Acórdão Nº 0003257-65.2018.8.24.0064 do Quinta Câmara Criminal, 23-04-2020

Número do processo0003257-65.2018.8.24.0064
Data23 Abril 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0003257-65.2018.8.24.0064, de São José

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA INCOLUMIDADE PÚBLICA. POSSE DE ARMA DE FOGO (ART. 12, CAPUT DA LEI 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO APRESENTADO PELA DEFESA. PRELIMINAR. ALEGADA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NÃO OCORRÊNCIA. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA PELA PRÁTICA DE CRIME PERMANENTE. INGRESSO NA RESIDÊNCIA BASEADO EM FUNDADAS SUSPEITAS APÓS PERSEGUIÇÃO DO RÉU NA ESTARIA PORTANDO ARMA DE FOGO. RÉU PRESO EM CASA, SENDO ENCONTRADA A ARMA DE FOGO. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL NO CASO VERTENTE. MÉRITO. ALEGADA AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. NÃO ACOLHIMENTO. EXAME REALIZADO DENTRO DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS E DEVIDAMENTE CONFECCIONADO POR PERITO OFICIAL. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO E DE MERA CONDUTA. DESNECESSIDADE DE SE PERQUERIR SOBRE A POTENCIALIDADE LESIVA DA ARMA DE FOGO. "[...] tratando-se de crime de perigo abstrato, é prescindível a realização de laudo pericial para atestar a potencialidade lesiva da arma apreendida e, por conseguinte, caracterizar o crime de porte ilegal de arma de fogo (TJSC, Apelação Criminal n. 0001438-49.2016.8.24.0069, de Sombrio, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 06-06-2017)". MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PLEITO DE MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS PELA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. PROCEDÊNCIA. DEFENSOR DATIVO QUE EFETUOU TRABALHO EM SEDE RECURSAL. FIXAÇÃO NOS PADRÕES DA RESOLUÇÃO CM N. 5/2019. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003257-65.2018.8.24.0064, da comarca de São José 1ª Vara Criminal em que é Apelante Giovani de Moraes Oliveira e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

Florianópolis, 23 de abril de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denuncia contra Giovani de Moraes Oliveir, pelo cometimento, em tese, do crime previsto no artigo 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, conforme os fatos narrados na peça acusatória:

No dia 21 de janeiro de 2018, por volta das 12h, nas proximidades da Rua José Jorge Kelss, no bairro Forquilhas, nesta Cidade e Comarca de São José, o denunciado, Giovani de Moraes Oliveira portava arma de fogo e munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal.

Na data e hora mencionados uma guarnição da Polícia Militar recebeu a informação de que o denunciado Giovani, estava portando arma de fogo naquela via pública. Diante disso, os policiais foram até o local e, ao avistar-lhes, o denunciado empreendeu fuga, deixando cair no chão um revólver calibre .22, marca Rossi, número de série 366943, municiado com 7 (sete) cartuchos de mesmo calibre, que foram apreendidos e submetidos à perícia, a qual constatou que a arma e os cartuchos demonstravam-se eficientes para o fim a que se destinam.2 Consta que o denunciado Giovani de Moraes Oliveira, antes da data dos fatos, em situação ainda não esclarecida, adquiriu e recebeu a arma de fogo e a munição referidas, de uso permitido, porém sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

A denúncia foi recebida em 13 de agosto de 2019 (fl. 29), o réu foi citado (fl. 31) e apresentou defesa (fl.58).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 59).

Na instrução foram inquiridas a testemunha arrolada pela acusação, bem como o réu foi interrogado (fls. 76/77).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais orais (fls. 76/77), sobreveio a sentença (fls.76/77) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para, em consequência, DESCLASSIFICAR a imputação e CONDENAR o réu GIOVANI DE MORAES OLIVEIRA, já qualificado, à pena de 1 (um) ano de detenção, no regime inicialmente aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada um fixado no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, devidamente corrigido pelo cometimento do crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03, substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade à razão de uma hora por dia de condenação. CONDENO o réu, ainda, a pagar as despesas processuais (CPP, art. 804).

