Acórdão Nº 0003338-15.2017.8.24.0075 do Primeira Câmara Criminal, 18-02-2021

Número do processo0003338-15.2017.8.24.0075
Data18 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0003338-15.2017.8.24.0075/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: CLECIO GOMES (RÉU) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Clecio Gomes, dando-o como incurso nas sanções do art. 302, caput, da Lei 9.503/1997, em razão dos seguintes fatos:
Consta no incluso caderno indiciário que, no dia 14 de outubro de 2016 (sexta-feira), por volta das 9h45min, na Rua João Eleotério de Medeiros, Bairro Revoredo, em Tubarão-SC, o denunciado CLECIO GOMES conduzia em marcha a ré o caminhão VW/7.100, placas LYL-9892, fazendo-o de forma imprudente, visto que na contramão da direção, bem como sem a atenção necessária, tanto que não percebeu a aproximação da pedestre Vanderléia de Aguiar da Rosa que caminhava pela via de chão batido, vindo a dar causa ao atropelamento de referida pessoa, nela resultando os graves ferimentos que foram as causas eficientes de sua morte por "politraumatismo" (Laudo Pericial de fls. 23-25). (evento 21).
Sentença: a juíza de direito Liene Francisco Guedes julgou procedente a denúncia para condenar Clecio Gomes pela prática do crime previsto no art. 302, caput, da Lei 9.503/1997, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser definida pelo Juízo da Execução, pelo período de 2 (dois) anos; e b) prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos; e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, além da suspensão do direito de dirigir pelo período de 2 (dois) meses, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 98).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.
Recurso de apelação de Clecio Gomes: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:
a) as provas reunidas nos autos não são suficientes para demonstrar a culpa do apelante, tendo sido o abalroamento provocado exclusivamente pela conduta da vítima;
b) a opção pela sanção substitutiva menos favorável se deu sem fundamentação concreta, devendo ser reformada a sentença para substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito e multa, e não duas restritivas de direitos.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a absolvê-lo da conduta narrada na denúncia e, subsidiariamente, substituir a reprimenda por uma restritiva de direitos e multa (evento 106).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:
a) o conjunto probatório não deixa dúvidas acerca da culpa do acusado na ocorrência do evento, posto que conduzia o veículo com imprudência e desatenção às normas de circulação de trânsito, sendo inviável a sua absolvição;
b) a opção pela modalidade de substituição da pena é faculdade do sentenciante, sendo que, no caso, a escolha por duas restritivas de direitos se insere nesta esfera de discricionariedade e é proporcional e razoável aos autos;
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória. (evento 111).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Ernani Dutra opinou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (evento8).
Este é o relatório

