de direito suficientes à reforma da decisão objurgada, trazendo à baila argumentações capazes de infirmar todos os fundamentos do decisum que se pretende modificar, sob pena de vê-lo mantido incólume, a teor do que dispõem as Súmulas 284 e 287 da Suprema Corte Federal (STF, AgRgRMS n. 30.842, Min. Luiz Fux). Na hipótese, o simples requerimento para que a pena seja fixada no mínimo legal, desacompanhado dos fundamentos que justificariam a reforma da sentença no ponto, não comporta conhecimento.

I.II. PRELIMINARES.

I.II.I. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA ORIGEM ESTRANGEIRA DA DROGA APREENDIDA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES E FIRMES A APONTAR QUE A ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ORA INVESTIGADA, NOS SEUS EXATOS MOLDES, SEJA DEDICADA AO TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MANUTENÇÃO DA REGRA DE COMPETÊNCIA RESIDUAL. Para que se configure a competência da Justiça Federal não basta a mera probabilidade acerca da possível origem internacional da droga, devendo ser acompanhada de comprovação, estreme de dúvidas, da transnacionalidade da conduta delineada pelo Órgão de Acusação na denúncia.

Na hipótese, a investigação policial acabou por identificar a participação de um dos corréus (processo cindido) em dois núcleos associativos distintos: o primeiro, em tese, para o comércio transnacional de cocaína e crack, com auxílio de terceiros estranhos ao presente feito, organização mais complexa, métodos e aportes financeiros mais expressivos (condutas não descritas na exordial), e o segundo, destinado à aquisição e distribuição de maconha, com a colaboração efetiva dos demais corréus (conduta descrita e pormenorizada na denúncia).

Em observância aos limites delineados na peça pórtica acusatória, afasta-se a tese de transnacionalidade das condutas. Preliminar afastada.

I.II.II. PRELIMINAR. SUPOSTA ATUAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITAR E CIVIL COMO ASSISTENTES DA ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA ATUAÇÃO FUNCIONAL. ELEMENTOS INFORMATIVOS VÁLIDOS. "A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à polícia federal e à polícia civil, o que evidencia a legalidade de investigações realizadas pela polícia militar e da prisão em flagrante efetivada por aquela comoração" (STJ, Min. Maria Thereza de Assis Moura). Ademais, a proteção dos direitos fundamentais e satisfação do interesse social são objetivos primordiais do Estado e, portanto, não há que se cogitar a dita atuação da Polícia Militar como assistente de acusação, sequer ofensa ao Princípio da Paridade de Armas. Preliminar afastada.

I.II.III. PRELIMINAR. INVERSÃO NA COLHEITA DA PROVA. INTERROGATÓRIOS REALIZADOS ANTES DA JUNTADA DOS RELATÓRIOS COM TRECHOS DA PROVA TÉCNICA E DO CUMPRIMENTO DAS CARTA PRECATÓRIAS PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS. OBSERVÂNCIA DOS REGRAMENTOS ESTABELECIDOS NOS ARTS. 222, § 1.º E 231, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. "Conquanto recomendável que o interrogatório seja o último ato da instrução, é possível a realização do ato quando pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunhas e vítima, conforme previsão expressa do art. 222, § 1.º, do CPP, ao dispor que a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal" (STJ Min. Félix Fisher).

Ainda, a respeito, uma vez intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado. Preliminar afastada.

I.II.IV. PRELIMINAR. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DO JUÍZO. INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PREJUÍZO, ADEMAIS, NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE INEXISTENTE. O indeferimento de produção de provas, como é cediço, encontra-se dentro do âmbito de discricionariedade do Magistrado, desde que o faça de forma fundamentada: o Princípio do Livre Convencimento do magistrado concede ao Julgador poderes para, após avaliação das especificidades do caso, formar seu juízo a respeito da necessidade ou não de se produzir provas requeridas pela defesa. Preliminar afastada.

I.III. MÉRITO

I. III.I. - ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO. JUÍZO DE CONDENAÇÃO. Comprovado o elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de caráter estável e duradouro entre os acusados para prática da narcotraficância, a incutir no julgador certeza acerca da responsabilidade penal pelos fatos narrados na denúncia, impõe-se a manutenção da sua condenação pelo crime previsto no art. 35 da Lei Antidrogas.

Na hipótese, merecem destaque os trabalhos investigativos que visaram a identificação e desmantelamento da associação criminosa, o que de fato levaram a efeito, valendo-se, para tanto, de informações recebidas de informantes, denúncias anônimas, informações de Policiais Civis, além de diligências investigativas como 'campanas', extração de dados de aparelhos celulares, cumprimento de mandado de busca e apreensão nas residências dos denunciados e também no espaço utilizado para armazenamento de drogas, somados aos íntegros e harmônicos depoimentos prestados pelos Policiais Civis que atuaram na investigação e na diligência que culminou na prisão em flagrante do acusado. Recurso da defesa desprovido.

I.III.II. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE ANTE O DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS CUMULATIVOS ELENCADOS NO § 4.º DO ART. 33, DA LEI DE DROGAS. Não se aplica a causa especial de diminuição de pena estabelecida no § 4.º do art. 33 da lei antidrogas quando demonstrado nos autos que o réu dedicava-se à atividade criminosa com habitualidade, além de integrar associação formada para prática do narcotráfico, ainda que primário e de bons antecedentes.

I.IV. DOSIMETRIA DAS PENAS

I.IV.I. PRIMEIRA FASE. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, DA NEGATIVAÇÃO DO VETOR "CULPABILIDADE", PARA O CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO. Na sentença, a negativação do vetor recebeu como fundamento razões que se confundem com aquilo que se espera para a configuração do tipo penal, e sua manutenção configura bis in idem. Dosimetria readequada ex officio.

I.IV.II. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, DA NEGATIVAÇÃO DO VETOR "MOTIVO DO CRIME". Para fins de análise do art. 59 do Código Penal, o motivo do crime deve ser compreendido como o juízo de reprovabilidade das razões que o levaram ao cometimento do crime. No caso em tela, a fundamentação apresentada na sentença (desejo reprovável de obter vantagem econômica mediante a exploração da desgraça alheia, egoísmo, a vontade de obter ganho fácil sem o necessário trabalho honesto) não autoriza, isoladamente, a negativação do vetor em destaque, porquanto não se observa que tais elementos ultrapassem o que se espera para a configuração do tipo penal e, ainda, pela ausência de elementos informativos e provas da especial gravidade dos motivos que impulsionaram a prática dos delitos, que impliquem em maior reprovabilidade além daquela prevista no preceito secundário do delito. Dosimetria readequada ex officio.

I.V. PLEITO DE RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS. A interpretação dos arts. 62 e 63 da Lei de Drogas conduz à conclusão de que inadmissível a restituição de bens utilizados na prática criminosa, sequer de valores e objetos cuja origem lícita não tenha sido comprovada. Pleito desprovido.

II - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA.

II.I. - DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. PLEITO DE INCIDÊNCIA DO ART. 42 DA LEI DE DROGAS PARA O CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. A teor do art. 42 da Lei n. 11.343/06, as circunstâncias relativas à natureza e quantidade da droga movimentada pela associação criminosa poderá ser considerada na primeira fase da dosimetria da pena, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, também para o crime previsto no art. 35 da Lei de...

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