Acórdão Nº 0003270-94.2018.8.24.0054 do Segunda Turma Recursal, 26-05-2020

Número do processo0003270-94.2018.8.24.0054
Data26 Maio 2020
Tribunal de OrigemRio do Sul
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Apelação n. 0003270-94.2018.8.24.0054, de Rio do Sul

Relatora: Juíza Ana Karina Arruda Anzanello


APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAUNA. MANUTENÇÃO DE PÁSSARO SILVESTRE, SEM ANILHA OU AUTORIZAÇÃO LEGAL. ARTIGO 29 DA LEI N. 9605/98. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

ABSOLVIÇÃO POR DESCONHECIMENTO DA LEI E AUSÊNCIA DE DOLO. INSUBSISTÊNCIA. NINGUÉM PODE SUSCITAR A INCONSCIÊNCIA DA LEI, PARA DESCUMPRI-LA. EXEGESE DO ARTIGO 21 DO CÓDIGO PENAL. PROVAS CARREADAS AOS AUTOS QUE ATESTAM A AUTORIA E MATERIALIDADE DOS FATOS, SENDO INEQUÍVOCA A INTENÇÃO DO RÉU EM PRATICAR A AÇÃO DELITIVA.

ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DO SEMIABERTO PARA O ABERTO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA PENA E MULTA QUE SE MOSTRAM ADEQUADOS À REPROVABILIDADE DA CONDUTA.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0003270-94.2018.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul Juizado Especial Cível e Criminal, em que é Apelante Anderson Rodrigues Machado e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.


A Segunda Turma Recursal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para alterar a fixação do regime inicial do semiaberto para aberto.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado, com voto e dele participou o Juiz Vitoraldo Bridi.


Florianópolis, 26 de maio de 2020.


Ana Karina Arruda Anzanello

Relatora



RELATÓRIO

Anderson Rodrigo Machado interpôs recurso de apelação contra sentença proferida pelo magistrado do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Rio do Sul, que julgou procedente a denúncia ofertada pelo Ministério Público de Santa Catarina, condenando-o à "pena de 7 (sete) meses e cinco (05) dias de detenção e 10 (dez) dias-multa, a qual fixo em 1/30 do salário mínimo, por infração ao art. 29, § 1º, da Lei n. 9.605/98" (fl. 94).

Em suas razões recursais (fls. 104/108), o Réu alegou o desconhecimento da lei e a ausência de dolo, bem como que a pena aplicada é por demais excessiva e que faz jus a fixação do regime aberto, caso mantida a condenação. Requereu a reforma da decisão a quo para reconhecer a ausência de dolo e com fulcro no art. 386, VI do Código de Processo Penal declarar sua absolvição, ou, subsidiariamente, reduzir a pena para o mínimo legal, com a fixação do regime aberto.

O Ministério Público apresentou contrarrazões às fls. 117/121, manifestando-se pela manutenção da sentença condenatória. Os autos ascenderam à Turma de Recursos.

Na qualidade de custos legis, o Ministério Público manifestou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 125/128).

Este é o relatório.











VOTO

Inicialmente, consigno que o recurso de apelação é cabível, adequado e tempestivo.

Além do Apelante/Réu não ter se insurgido a respeito, as provas amealhadas durante a instrução processual deixam latente a materialidade e autoria dos fatos, na medida que foi pego em flagrante caminhando com uma gaiola na mão contendo um pássaro da espécie coleirinho (sporophila caerulescens), sem anilha, registro, permissão, licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, incorrendo no delito previsto no art. 29, §1º, III da Lei n. 9.605/98:


"Art. 29 Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

§1º Incorre nas mesmas penas:

[...]

III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente."


Ademais, a alegação de desconhecimento da lei é totalmente desprovida de fundamento. Primeiro que, nos termos do artigo 21 do Código Penal, "o desconhecimento de lei é inescusável", ou seja, ninguém pode suscitar o seu descumprimento, alegando que não a conhece. Segundo que, o acusado não logrou êxito em demonstrar de forma inequívoca, a inconsciência acerca de determinada conduta criminosa, a qual todos nós sabemos é amplamente combatida na sociedade atual (crimes contra o meio ambiente).

Do mesmo modo não há que se falar em ausência de dolo, já que a consumação do delito supra se dá com a mera manutenção do pássaro silvestre sem as devidas licenças ambientais, tratando-se de crime formal. Acrescente-se, que o Apelante/Réu confirmou em seu interrogatório que estava "com o coleirinho na gaiola e que não tinha registro". Assim, evidente a sua consciência e intenção ao praticar o ato ilícito.

Por fim, verifica-se que escorreita a dosimetria aplicada.

Todavia, quanto a fixação do regime inicial, o caso em tela demanda a reforma da sentença.

Isso porque, a fixação de regime mais gravoso do que o imposto em razão da pena aplicada deve ser feita com base em fundamentação concreta, a partir das circunstâncias judiciais dispostas no artigo 59 do Código Penal ou de outro dado concreto que demonstre a extrapolação da normalidade do tipo.

Nesse sentido, são os enunciados das Súmulas ns. 440/STJ, 718 e 719/STF, respectivamente, in verbis:


"Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito."


"A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada."


"A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.


Ademais, o art. 33, § 2.º, alínea c, do Código Penal dispõe que "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto".

O fato do acusado possuir maus antecedentes por cometimento de outros delitos (não específico), no caso, não é por si só, fator determinante para a imposição de regime mais gravoso. Isso porque, o réu foi pego com uma ave da espécie "coleirinha", que não é considerada espécime em extinção, a qual foi prontamente colocada liberdade, conforme depoimento do policial ambiental que atendeu a ocorrência (fl. 59).

Portanto, feitas as considerações acima, analisando-se conjuntamente todas as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, entendo possível a fixação de regime inicial aberto para cumprimento da pena de 07 (sete) meses e 05 (cinco) dias de detenção.

Por outro lado, embora reconhecida a possibilidade de aplicação do regime do semiaberto para o aberto, cumpre destacar a impossibilidade de substituição da pena aplicada por restritiva de direitos, uma vez que o Apelante não atende aos requisitos dos incisos II e III do art. 44 do Código Penal. Como se colhe da certidão de antecedentes criminais de fls. 24 – 26, situação que, inclusive, impediu a proposta de transação penal pelo órgão Ministerial.

Leciona Guilherme de Souza Nucci:


"(...) O juiz, em caso de condenação,poderá conceder o sursis ou fixar o regime aberto para cumprimento. Há posição contrária, sustentando que, nas hipóteses de infração de menor potencial ofensivo, se cabe transação, por certo seria aplicável a substituição por pena restritiva de direitos. Pensamos de modo...

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