Inconformado, o réu apresentou recurso de apelação, em cujas razões (fls.90/101) pugna, preliminarmente, pelo conhecimento das razões recursais apresentadas, ante a sua nomeação para defender o apelante anteriormente a da segunda nomeação constante nos autos, bem como pela nulidade da apreensão realizada na residência do denunciado por ausência de mandado judicial. No mérito, postula a nulidade do laudo pericial da arma de fogo por não ter sido elaborado por perito oficial. Por fim, o arbitramento de honorários recursais em razão da defesa apresentada em segundo grau.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 106-109), ascenderam os autos a este egrégio tribunal.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rogério Antônio da Luz Bertoncini, manifestando-se pelo conhecimento e parcial provimento para fixar os honorários ao defensor dativo (fls.112/117).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Giovani de Moraes Oliveira, inconformado com a sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara Criminal da comarca de São José, que o condenou a pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, a ser cumprida em regime aberto, tendo esta sido substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor mínimo legal, por infração ao disposto no artigo 12, caput, da Lei n. 10.826/2003.

I - Preliminares

I.I - Conhecimento do recurso/ Ausência de Intimação pessoal

Vislumbra-se dos autos, mas precisamente à fl. 87 que transcorreu o prazo do defensor dativo apresentar as razões recursais em favor do réu, ora apelante, sendo-lhe nomeado outro defensor (fl. 89).

Entretanto, denota-se que posteriormente ao despacho o defensor previamente nomeado apresentou as razões recursais, razão pela qual não se vislumbra qualquer prejuízo ao apelante, devendo-se portanto revogar a primeira parte do despacho de fl. 89.

I.II. Da nulidade pela invasão ao domicílio:

Pretende o apelante a nulidade das prova obtidas da apreensão realizada no domicílio do apelante, defendendo a ocorrência de violação ao artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal.

Mas, sem qualquer razão. Explica-se:

A inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos está prevista no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal e artigo 157, caput, do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 5º, LVI, CF - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Art. 157, CPP. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

E colhe-se da redação da garantia fundamental insculpida no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." - grifei.

Como se vê, a regra da Carta Política, dita em outras palavras, é de que não há exigência de mandado judicial para adentrar em casa, sem consentimento do morador, sendo caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro.

Contudo, não há exigência de mandado judicial para adentrar em domicílio quando for caso de flagrante. No caso presente, as informações iniciais repassadas pelos policiais é de que o réu estaria portando arma de fogo e após perseguição, este teria se abrigado em sua residência.. O crime de posse/porte ilegal de arma de fogo, sabe-se, possui caráter permanente e, por isso, a conduta delitiva se perpetua no tempo e, portanto, não há que se falar em invasão de domicílio ou nulidade do flagrante pela ausência de determinação judicial prévia.

Nessa senda, oportuno trazer à baila o escólio de Guilherme de Souza Nucci:

Desnecessidade de mandado em caso de flagrante: é indiscutível que a ocorrência de um delito no interior do domicílio autoriza a sua invasão, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem o mandado, o que, aliás, não teria mesmo sentido exigir fosse expedido. Assim, a polícia pode ingressar em casa alheia para intervir num flagrante delito, prendendo o agente e buscando salvar, quando for o caso, a vítima. Em caso de crimes permanentes (aqueles cuja consumação se prolonga no tempo), como é o caso de tráfico de entorpecentes, na modalidade 'ter em depósito' ou 'trazer consigo', pode o policial penetrar no domicílio efetuando a prisão cabível. (Código de Processo Penal comentado, 8ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 530/531).

Aliás, sobre o assunto o Supremo Tribunal Federal se manifestou em análise de recurso representativo da controvérsia, no sentido da possibilidade de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, desde que amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.

Veja-se:

Recurso extraordinário representativo da...

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