Acórdão Nº 0003233-49.2012.8.24.0031 do Terceira Câmara Criminal, 05-10-2021

Número do processo0003233-49.2012.8.24.0031
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003233-49.2012.8.24.0031/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003233-49.2012.8.24.0031/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: IVO SELBMANN (RÉU) ADVOGADO: alan muxfeldt da silva (OAB SC015957) ADVOGADO: RUBENS METTE (OAB SC017007) ADVOGADO: MAICON JUNIOR CIRICO (OAB SC034277) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: CARLOS ADAIR RIZZON ARMILIATO (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Indaial, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Ivo Selbmann pela prática, em tese, da conduta criminosa prevista no art. 180, § 1º, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados (evento 112):

Consta do inquérito policial incluso, que no início do mês de fevereiro de 2012, o denunciado IVO SELBMANN, proprietário do estabelecimento Incavel Pneus, localizado na Rodovia BR 470, nº 2600, Km 73, bairro João Paulo II, no Município de Indaial/SC, adquiriu de um terceiro, desconhecido, 144 (cento e quarenta e quatro) pneus, da marca Tornel, aro '14', e mesmo sabendo da origem ilícita dos mesmos, objeto de um furto de carga ocorrido na cidade de Pouso Redondo/SC, expôs os mesmos à venda em seu comércio, tendo até a data de 16 de fevereiro do mesmo ano vendido a pessoas diversas 62 (sessenta e dois) dos referidos pneus, pelo valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais) cada um, sendo recuperados os demais, conforme termo de exibição e apreensão de fl. 6.

Sobreveio sentença em que a peça acusatória foi julgada procedente, em cuja parte dispositiva assim constou:

JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados na denúncia para CONDENAR IVO SELBMANN, já qualificado, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, e ao pagamento de 10 dias-multa, cada um fixado no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado até o pagamento, pela prática do crime de receptação qualificada, capitulado no art. 180, § 1º do CP.

O condenado deverá iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, conforme acima fundamentado.

A pena de prisão aplicada ao condenado foi substituída por duas penas restritivas de direitos: 1) prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo de condenação, ressalvada a hipótese do § 4º do art. 46 do CP; 2) prestação pecuniária, no valor de 01 salário-mínimo em benefício da vítima (Contrans Transportes), valor este que poderá ser deduzido do valor indenizatório, abaixo fixado.

As penas restritivas de direitos serão convertidas em privativa de liberdade se os condenados as descumprir sem justificativa razoável, conforme preconiza o § 4.º do art. 44, do CP.

Ainda, em atenção ao art. 387, inciso IV, do CPP, com a nova redação dada pela Lei 11.719/08, fixo em R$ 7.440,00 o valor a ser pago pelo condenado à empresa Contrans Transportes (fls. 07 e 21/22 e fls. 108), referente aos 62 pneus receptados e vendidos pelo Acusado, não recuperados pela polícia, conforme alegado em seu interrogatório na fase policial (fl. 04) e judicial (CD de fl. 309), e ainda, conforme os Termos de Exibição e Apreensão, Reconhecimento e Entrega, e de Avaliação, de fls. 06/07 e 199). Referido valor deverá ser acrescido de juros de mora pela SELIC (STJ, Embargos de Divergência em Resp n. 727.842 SP, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI), a contar do evento danoso (16/02/2012 data dos fatos) (Súmula 54 do STJ). Desnecessária a fixação de correção monetária uma vez que a SELIC engloba juros e correção.

A defesa de Ivo Selbmann interpôs recurso de apelação (evento 189). Em suas razões recursais (evento 10), pugnou, em preliminar, que seja determinada a intimação do Ministério Público a fim de lhe conceder o acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal. No mérito, requereu a absolvição pela prática do crime previsto no art. 180, § 1º, ante a insuficiência probatória e aplicação do princípio do in dubio pro reo ou sua desclassificação para o art. 180, § 3º, ambos do Código Penal e conseguinte concessão do perdão judicial. Por fim, prequestionou os dispositivos constitucionais e federais pertinentes.

Contrarrazões no evento 14.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, em que opinou pelo conhecimento do recurso, afastamento da preliminar e desprovimento (evento 17).