VOTO


A versão da defesa baseia-se na tese de que as provas reunidas nos autos não são suficientes a demonstrar a modalidade de culpa na qual o apelante foi inserido. Por sua vez, atribui a culpa pelo evento danoso exclusivamente à vítima, a qual estava sob a influência de drogas e não adotou os devidos cuidados enquanto circulava na via, colocando-se em local que resultou a perda de sua vida.
O art. 302, caput, da Lei 9.503/1997, assim dispõe:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Como se vê, a norma legal supracitada tem como condição diversa do previsto no art. 121, § 3º, do Código Penal, estar o autor da conduta delituosa conduzindo veículo automotor. Porém, aplica-se ao referido tipo os mesmos critérios para o reconhecimento da culpa, quais sejam: a imprudência, negligência e imperícia. Nesse sentido, vale transcrever os excertos vertidos na obra de Renato Marcão: "A culpa consiste na omissão voluntária das diligências necessárias para causar as consequências prováveis e possíveis do próprio fato" (Bento de Faria, Código Penal brasileiro interpretado; parte geral, 2. ed., Rio de Janeiro, Record, 1958, v. II, p. 159).
Dito isto, destaca-se que a materialidade delitiva está consubstanciada no boletim de ocorrência (evento 1, Inquéritos 4/5), no relatório de investigação (evento 1, Inquéritos 9-14), no laudo pericial cadavérico (evento 1, Inquéritos 23-25), e no laudo pericial realizado no local de acidente (evento 14).
Nesse sentido, colhe-se do laudo cadavérico que a causa de morte da vítima foi politraumatismo provocado por instrumento contundente (evento 1, Inquérito 23).
Ainda, tanto a materialidade quanto a autoria delitivas estão estampadas na prova oral colhida ao longo da persecução criminal.
Isso posto, extrai-se do depoimento do policial militar Vitor Medeiros Scarpato na Delegacia:
Que, o depoente policial militar e estava em serviço na data dos fatos. Sua guarnição foi acionada pela Central Regional de Emergência para atender um acidente de trânsito com óbito no bairro Revoredo, próximo a boate Diva's, nesta cidade. Quando a guarnição chegou ao local encontrou uma guarnição de bombeiros, que já havia confirmado o óbito, sendo a vítima uma mulher. O corpo estava caído entre as rodas de um caminhão caçamba, contendo o logo da empresa Gomes Materiais de Construção. Segundo populares a vítima era conhecida por Léia e era usuária de drogas. O condutor do caminhão, Clécio Gomes, também estava no local, porém, estava sendo atendido pelos bombeiros, visto que estava em estado de choque. Clécio não conseguia falar e estava com a pressão arterial muito alterada e os bombeiros acabaram conduzindo-o ao hospital. Populares comentaram que escutaram um barulho e quando saíram de suas casas para ver o que aconteceu, encontraram a vítima caída embaixo do caminhão. Durante o atendimento, um irmão de Clécio, conhecido por Gomes, esteve no local e afirmou que o caminhão pertence a sua empresa, Gomes Materiais de Construção. O perito do IGP questionou a Gomes se o caminhão possuia alerta sonoro de ré, tendo ele respondido que sim. Não foi possivel a guarnição identificar testemunhas pois ninguém havia presenciado. Acrescenta que assim que a guarnição chegou ao local os bombciros estavam vasculhando a bolsa da vítima, procura de documentos, oportunidade em que encontraram um tablete de material semelhante a maconha na bolsa. A bolsa com a droga foi entregue ao policial civi Ruben, que também prestou atendimento no local. Nada mais ocorreu. (evento 1, Inquéritos 16/17).
Em Juízo, corroborou:
Que, quando chegou ao local, a vítima já estava em óbito; Que o agente teria dado ré no caminhão sem perceber a vítima atrás; Que se tratava de uma estrada de chão batido; Que era um dia claro, com visibilidade normal; Que ele estava na pista da direita, no sentido contrário; Que era uma via de média largura; Que encontraram uma porção de drogas na bolsa da vítima, e soube que ela seria usuária de drogas; Que não sabe se ela estaria alterada pelo efeito da droga; Que a casa do cliente era um pouco a frente do lugar da ocorrência; Que o acidente ocorreu na via; Que não se recorda com detalhes, mas acredita que havia um espaço para circulação de pedestres; Que se tratava de um caminhão caçamba; Que, quando chegaram, o agente estava sendo atendido pela ambulância, porque estava em estado de choque (evento 83, Vídeo 242).
Os policiais militares William Ricardo Madeira e Ruben Maciel da Rosa, também responsáveis pelo atendimento à ocorrência, prestaram depoimentos no mesmo sentido durante a etapa investigatória (evento 1, Inquéritos 18/19 e 35).
Já na etapa judicial, William Ricardo Madeira reiterou a versão apresentada anteriormente com poucos detalhes, devido ao decurso do tempo desde a ocorrência.
E o policial Ruben Maciel da Rosa acrescentou, conforme transcrição efetuada na sentença e contra a qual a defesa não se insurgiu:
Que, não conhece o acusado Clécio; que é Policial Civil e atua como auxiliar criminalista; que recorda de ter atendido este ocorrido em outubro de 2016; que confirma que foram feitas fotos, bem como que era um dia claro e com o tempo bom; que não presenciou os fatos; que, ao chegar, a vítima já estava em óbito; que haviam muitos populares no local; que não conseguiu levantar nenhuma testemunha ocular; que soube que o caminhão tinha ido descarregar um material em uma casa um pouco mais para frente do local do acidente; que soube que o mestre de obras ou pedreiro que estava lá, quando o caminhão começou a dar marcha à ré, avistou uma pessoa passando atrás do caminhão; que o pedreiro imaginou que a pessoa estaria no ponto cego de visão do motorista; que o pedreiro teria tentado avisar o motorista; que, segundo o pedreiro, o motorista não ouviu e seguiu dando ré em velocidade compatível e olhando para os dois retrovisores, mas não percebia que tinha alguém atrás; que realmente existe um ponto cego grande no caminhão; que, então, aconteceu o acidente; que, após o acidente, o motorista estava muito mal e foi levado ao hospital, pois estava totalmente abalado emocionalmente; que, naquela rua, um...

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