Acórdão Nº 0003243-15.2015.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 23-01-2020

Número do processo0003243-15.2015.8.24.0023
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0003243-15.2015.8.24.0023

Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA E ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E FALSA IDENTIDADE (ART. 155, § 4º, I E II, C/C O ART. 14, II, E 307, TODOS DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA. DELITO PRATICADO NA FORMA QUALIFICADA E RÉU MULTIRREINCIDENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS. ADEMAIS, VALOR DA RES E DANOS CAUSADOS AO ESTABELECIMENTO COMERCIAL QUE NÃO PODEM SER CONSIDERADOS ÍNFIMOS. REQUISITOS AUTORIZADORES NÃO DEMONSTRADOS. EXPRESSIVO GRAU DE REPROVABILIDADE E OFENSIVIDADE DA CONDUTA. CONDENAÇÃO PRESERVADA

ALEGADO ESTADO DE NECESSIDADE (FURTO FAMÉLICO). INOCORRÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE E AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS INTEGRATIVOS ESSENCIAIS DA CAUSA JUSTIFICANTE. ILICITUDE DA CONDUTA RECONHECIDA.

FALSA IDENTIDADE. PLEITO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIADADE. LESÃO AO BEM JURÍDICO COMPROVADA. RÉU QUE SE APRESENTA À AUTORIDADE POLICIAL COM NOME DE SEU IRMÃO, OBJETIVANDO OCULTAR OS SEUS ANTECEDENTES. APLICABILIDADE DA SÚMULA 522 DO STJ. DELITO FORMAL E DE CONSUMAÇÃO INSTANTÂNEA. MANUTENÇÃO DO DECISUM.

FURTO. ALMEJADO AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DA ESCALADA. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO CORROBORADA PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA, ESPECIALMENTE DO LAUDO PERICIAL. MAJORANTE PRESERVADA.

DOSIMETRIA. PENA BASILAR. POSTULADA A APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) SOBRE A PENA MÍNIMA PARA CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. PROVIDÊNCIA ADOTADA NA SENTENÇA. CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.

PEDIDO DE COMPENSAÇÃO ENTRE A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA E A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO CABIMENTO. MULTIRREINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. PREPONDERÂNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE. PRECEDENTES. SENTENÇA INALTERADA.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003243-15.2015.8.24.0023, da comarca da Capital 3ª Vara Criminal em que é Apelante Adriano Martins Fonseca e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Alexandre d'Ivanenko, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador José Everaldo Silva. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020.

Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

Relator


RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Adriano Martins Fonseca, imputando-lhe a prática dos delitos capitulados nos arts. 155, § 4º, I e II, c/c o art. 14, II, e 307, todos do Código Penal, pois, segundo consta na inicial e no seu aditamento:

No dia 1º de fevereiro de 2015, por volta das 3 horas da madrugada, o denunciado dirigiu-se ao estabelecimento comercial Kioske Deodoro, de propriedade da vítima Fábio Nivaldo da Luz e situado na Rua Deodoro, Centro, nesta Cidade, a fim de subtrair bens de valor.

Lá chegando, o denunciado escalou a parede do imóvel e quebrou, com o emprego de ferramentas, parte do telhado. Ato contínuo, entrou no local e reuniu, para subtração, vários produtos alimentícios, avaliados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

O delito, porém, não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, pois foi flagrado por Policiais Militares quando ainda se encontrava dentro do estabelecimento comercial.

Imputou-se a Noeli Martins Fonseca a prática do crime previsto no art. 155, § 4º, incisos I e II, c/c art. 14, inciso II, ambos do CP (denúncia de fls. 21/22).

O denunciado, porém, em verdade se chama Adriano Martins Fonseca, mas, no dia 1º de fevereiro de 2015, atribuiu a si falsa identidade, na Central de Plantão Policial de Florianópolis, com o objetivo de obter vantagens em proveito próprio, quais sejam, receber benefícios legais passíveis de concessão apenas aos agentes primários, o que não é seu caso, bem como a não aplicação da lei penal.

Dias depois, sustentou a falsa identidade ao assinar o mandado de citação (fl. 80) e o alvará de soltura (fls. 66/67), ambos expedidos por esse Juízo (fls. 21-23 e 121-124).

Finalizada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia e no aditamento, para condenar o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 6 (seis) dias-multa, por infração ao art. 155, § 4º, I e II, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal; e à pena de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 307 do Código Penal, em concurso material (fls. 270-288).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou a absolvição quanto ao crime de furto qualificado, mediante a aplicação do princípio da insignificância ou do reconhecimento do furto famélico. No tocante ao crime de falsa identidade, pleiteou a absolvição, sustentando a atipicidade material da conduta. Subsidiariamente, pugnou pelo afastamento da qualificadora da escalada, pela redução para 1/6 (um sexto) do quantum majorado na pena-base e pela compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea (fls. 316-329).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 345-353), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio da Exma. Dra. Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 359-372).

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conhece-se do recurso.

1 Inicialmente, com relação ao delito patrimonial, a defesa requer o reconhecimento da atipicidade da conduta praticada pelo apelante, porquanto abarcada pelo princípio da insignificância, diante da inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado.

Sem razão.

O princípio da insignificância se insere no rol dos mecanismos que a moderna dogmática jurídico-penal elaborou para tornar efetiva a tarefa político-criminal de descriminalização, sem que se abandone a segurança jurídica do sistema.

Como decorrência dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima no direito penal, o princípio da insignificância atua "como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal" (MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 56).

Funda-se, portanto, na concepção material do tipo penal, por meio da qual a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato à norma. Exige que a conduta nela enquadrável revele-se, ainda, ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal, sem o que a intervenção criminal não se justifica.

Tendo por consequência a exclusão da tipicidade material, no âmbito do Pretório Excelso, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar configuradas, de forma cumulativa, as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e, d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Veja-se:

[...] PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DA HABITUALIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC nº 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 12/05/2016, ARE nº 849.776-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 12/3/2015, HC nº 120.662, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 21/8/2014, HC nº 120.438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12/03/2014, HC nº 118.686, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 04/12/2013, HC nº 112.597, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 10/12/2012 (STF - Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 129813/MS. Rel. Min. Luiz Fux. j. em 31/5/2016).

Comungando desse entendimento, cumpre agora perscrutar se o desvalor da ação/resultado estampado no caso sub examine, embora enquadrável no enunciado normativo dos art. 155, § 4º, I e II, c/c o art. 14, II, ambos do CP (tipicidade formal), retrata uma afetação substancial do bem jurídico protegido, possuindo relevância jurídica suficiente para justificar a persecutio criminis in juditio (tipicidade material).

Pela análise dos elementos coligidos, não é possível reconhecer como reduzido o grau de reprovabilidade da conduta, a sua mínima ofensividade ou a inexpressividade da lesão jurídica provocada, a fim de tornar viável a aplicação do princípio da insignificância.

Isso porque, não obstante a conduta não ter ultrapassado a esfera da tentativa, e embora não tenha sido elaborado auto de avaliação dos bens apreendidos, as provas colacionadas aos autos revelam que o montante dos danos causados pela ação do acusado não pode ser considerado inexpressivo.

As imagens do laudo pericial (fls. 47-56) confirmam a...

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