Documento eletrônico assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1326019v6 e do código CRC c5f1cc28.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ERNANI GUETTEN DE ALMEIDAData e Hora: 4/10/2021, às 14:22:18





Apelação Criminal Nº 0003233-49.2012.8.24.0031/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003233-49.2012.8.24.0031/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: IVO SELBMANN (RÉU) ADVOGADO: alan muxfeldt da silva (OAB SC015957) ADVOGADO: RUBENS METTE (OAB SC017007) ADVOGADO: MAICON JUNIOR CIRICO (OAB SC034277) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: CARLOS ADAIR RIZZON ARMILIATO (OFENDIDO)

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade motivo pelo qual deve ser conhecido.

Preliminar

Oferecimento do acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A)

A defesa de Ivo Selbmann requer seja determinada a intimação do Ministério Público a fim de lhe conceder o acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal.

No entanto sem razão.

A alteração legislativa promovida pela Lei 13.964/2019 acrescentou o art. 28-A do Código de Processo Penal, o qual introduziu o instituto do acordo de não persecução penal que, por sua vez, ao abrir margem à autocomposição no âmbito criminal, constitui forma de relativizar o princípio da obrigatoriedade da ação penal e culminar, caso formalizado e cumpridas as condições impostas, na extinção da punibilidade do agente.

A propósito, o art. 28-A do Código do Processo Penal dispõe que:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

[...]

§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

Embora não se descuide do entendimento de que possui natureza material, a redação do dispositivo evidencia que o intuito do legislador foi restringir sua abrangência tão somente à fase investigativa, anterior ao recebimento da denúncia. Não por acaso, ao regulamentar o acordo de não persecução penal, o dispositivo acima faz menção apenas a investigado, expressão essa que igualmente é utilizada no art. 28-A, §§ 3º, 4º, 5º e 11º, e art. 14, do Código de Processo Penal e que não pode ser desprezada para se compreender as limitações legais existentes.

Logo, ao contrário do que sustenta a defesa, não há falar em concessão do benefício em processos em curso, como no caso, ainda que tenham iniciados em data anterior à alteração legislativa. Aliás, pela redação do dispositivo legal, também não há qualquer lacuna legal a ser sanada pelos meios de integração - analogia ou interpretação extensiva -, porquanto foi claro o legislador quanto aos destinatários.

Em complemento, válido reforçar que o acordo de não persecução visa mitigar o princípio da obrigatoriedade, e não o da indisponibilidade, que passa a reger a ação penal depois ajuizada pelo Ministério Público. Não há, via reversa, qualquer dispositivo legal que autorize a autocomposição quando já instaurado o processo e levada a efeito a pretensão penal pelo titular da ação.

Como bem esclarece a doutrina:

Questão relevante diz respeito à fase da persecução penal em que tem lugar a formalização do acordo. Não há dúvidas de que, em termos legais, esta possibilidade apenas existe caso ainda não recebida a denúncia, descabendo ao Ministério Público efetivar o ajuste em momento posterior. Isto, aliás, é o que se infere da disciplina legal inserida no art. 28-A do CPP, dispositivo este que, em seus diversos incisos e parágrafos, sempre faz referência ao investigado, nada referindo quanto ao já acusado (condição da pessoa denunciada após o ajuizamento da peça acusatória) ou do réu (status do denunciado depois do recebimento da denúncia). Sem embargo, existe corrente doutrinária defendendo a viabilidade de que, por analogia ao art. 28-A e mediante os mesmos requisitos e condições, seja proposto a quem já é acusado no âmbito de processo criminal regularmente instaurado, um acordo de não continuidade da ação penal. Insistimos, contudo, que não há amparo jurídico para celebração desse último ajuste, importando, a nosso ver, em flagrante ilegalidade, já que implica em mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal sem que haja lei assim estabelecendo.(AVENA, Norberto. Processo Penal. Grupo GEN, 2020. [Minha Biblioteca]; pg. 310). (grifo nosso)

A partir dessa premissa, por já ter sido recebida a denúncia, prolatada sentença condenatória e encontrando-se o feito em fase recursal, figura-se inviável eventual concessão do acordo de não persecução penal pelo Ministério Público.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu (Habeas Corpus 191.464-AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 26.11.2020):

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS (ART. 35 DA LEI 11.343/2006). INVIABILIDADE.

1. As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumento de política criminal dentro da nova realidade do...

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